Eça &
Outras, III.ª série, n.º 204, segunda-feira, 25 de agosto de 2025
IIº Centenário
do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)
Alzheimerização
da política e da sociedade
Todos
nós já ouvimos falar da doença de Alzheimer, essa anomalia neurodegenerativa comum
de demência que aparece lentamente e se agrava com
o tempo, inicialmente com perda de memória e dificuldade em recordar eventos
recentes, depois dificuldades na linguagem, desorientação, alterações de humor,
desmotivação, desinteresses vários e comportamento agressivo, rumo à camisa de forças
por caridade. É mesmo possível que muitos de nós conheçam pessoas a quem esta
doença foi diagnosticada pela ciência médica em diferentes graus de evidência,
dos muito leves aos verdadeiramente graves. Com a agravante dos sintomas e suas
consequências serem, até hoje, irreversíveis e, em muitos casos, se confundirem
com normalíssimas manifestações do comportamento humano: não será aceitável
alguma perda de memória numa sociedade diariamente bombardeada por um número
incontrolável de informações? Uma mente seletiva, que guarda para mais tarde
recordar apenas o que lhe apetece ou é agradável, está necessariamente doente?
E nunca nenhum de nós tropeçou num fonema difícil ainda que corriqueiro? E
aqueles que, além dos gagos, desde muito novos têm formas de expressão
inusitadas, vá-se lá saber porquê, como adornarrr muitas palavrrras com
excessos de rrr? E bem sabemos das variações dos GPS individuais, com gente a
indicar-nos com o ar mais sério deste mundo que o Norte é para Sul e a curva da
estrada à esquerda é para o lado do fígado e da mão direita. Distrações? E
quantas vezes não temos tantos e tão bons motivos para desancar verbalmente
(fisicamente é incitamento à violência…) alguém que nos agrediu com factos ou
ações que não merecem qualquer bom humor? Ah! E quanto a motivações temos
falado: quando vemos “passar à nossa frente” o sujeito ou sujeita com menos
habilitações, menor curriculum e irrelevante obra feita, alardeando habilidades
e vencimentos, acham que é fácil mantar saudavelmente as motivações? Outros
interesses e desinteresses variam ao longo da nossa vida e convém recordar que
Gil Vicente, Camões, Cervantes, Shakespeare, Verdi, e tutti quanti, bem
gozaram, literária, cenográfica e musicalmente falando, com “interesses” que a
sociedade acha (pelo menos assim o diz…) que já se deveriam ter transformado em
desinteresses individuais, mas que teimam em persistir. Os falstaffes
são sempre ridicularizados. E quanto à violência física ela é muito bem
tolerada quando é exercida pelos adeptos do futebol e pelas polícias sobre os
cidadãos apanhados em “contramão”. Fora disso, só as guerras não são
catalogadas como “comportamento agressivo” alzheimerizado; creio bem que ainda
ninguém diagnosticou esta doença, já em fase muito adiantada, a Putin ou a
Netanyahu. Enfim, já tínhamos lido que nem sempre é fácil diagnosticá-la. E que
também não há cura. Só paliativos. Como este e outros textos.
Por
tudo isto, e no que me diz respeito, sempre que qualquer coisa parecida me
afeta, prefiro comparar-me aos mais recentes computadores com que lidamos todos
os dias: são fantásticos a guardar informação, mas nem sempre conseguimos
lembrarmo-nos onde neles a arquivamos, qual o nome da pasta ou do ficheiro,
qual a palavra passe, e quando encontrados, nem sempre “abrem” logo e, quando
são “pesados”, demoram o seu tempo. É preciso pois saber esperar e não entrar
em pânico, e nem vale a pena ir a correr atrás do neurologista, até porque a
sociedade fabrica em quantidade muitas profissões, exceto várias daquelas que
fazem falta. Coisas do planeamento universitário e dos governos, para os quais
umas estatísticas servem e outras nem por isso.
Mas
nesta fase do cio eleitoral (leram bem, escrevi mesmo cio) em que já todos nos
encontramos, um outro fenómeno emerge por aí com virulência: em vez de
compreensíveis esforços para diagnosticar, acompanhar e minorar por
profissionais competentes os efeitos alzheimerosos que em boa verdade por aí
andarão, aparecem-nos candidatos de diversos partidos políticos a quererem
convencer-nos de que já estamos todos com alguns indícios de irreversível
alzheimer sem debelações possíveis. Apresentando-se como cidadãos impolutos,
imaculados, desde sempre votados ao interesse público e às mais nobres causas
(que eles inventaram, pois claro, que todos nós somos para tal incapazes),
estão eles confiantes que as nossas aparentes perda de memória, desmotivações e
desinteresses vários, já nos fizeram esquecer aquelas partes do seu curriculum
que querem ocultar, mas das quais, e já agora que nelas falamos, afinal nos
lembramos muito bem, e até sabemos onde estão os documentos, judiciais e
outros, que tal demonstram, os recortes de jornais, as gravações, trabalho esse
a que os jornalistas se darão se tal for necessário, se o figurão ou figurona
sobressaírem da sua habitual mediocridade e quiserem continuar a tirar proveito
das nossas distrações e voltarem a ser premiados pelo povo (quantas vezes
momentaneamente alzheimerizado…) nas próximas eleições. Não, não vamos permitir
que tal aconteça.
