quarta-feira, 25 de junho de 2025

 

Eça & Outras, III.ª série, n.º 202, quarta-feira, 25 de junho de 2025

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

Dois exércitos de paz invadem-nos todos os dias

Deambulando pela Beira-rio de Gaia deparei-me com uma pacífica invasão de Portugueses e estrangeiros que ocupavam as ruas as esplanadas as vielas os hotéis os alojamentos locais os cantos e esquinas os monumentos os cais as embarcações no Rio Douro. Não pareciam uma força organizada, pois eram de todas as idades, desde jovens desembaraçados a idosos trôpegos, e mesmo crianças, tinham colorações de pele e aspetos visuais muito variados, exibindo trajos e adereços diversos, uns como se tivessem acabado de chegar da travessia do deserto de Atakama, outros como que do último desfile de moda da Côte d’ Azur, a maioria dos apertos de Bebe-e-dorme, das Ramblas de Barcelona ou do Comedepressaevai-tembora de qualquer aeroporto. Falavam diversíssimas línguas, mas geralmente trauteavam um travel english universalizante, alguns ensaiavam um “obligado” no final da breve abordagem e quase todos demandavam por portwines, ali disponibilizados em todos os antigos armazéns agora transformados em lojas de “souvenires”, onde se pode degustar um vinhote barato, comprar um boné da equipa de baseball dos garbagemen de Nova Iorque, um leque andaluz, peças de bugigangada europeia ou aficana, um lenço “à vianesa” made in China. Deambulando quase sempre entre nadas e coisas nenhumas, ou por entre monumentos entretanto submetidos a tratamentos de tecnicolor, estes exércitos quase sempre pacíficos, «trotam pelo gosto corporal de trotar… e no seu trote contínuo através dos continentes vão assobiando, porque não vão pensando. Na realidade são vagabundos» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas «Eduardo Prado»).

Muito menos benevolente, e conhecendo-os de Paris ou de Amesterdam, há quem os defina como umA Praga: «Eu sei que nada exterminará o turista: ele procria, associa-se, faz prosélitos… Os próprios governos aliciam-no para que viage mais e mais. Porque viajando deixa lucro (Os danos causados? Quem viver que cuide). A indústria e o comércio enfeitiçam-no com folhetos sobre paragens exóticas, onde o sol brilha em permanência e todos os dias são de festa. Onde o mar é sempre calmo, o bosque sempre verde, o amor e a amizade sempre à mão. E ele, crente, só sonha em partir… caminhando em massa para os museus de réplicas num mundo de pacotilha» (J. Rentes de Carvalho, Mazagran. Recordações & outras fantasias, Quetzal, 2012, pp. 223/224). Um pouco por todo o lado encontramos estes devotos da ilusão atentos ao rancho folclórico de empregados de escritório travestidos de camponeses de postal ilustrado a cantarem e a saracotearem o «Apit’ó comboio», a visitarem os ossos de um santo que nunca existiu, à procura de desconhecidos celtas e a divertirem-se com uma versão soft da Lenda do Rei Ramiro. Por fim, um pouco cansados, sentam-se no Jardim do Morro a admirar gratuitamente o pôr-do-sol que se avermelha nos longes do mar por sobre o arco da Ponte da Arrábida, talvez nostalgias endócrinas de antigas partidas e chegadas pela barra do Douro.

Por causa deste exército invasor se tem macaqueado muita coisa, se inventa, se disponibilizam banalidades, romeus e julietas em Itália, pedros e inêses em Portugal, glórias pintadas em azulejos ou estampadas ao arrepio de toda a História, Arqueologia, Antropologia e Património, que as literatices dos turismos têm verbas para manter criadores de conteúdos digitais, guias nepaleses de tuque-tuque e outros que tais, além de artistas de inexistentes referências, de homenagens ao efémero, esculturas de esferovite. Mas também sei que, geralmente, e tirando os grunhos das claques futeboleiras, este exército é pacífico e para trás apenas deixa lixo, latas de refrigerantes vazias e de sensações momentâneas que não iriam perdurar se, amanhã, não viesse nova vaga deles. Mas por eles não haverá nem bombas, nem genocídios, pois será tudo low coast, que a guerra verdadeira custa milhões e exige arreganhos de estado.

