domingo, 25 de fevereiro de 2018

Eça & Outras


E Sexe des Anjes
Permitam que vos reconte uma velha estória: a 29 de maio de 1453, uma quinta-feira, o sultão Maomet II conquistou Constantinopla para o Império Otomano, acabando assim, sem saber, com a Idade Média europeia e, mais concretamente, com o Império Romano do Oriente, ou Império Bizantino. Diz-se que enquanto a cidade se debatia na angústia de ser tomada, pilhada e de mudar de governo e até de religião dominante, os seus clérigos, obviamente preocupados com o que é eterno e não com o ocasional, ou mesmo não querendo deixar de dar continuidade às civilizadas subtilezas de um sossegado debate teológico, discutiam nada mais nada menos do que o sexo dos anjos, ou seja, que nestes seres, celestes embora, qual seria, se não tanto a sua anatomia sexual, obviamente não reprodutora pois são criações divinas, no mínimo qual seria a sua inclinação (orientação, diríamos hoje), se masculina, se feminina, que qualquer outra não seria de considerar, pois seria certamente sugestão infiltrada do “anjo caído”, do mafarrico, do Diabo, que com certeza só a insinuaria, como habitualmente, por pirraça, por brincalhotice, por desrespeito para com os demais entes divinos ou divinizados. A questão não seria tanto o saber-se se os anjos se davam a práticas condenáveis fora da regulamentação canónica, se observavam celibato, se poderiam casar, se as suas revoadas preconizavam autênticos woodstocks celestiais, mas já então como linguística e literariamente se deveriam referir, porque, se assexuados, não fazia qualquer sentido continuar a chamar-lhes o/os anjo/anjos, no masculino, e quanto a anja/anjas, com toda a prudência e cautelas que as religiões sempre têm em relação a tudo que cheire a mulher, não seriam de considerar, e só um pagão como o escultor José Rodrigues se lembraria de tal para modelar uma delas e pespegá-la na margem do rio Douro junto à sua foz já neste nosso tempo de tanta hesitação teológica, perdidas que estão as diretrizes do Concílio de Trento e quando já não se queimam hereges por engano desde Santa Joana d’Arc.
            O facto de todas as religiões terem anjos, uns seres que voam (para isso têm asas) indiferentes à existência ou não de oxigénio, do magnetismo terrestre, da rarefação intergalática e de outras banalidades da ciência humana, tal não ajuda muito, pois, como a Antropologia e a História têm registado, as religiões não são todas iguais, umas são até mais verdadeiras do que outras, já não falando naquelas que são exclusivas de pequenas tribos eleitas. Curiosamente os anjos de todas as religiões, estava eu tentado (Tentado, ouviram?) a dizer, que são todos iguais, ou muitíssimo parecidos, às vezes até com o mesmo nome, com a mesma performance, o que tem levado os ovnilófilos a quererem filiá-los a todos num só sindicato de extra-terrestres. Mas já no distante século IV-V, numa precocíssima tentativa enciclopédica avant la lettre, o Pseudo-Dionísio, o Areopagita, na sua obra Hierarquia Celeste se deu ao trabalho de os classificar em nove coros e três tríades. Mas quanto ao sexo deles, nada! Só no século XVIII o Marquês de Sade, numa grosseria que aqui não vou, por decência, repetir, tentou resolver a questão durante os trinta e seis anos de cadeia que três regimes políticos diferentes lhe ofereceram para ter tempo de filosofar sobre este e outros assuntos. Mas a sua proposta não tem sido, geralmente, considerada.
            Com esta falta de ciência emanada das autoridades competentes, não admira que ao longo dos tempos fossem proliferando lendas e desvios sociais e literários, como o mito da mulher-anjo, muito querido dos literatos românticos do século XIX, que nem o conclave bizantino, nem jamais qualquer outro, autorizaram ou sequer consideraram, sendo obviamente mais uma insinuação mafarríquica, como muito bem descreveu Eça de Queirós em O Mandarim, quando o Diabo elucida Teodoro sobre a diferença entre Mulheres e Fêmeas, e que para tal compreender, é preciso dinheiro, pois «não é com o troco de uma placa honesta de cinco tostões que se pagam as contas destes querubins…». Querubinas, deveria ter Eça escrito, já se vê.
            Dir-me-ão entretanto vosselências: mas o que é que isso interessa nos dias de hoje, desde promissor século XXI em que já vamos a caminho de Marte sem ter ainda encontrado nenhum anjo pelo caminho? Ou andam muito distraídos, ou realmente chumbaram no power point das “Novas Oportunidades”. O sexo dos anjos é hoje um assunto atualíssimo: o Dr. Rui Rio trouxe-o à baila no congresso do seu partido como um tarrenego de possibilidade governativa para resolver os problemas do país a médio prazo, e D. Manuel Clemente parece que sugeriu que os recasados (que não constam, ainda e por enquanto, nas categorias celestes) deixassem crescer as asas e passassem a ser anjinhos bizantinos. E numa época em que os turcos e muitos outros povos islâmicos cercam de novo a Constantinopla europeia com «a presença angustiosa das misérias humanas, tanto velho sem lar, tanta criancinha sem pão, e a incapacidade ou indiferença de monarquias e repúblicas para realizar a única obra urgente do mundo “a casa para todos, o pão para todos”…» (Eça de Queirós, A Rainha), não há dúvida de que o sexo dos anjos, ou o dos recasados, são temas para continuarmos a divagar enquanto nos cai a realidade em cima.
            Mas falta-nos ainda considerar outros bonzos bizantinos, os militantes da igualdade de género a todo o vapor. Não se tendo eles ainda virado para a questão do sexo dos anjos, aqui lhes ofereço uma solução digna de ser apresentada para aclamação numa respeitabilíssima academia, adianto-me a propor que enquanto se não decide de vez se os ditos são masculinos, femininos, neutros, transexuais ou outra coisa qualquer, que em vez de “o sexo dos anjos” se passe a escrever e a dizer “e sexe des anjes”, para assim não divulgarmos distraidamente opções machistas ou preconceituosas. E obviamente “Es Lusiades” e até “E Biblie” e “E Corãe”, além de “E Diárie de Repúblice” e, the last but not the least “Es Artes Entre Es Letres”. Não, não é catalão, nem qualquer crioulo caribenho; é mais a linguagem de um dialeto minoritário em Portugal, o tate-bitate, muito conhecido dos especialistas em Ensino.
Eu, cá por mim, vou continuar a ser Joaquim António.  
           