Outro
fenómeno na mesma linha de nefastas consequências são as recentes
“canonizações” de pessoas acabadas de falecer (que diabo! Eles também morrem…),
ou que nestas épocas são ressuscitadas como figuras tutelares de quem quer
permanecer agarrado ao poder. E o processo é o mesmo: o branqueamento das
biografias, fazer esquecer ações pouco edificantes que chegaram aos tribunais
ou se ficaram por investigações não concluídas ou oportunamente prescritas,
tudo por engano obviamente, ou voltar a mobilizar instituições com
estranhíssimos “poços de petróleo” que não só bombeiam fortunas retiradas ao
erário público disfarçadas de esmolas e donativos, como serviram e servem para
financiar máquinas administrativas estrategicamente colocadas para guindarem os
discípulos aos lugares chaves da perpetuação das habilidades do “mentor” e da
sua entourage. Estamos a lembrar individualidades, mas na realidade elas
pertencem a seitas, grupos de influência, grupos organizados para tomarem ou se
manterem no poder. Vejam onde estão colocados os bustos dos ditos e vejam lá
quem aí acende velas de tempos a tempos. E o porquê de tanta cera ardida.
E
assim vamos nós. Mas não, não é verdade: os meus caros amigos não estão
alzheimerizados, nem se deixam alzheimerizar pelos profetas dos apocalipses de
conveniência ou pelas sereias que nadam mal fora d’água. Apenas, às vezes,
estamos todos um pouco distraídos, ou fartos destas “ingenuidades”, e até as
desculpamos como imperadores que somos nas horas vagas do reino da
condescendência. E vou dizer-lhes um segredo de historiador: “estas coisas”,
tirando a figura do ano ou da época que conhecemos no calendário, sempre foram
assim. E nós cá estamos e estaremos continuados pelos que nos seguirão. Mas
seria bom que lhes quebrássemos alguns enguiços assinalados na citação que se
segue e que bem poderemos atualizar: «… entre nós a mentira é um hábito
público. Mente o homem, a política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos,
os sermões, a arte e o País é todo ele uma grande consciência falsa. Vem tudo
da educação.» (Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre).
J.
A. Gonçalves Guimarães
Historiador
Estamos
em…
Entre 22 de
agosto e 7 de setembro, a ASCR-CQ, numa parceria com a Associação
Portuguesa da História da Vinha e do Vinho (APHVIN/ GEHVID) está presente, como
habitualmente, na Feira do Livro do Porto, no Palácio de Cristal, desta vez no
stand 77, junto ao "Largo dos Cavalinhos", onde estão à venda todos
os livros e revistas editados por ambas as associações.
No
dia da abertura diversas personalidades passaram pelo stand da Confraria
dialogando com os associados presentes e adquirindo livros, nomeadamente o
Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.
Por gentileza do autor, o escultor Hélder de Carvalho, está aí em exposição o gesso do seu mais recente busto do escritor J. Rentes de Carvalho este ano homenageado pela ASCR-CQ nesta Feira do Livro. Esta obra de arte, depois de passada ao bronze, será em data oportuna colocada na aldeia de Estevais do Mogadouro, terra dos antepassados do escritor e onde ainda recentemente comemorou os seus 95 anos, tendo, entretanto, regressado a Amsterdam.
O Presidente da República no stand da Confraria; fotografia de Guilherme Silva
No
próximo dia 29 de agosto, sexta-feira, pelas 15 horas, no Largo dos Cavalinhos
será feito o lançamento da obra Eça & Outras 2. J. Rentes de Carvalho 95
Anos, da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães, presidente da direção da
ASCR-CQ. A apresentação do livro e do autor estarão a cargo do Prof. Doutor
António Manuel Silva, do Gabinete de História, Arqueologia e Património.
Busto
de J. Rentes de Carvalho, fotografado pelo autor no seu atelier em Vila Nova de
Gaia
Independência do
Brasil…na Romênia
«No 7 de setembro celebramos o Dia da
Independência do Brasil declarada no dia 7 de setembro 1822! Celebramos esse evento
com a exposição de arte popular brasileira “O Brasil em lendas e sonhos” de
Terezinha Bilia e o recital de música brasileira de Marwin Chester e Cristina
Moraru Petrescu. O evento é organizado em cooperação com a Embaixada do Brasil
em Bucareste e o Instituto Guimarães Rosa e terá lugar ao Museu de Arte de
Cluj-Napoca no dia 6 de setembro 2025, às 11h; a exposição estará aberta até o dia
14 de setembro! Estamos esperando todos vocês!»