Mas também no nosso tempo, e paralelamente a este exército dos turistas, encontrei há dias um outro exército numa rua da cidade do Porto, alinhado numa extensa fila que ia desembocar numa repartição pública, formado por muitos homens e mulheres com papéis na mão ou em precárias pastas, também com aspetos humanos diferentes nos trajos nas poses. Alguns deles envergavam umas vestes ou uma cobertura de cabeça mais inusitada nestas bandas. Muitos com um ar exausto e ansioso em relação ao lentíssimo despacho da fila. De vez em quando um saía sorridente da repartição estatal exibindo uns carimbos na papelada, como se tivera já vencido uma dura batalha de uma guerra sem fim à vista. São migrantes, gente pacífica que deixou a sua terra de origem, às vezes no outro lado do mundo, para vir até aqui trabalhar, ganhar uns dinheiros que lá longe eram mais avaros, ou simplesmente não estavam disponíveis. Outros fugindo de guerras, de mortandades, de desastres ecológicos, de conflitos locais e regionais irresolúveis ou sem fim à vista nas previsões engravatadas das Nações Unidas. Contrapondo a tudo isto, já no século XIX se sabia que «as emigrações, quando são bem compostas, criam na sua pátria fortes apoios morais e são a melhor garantia da harmonia internacional… Ela [a emigração] estabelece a fusão das raças, cria novos tipos de humanidade e novas originalidades de temperamento. Ela dá ao homem civilizado uma posse mais completa do globo… É uma criadora de ciência e, pelos seus movimentos grandiosos e fecundos, uma força civilizadora na humanidade. (Eça de Queirós, A Emigração como Força Civilizadora, 3.ª edição, Lisboa: Edições D. Quixote, 2001, p. 124, 125 e 126).

Dir-me-ão que nem tudo são rosas ou cravos em torno destes dois pacíficos exércitos que ora nos invadem. E para tal aquilatarmos basta lembrarmo-nos que nós, Portugueses, também no passado e com batalhões algo semelhantes, ainda que às vezes armados em guerra, invadimos outros povos e territórios um pouco por todo o mundo sem pedir licença ou propor acordo prévio. Também conhecemos os desastrosos resultados de quando estes exércitos, o dos turistas e o dos emigrantes, não chegam previamente anunciados e portadores de um sorriso da esperança estampado no rosto. E também sabemos dos bandos de hienas e de chacais que quantas vezes os acompanham para deles obterem o mais rentável das inércias locais ou da confusão que o excesso da sua presença origina. E conhecemos os argumentos dos profetas da desgraça que querem a todo o custo fazer-nos crer nas excelências do seu ridículo e exclusivo quintal que nem dá couves que cheguem para a sopa costumeira.

Mas sobre estes dois pacíficos exércitos invasores das nossas cidades não é esta última a nossa esperança, ou a da Humanidade. Herdámos estas cidades de outros esperançados migrantes do passado, que também aqui chegaram vindos de longes terras, e deve ser em nosso nome e no nome deles que hoje estamos aqui a receber os participantes nestes dois pacíficos movimentos que chegam quotidianamente até nós, o dos turistas e o dos migrantes, sobre os quais, parafraseando Eça de Queirós no final da obra acima citada, direi que são a afirmação, e mesmo a apologia, de forças civilizadoras.

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

                                         José Rentes de Carvalho, maio de 2025; fotografia de António Manuel S. P. Silva


J. Rentes de Carvalho gaiense honorário

No passado dia 20 de junho na sessão comemorativa do Dia do Município de Vila Nova de Gaia que teve lugar no recentemente inaugurado Pavilhão Multiusos Nelson Mandela, a Câmara Municipal atribuiu a Medalha de Honra que confere o título de Cidadão Honorário por ter «prestado serviços de excecional relevância contribuindo desse modo para o bem social geral, para o bom nome e prestígio do Município e para a sua projeção nacional e internacional» ao Prof. Dr. José Rentes de Carvalho, aqui nascido a 15 de maio de 1930, escritor; antigo professor da Universidades de Amsterdam; comendador da Ordem do Infante D. Henrique; medalha de Mérito Municipal de Vila Nova de Gaia – classe ouro (2001); confrade honorário da associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana, EUP; Personalidade do Ano 2023 pela CCDR-Norte, I. P., entre outras distinções. Na impossibilidade de estar presente o agraciado delegou no presidente da direção da ASCR-CQ, J. A. Gonçalves Guimarães, que recebesse a distinção das mãos do presidente da Câmara, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues na referida cerimónia. Seguiu-se o concerto Os Sons e as Vozes de Gaia em que atuaram conjuntamente as quatro filarmónicas de Gaia, com diversos maestros e vários solistas que no final interpretaram a versão integral do Hino Nacional de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça.