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria

Livros e revistas

Preparado pelo Professor Doutor Carlos Reis e pela Prof.ª Doutora Maria do Rosário Cunha, respetivamente coordenador e membro do Centro de Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, foi apresentado pela Professora Doutora Paula Morão, catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no passado dia 21 de fevereiro na Biblioteca da Imprensa Nacional em Lisboa um novo volume da Edição Crítica de Eça de Queirós, desta vez Os Maias. Episódios da Vida Romântica. Tendo já sido publicados nesta série diversos volumes da obra do escritor, estas publicações visam reconduzir os textos à sua primitiva ou definitiva pena, confrontando os originais que existam e libertando-os de gralhas, erros, acrescentos e emendas ou mesmo supressões alheias ao escritor.

A Conrad Editora do Brasil, L.da, de S. Paulo, publicou em 2007 uma notável versão de A Relíquia de Eça de Queirós ilustrada por Marcatti, a qual lhe foi sugerida em 2005 pelo editor Alexandre Linares, que para tal lhe envia uma edição do romance publicado com introdução e notas de Augusto Pissarra pela editora Ediouro. Considerado um dos mais geniais artistas brasileiros de Banda Desenhada, Marcatti confessa no fim desta obra: «Me desculpem a leviandade, mas sinto como se tivéssemos nos tornado amigos e guardo comigo a sensação de termos feito o trabalho a quatro mãos». Temos assim mais um estimável contributo brasileiro para a ilustração e divulgação da obra do escritor. Esta edição abre com um texto introdutório de Eduardo Montechi Valladares intitulado «Eça de Queiroz e o Anticlericalismo».