A ASCR-CQ esteve
em…
«Pelos Caminhos de Santiago: uma
abordagem histórica» - Como
anunciado na folha passada, no dia 26 de julho, J. A. Gonçalves Guimarães
participou como historiador profissional do Gabinete de História, Arqueologia e
Património da ASCR-CQ no Mosteiro de Grijó na V Conferência Pelos Caminhos de
Santiago organizada pela Confraria de Santiago da Paróquia de São Salvador de
Grijó, com uma comunicação intitulada «Pelos Caminhos de Santiago: uma
abordagem histórica»., a qual foi depois desenvolvida na “Palestra da última
quinta-feira do mês” no Solar Condes de Resende e via zoom no passado dia 31 de
julho.
Investigadores-tarefeiros
2025, com os monitores do projeto; fotografia de João Fernandes
Investigadores-tarefeiros – no
passado dia 27 de julho o presidente da direção e a Dr.ª Maria de Fátima
Teixeira reuniram com os investigadores-tarefeiros do programa deste ano na
Confraria Queirosiana. Iniciado em 2004, tem como objetivos proporcionar a
jovens investigadores nas áreas das Ciências Humanas a concretização de
trabalhos inéditos sobre Vila Nova de Gaia e a sua relação com o mundo
coordenados pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património, a preparação
para publicação de outros já elaborados depois de certificados por pares, a
divulgação do Roteiro Queirosiano e o apoio às atividades do Solar Condes de
Resende. A avaliação é feita anualmente.
A ASCR-CQ vai estar em…
Encontro Nacional FAMP 2025 - Nos próximos dias 26 a 28 de setembro a direção da
ASCR.CQ e alguns associados vão estar presentes neste encontro no Museu do
Douro, na Régua, organizado com a colaboração da direção do museu e da Associação
de Amigos do Museu do Douro, o qual tem como objetivos a partilha de
experiências entre a federação e os diversos grupos de amigos nela filiados,
devendo estar presentes Jovens FAMP que se prepararão para a comemoração do Dia
Europeu dos Amigos dos Museus, a 12 de outubro.
Associados da ASCR-CQ
No passado dia 26 de julho, a banda de jaz clássico
Dixie Gang, de que faz parte o Professor David Rodrigues, nosso prezado
consócio, que vemos na fotografia sentado ao piano, atuou no Palácio Pimenta -
Museu da Cidade de Lisboa enquadrados pela estátua original de Eça de Queirós e
a Verdade, de Teixeira Lopes, que ali se encontra recolhida desde que foi
substituída no Largo do Barão de Quintela por uma réplica de bronze. Parece que
Eça foi visto «a tentar dar uns passinhos de dança com a "nudez crua da
verdade..."».
Livros
Na sequência dos seus muitos trabalhos
genealógicos, Ricardo Charters-d’ Azevedo publicou recentemente pela editora
Hora de Ler um novo texto sobre o Doutor D. frei Patrício da Silva nascido nos
Pinheiros (Leiria), arcebispo de Évora e depois o 7.º cardeal-patriarca de
Lisboa, durante e depois da guerra civil entre D. Pedro e D. Miguel, «destinado
aos seus quase 500 sobrinhos», muito bem
ilustrado e documentado, o que o torna uma obra imprescindível, não apenas para
os estudiosos da pessoa e dos seus descendentes colaterais, muitos deles
notáveis, mas também para o enquadramento de muitos acontecimentos históricos
que os tiveram como protagonistas ou participantes.
Em 2021 e para a celebração dos seus 70
anos de idade, Maria de Fátima Teixeira e António Manuel Silva organizaram
“clandestinamente” um livro com algumas das suas crónicas escritas para a
página mensal da ASCR-CQ publicada entre 2005 e 2008 em O Primeiro de
Janeiro, a que naturalmente chamaram Eça & Outras Crónicas
Queirosianas, deixando aí a sugestão de que devia ir reunindo as restantes
em livros temáticos. Passado que foi este tempo e publicadas mais de 200
crónicas, reuniu agora mais algumas delas, desta feita para homenagear um
amigo, conterrâneo e grande escritor português, numa coletânea intitulada Eça
& Outras 2. J. Rentes de Carvalho 95 Anos, onde republica “tudo” o que
sobre ele e a sua obra escreveu ou coligiu em eca-e-outras.blogspot.com, no
jornal As Artes Entre As Letras, ou noutras oportunidades editoriais.
Aqui fica este testemunho, porventura algo desconexo e até repetitivo da sua
grande admiração e agradecimento por tudo o que tem escrito para que os nossos
dias sejam mais reflexivos e, se for possível, mais felizes.
Eça
& Outras, III.ª série, n.º 204, segunda-feira, 25 de agosto de 2025;
propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende -
Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de
Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia;
C.te n.º 506285685; NIB:
0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e
publicação no jornal As Artes Entre As
Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção:
Amélia Cabral; colaboração: Hélder de Carvalho; Guilherme Silva; João
Fernandes; Cristina Petrescu; David Rodrigues; Ricardo Charters-d’Azevedo.