A ASCR-CQ esteve em…

No dia 31 de maio no Pavilhão Multiusos Nelson Mandela na gala “Melhor Escola”, promovida pelo jornal O Gaiense e destinada a premiar os jornais apresentados a concurso pelos professores e alunos das escolas secundárias, públicas, privadas e confessionais, de Vila Nova de Gaia. Para além de vários dirigentes e confrades em representação de várias escolas e outras instituições, estiveram presentes o presidente da direção e a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira de Gabinete de História, Arqueologia e Património. A associação colaborou com professores e alunos de várias das escolas concorrentes na concretização de conteúdos.

No dia 7 de junho estivemos presentes em Matosinhos no capítulo da Confraria Gastronómica do Mar representados pela Prof. Doutora Ana Paula Ferreira Brito.

No dia 8 de junho, e também como habitualmente por gentileza do Cônsul Honorário de Itália no Porto, Dr. Paolo Pozzan, e do presidente honorário da associação Dante Alighieri, General Ângelo Arena, o presidente da direção J. A. Gonçalves Guimarães; o Prof. Doutor José Manuel Tedim, professor de História da Arte, e senhora, e o Dr. António Pinto Bernardo, dos corpos sociais da ASCR-CQ; o Dr. Manuel de Novaes Cabral, diretor do Museu Nacional Ferroviário; a Doutora Maria da Glória Gonçalves, também confrade; a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira do Gabinete de História, Arqueologia e Património; e outros associados e confrades em representação de diversas entidades, estiveram presentes nas comemorações do Dia de Itália que teve lugar na Pousada do Freixo no Porto, obra do grande arquiteto italiano Nicolau Nasoni.

No dia 20 de junho, nas celebrações do dia do Município de Gaia que decorreram no Pavilhão Multiusos Nelson Mandela (ver acima homenagem a J. Rentes de Carvalho), para além da presença de J. A. Gonçalves Guimarães e de Maria de Fátima Teixeira como curadores do espólio daquele escritor oferecido à confraria e a seu pedido para receberem a medalha outorgada pela autarquia, estiveram presentes vários confrades por inerência dos cargos autárquicos que desempenham na Câmara Municipal e em algumas Juntas de Freguesia.

Curso no Solar

Encontra-se em fase de certificação o próximo curso promovido pela Academia Eça de Queirós no Solar Condes de Resende sobre os «200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-2025)» que terá o seguinte calendário, programa e professores: 1 – 4 de outubro - Teoria da Literatura: o que é? Para que serve? por Sérgio Sousa, Centro de Estudos Camilianos;  2 – 11 de outubro - Camilo Castelo Branco e Vila Nova de Gaia, por J. A. Gonçalves Guimarães, ASCR – Confraria Queirosiana; 3 – 25 de outubro - A Gastronomia em Camilo, por Elzira Queiroga, Centro de Estudos Camilianos; 4 – 8 de novembro – Reler Camilo hoje, por Sérgio Sousa, Centro de Estudos Camilianos; 5 – 29 de novembro - Retratos de Gaia pela objetiva literária, por Cármen Matos Abreu; 6 – 13 de dezembro - Camilo e Eça de Queirós, por Irene Fialho; 7 – 10 de janeiro - Abade Santana de Mafamude, personagem camiliano, por João Fernandes, Solar Condes de Resende; 8 – 24 de janeiro - Camilo e a Arte por José Manuel Tedim, ASCR – Confraria Queirosiana; 9 – 7 de fevereiro – Camilo e o Teatro, por Júlio Gago, ex-administrador do TEP; 10 – 21 de fevereiro - Camilo e o Cinema, por Mário Augusto, jornalista da RTP; 11 – 8 de março - Teixeira de Vasconcelos, escritor “camiliano”, por Maria de Fátima Teixeira, ASCR – Confraria Queirosiana; 12 – 29 de março - Domingos Carvalho da Silva, um poeta brasileiro, por António Conde; 13 – 4 de abril - J. Rentes de Carvalho e a ficção atual, por Arie Pos; 14 – 12 de abril – visita de estudo à Casa Museu de São Miguel de Seide e sarau camiliano com a atuação do grupo musical Eça Bem Dito.