A editora Guerra & Paz lançou a 6 de fevereiro passado uma nova edição de Adão e Eva no Paraíso, seguido de o Senhor Diabo e outros contos de Eça de Queirós. Se no primeiro, muito para além da maestria literária, o escritor mostra o quanto estava atualizado face às mais recentes descobertas e elaborações teóricas do seu tempo sobre a Pré-história e a marcha da Humanidade (e já agora também sobre as parlapatices dos mitómanos, que ainda hoje estão vivos e ativos), para além de “brincar” com questões que ainda hoje fazem parte das nossas interrogações. No segundo, tal como a outros escritores da época, a figura do Diabo, o anjo caído por ser curioso e contestatário, sempre o fascinou e daí o dar-lhe um protagonismo explícito, em obras como “O Mandarim”, ou mais discreto em muitos outros dos seus textos. Os contos de Eça, como de resto toda a sua obra, continuam pois a surpreender-nos.

A Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas tem uma revista digital com o título Nona Arte, de que é diretora a Dr.ª Olga Cavaleiro. O número 44, de setembro de 2017 publicou uma entrevista com a Confraria Queirosiana com ilustrações sobre as suas atividades e publicações, além de artigos sobre “Sabores de Outono” de Olga Cavaleiro, textos sobre as Confrarias dos vinhos de Carcavelos, do Porto e Arinto de Bucelas, e ainda noticiário sobre «Encontro de Confrarias em Santarém e Ovação ao Pote dos Sabores de Portugal» e representações da FPCG. O n.º 45, de dezembro de 2017, apresenta um artigo de Olga Cavaleiro sobre a Matança do Porco e um outro de José Manuel de Paiva Simões sobre a Confraria dos Amigos da Geropiga de Moinhos e Arredores, além de outros sobre a Assembleia Geral ordinária da federação, Gastronomia sustentável, XIII Congresso dos Cozinheiros e representações da FPCG.

Temos presente a edição do n.º 10 da 2ª série da revista Cadernos Culturais Lumiar – Olivais - Telheiras, dirigido por Fernando Andrade Lemos, presidente do Centro Cultural Eça de Queiroz, em Lisboa, dedicado a «Ralph Delgado, historiador dos Olivais e de Angola, jornalista e publicista». Com 392 páginas apresenta os textos das comunicações apresentadas no XXII Colóquio dos Olivais, Lumiar e Telheiras, nomeadamente as comunicações do seu diretor sobre «Eça de Queiroz e o Lumiar» (p. 142); «Uma possível chave para uma chave real ou contributo para a simbólica da Igreja de Nossa Senhora da Porta do Céu em Telheiras – Lisboa» (p.170, trabalho coletivo); «Um poeta popular de Telheiras» (p. 180, com Ana Maria Costa e Marília Abel); «Lembrando Eduardo Sucena» (p. 196); «Os Oito Tritões» (p. 198, com Eduardo Sucena; «A melancolia como chave da leitura da obra de Cesário Verde» (p. 318, com João de Araújo Correia); « O retábulo da Infanta Dona Maria na Igreja da Luz, em Lisboa» (p. 366, com Carlos Revez Inácio e José António Silva, além de muitos outros autores.

Nascido em 2011 no facebook, o Grupo Saudade Perpétua agrupa historiadores profissionais e memorialistas que se dedicam às «vertentes estética, cultural e social do Romantismo em Portugal», tendo realizado o seu 1.º Colóquio em Vila Nova de Gaia e no Porto em Junho de 2016, cujas atas on line foram agora apresentadas numa edição do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade. Com coordenação editorial de Francisco Queiroz e apoio de Ricardo Charters d’ Azevedo, intitulado Arte, Cultura e Património. Actas do 1.º Colóquio “Saudade Perpétua”, contém nas suas 950 páginas diversas comunicações sobre o tema, nomeadamente de Ricardo Charters d’ Azevedo «Códigos de bom-tom ou civilidade» (pág. 134) e de Susana Moncóvio «Maria da Glória da Fonseca Vasconcelos (n. 1831) e Leonor Augusta Gonçalves Pinto (1849-1931), elementos de uma família de artistas ativos no Porto e em Vila Nova de Gaia entre o século XVIII e o século XX (p. 424). 

Comemorações
25 anos da Escola Secundária Diogo de Macedo
Prosseguem as comemorações dos 25 anos desta escola gaiense, que no passado dia 16 de Fevereiro organizou um jantar/conferência solidário em que falou o Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues, sociólogo e presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que dissertou sobre os desafios do presente entre o determinismo e o darwinismo social e as perspetivas para as gerações futuras.

Palestras, cursos, congressos e outros eventos
Caminhos de Andarilho
No passado dia 1 de fevereiro, no Centro Cultural e Desportivo dos Trabalhadores da Câmara Municipal do Porto teve início um ciclo de palestras coordenadas por Arnaldo Trindade intitulado Caminhos de Andarilho, desta feita sobre “José Afonso - o Homem”, a qual teve como convidados Jaime Milheiro, João Afonso e Ana Almeida Santos.


Genealogia e História da Família
Nos próximos dias 16 e 17 de março decorrerá no Solar Condes de Resende uma formação sobre Genealogia e História da Família - descubra os seus octavós, com a orientação do Prof. Doutor Francisco Queiroz, autor de numerosos trabalhos sobre estas matérias que interessam a um público cada vez mais vasto.
Destinado ao público em geral, ao cidadão comum, é igualmente interessante para professores e estudantes de Ciências Históricas, Antropologia Cultural e Física e Ciências Biomédicas, por motivos bem conhecidos de todos. Esta ação, organizada pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana.

Exposições

In Tempore Sueborum, Ourense
           

No passado dia 1 de fevereiro, uma delegação da Confraria Queirosiana formada por J. A. Gonçalves Guimarães, António Bernardo, César Oliveira e Licínio Santos estiveram presentes no 19º Salão Internacional de Turismo Gastronómico em Ourense, Galiza onde compareceram representações de 12 países de vários continentes e confrarias de Espanha e Portugal, além da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas. No dia seguinte os dois historiadores presentes visitaram a exposição In Tempore Sueborum patente ao público no Centro Cultural “Marcos Valcárcel”, na igreja de Santa Maria Nai e no Museu Municipal de Ourense, apresentando jóias e peças arqueológicas dos Suevos e do seu tempo provenientes de dez países europeus, entre as quais quadro depositadas no Solar Condes de Resende, três do Castelo de Gaia e uma do Castelo de Crestuma, provenientes de escavações arqueológicas realizadas pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana. Na sequência desta visita, J. A. Gonçalves Guimarães realizou uma palestra no Solar Condes de Resende no passado dia 22 de Fevereiro intitulada «Portucale entre Suevos e Visigodos», onde abordou a destruição de Portucale Castrum Antiquum (Gaia) pelos visigodos em 585.

Esculturas de António Pinto
No passado dia 17 de Fevereiro na Biblioteca Pública Municipal de Gaia abriu ao público uma exposição de esculturas de António Pinto e de pinturas de Luísa Prior, intitulada “O Meu Olhar”. Tendo sido monitor em diversas ações de formação em Portugal e no estrangeiro onde a pedra é a matéria-prima, António Pinto expõe habitualmente no Salon d’Automne Queirosiano no Solar Condes de Resende. Nesta sua primeira exposição individual apresenta vários rostos e figuras femininas em mármore, granito e xisto.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 111 – domingo, 25 de fevereiro de 2018; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração Ricardo Haddad e Susana Moncóvio.




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