As aulas, presenciais e por videoconferência, decorrem no Solar Condes de Resende, ao sábado à tarde, normalmente de quinze em quinze dias, entre as 15 e as 17 horas, entre outubro e abril do ano seguinte. A visita de estudo terá condições específicas.

Coordenados desde 1991 por J. A. Gonçalves Guimarães, este curso tem o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia através do Solar Condes de Resende, com a certificação de Gaia Nascente - Centro de Formação de Associação de Escolas e o apoio do programa “Camilo a Norte 200” da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N)

Outras conferências

No passado dia 4 de junho, no Auditório Adriano Moreira da Sociedade de Geografia de Lisboa, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo realizou uma conferência sobre «Vasos de vísceras egípcios em Portugal».

Amante Holandesa agora em filme

No passado dia 28 de maio o escritor José Rentes de Carvalho em Estevais do Mogadouro assinou um contrato com o diretor da empresa de filmes e séries para televisão Hoptelevisao, sediada em Vila Nova  de Gaia, para a produção de A Amante Holandesa, um dos seus mais conhecidos romances editado pela primeira vez na Holanda no ano 2000.

 

Livros & Periódicos

 

Escrito durante a pandemia do Covid por J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães, este estudo passou logo a estar disponível em print, com o título «A universalidade da Coleção Marciano Azuaga», tendo assim sido citado por diversos autores. Foi depois revisto e adaptado para figurar como o capítulo final da obra Património Cultural de Gaia. Gaia, Século XX, organizada por J. A. Gonçalves Guimarães e José Alberto Rio Fernandes onde recebeu o título «O Museu Azuaga na génese dos museus gaienses», sendo agora publicado em separata pela Confraria Queirosiana. Com cerca de sessenta páginas e uma exaustiva bibliografia este estudo aborda em pormenor todos os núcleos de objetos vindos um pouco de todo o mundo colecionados por um antigo chefe da estação ferroviária das Devesas que em 1904 legou à autarquia que manteve o Museu Azuaga aberto até 1930 quando o mesmo deixou de estar patente ao público. Só a partir dos finais dos anos oitenta no Solar Condes de Resende algumas das suas peças ou núcleos começaram então a ser estudadas e voltaram a ser exibidas e publicados os respetivos catálogos.

 


No final de maio passado foi lançado no stand de Portugal na Bookfest 2025 em Bucareste esta Antologia de poemas galaico-portugueses dos séculos XII a XIV, organizada pela Prof. Doutora Cristina Petrescu, que teve a seu lado o tradutor Dan Caragea e outros colaboradores na obra e editada pela Eikon.

Neste lançamento, esta professora da Universidade Babes Bolyai de Cluj-Napoca, nossa confrade honorária e também cantora lírica, interpretou duas das canções medievais traduzidas, acompanhada ao violão por seu irmão Bogdan Moraru. Entretanto a obra teve ainda outros lançamentos, como aquele que teve lugar no dia 13 de junho no Museu de Arte Cluj, também com a presença do tradutor Dan Caragea e do professor José Bettencourt Gonçalves. Também aí voltaram a ser interpretados alguns poemas acompanhados ao violão por Doru Cailean.

 

Distinções

A 29 de maio passado e por despacho da Ministra da Cultura, professora Doutora Dalila Rodrigues, o projeto Edição da Revista de Portugal – Anos 2025/2028, uma iniciativa da responsabilidade dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, foi declarado de interesse cultural para efeitos de Mecenato Cultural.

A 31 de maio em Almada, na sessão comemorativa do Dia Nacional do Movimento Associativo e do encerramento do Centenário da CPCCRD - Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura Recreio e Desporto, a cuja mesa do congresso preside o nosso confrade Dr. Manuel Moreira, foi outorgado ao nosso confrade César Fernando Couto Oliveira o “Galardão de Reconhecimento e Mérito”, materializado nos respetivos diplomas e medalha atribuídos por aquela instituição em reconhecimento do seu trabalho em prol do movimento associativo, quer na nossa associação, de que foi presidente da assembleia geral, quer na FCVNG - Federação das Coletividades de Vila Nova de Gaia onde vem desempenhando o mesmo cargo.

___________________________________________________________________

Eça & Outras, III.ª série, n.º 202, quarta-feira, 25 de junho de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: António Manuel S. P. Silva; César Oliveira: