segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Eça & Outras

A.  Campos Matos, o estudo como busca da justiça social
Não é possível em Portugal falar da vida e obra de Eça de Queirós desde os anos 70 do século passado sem conhecer a obra de A. Campos Matos. Efetivamente, tendo descoberto A Relíquia e o seu positivismo ainda muito novo, que complementou com muitas outras leituras, desde que em 1975 publicou Imagens do Portugal Queiroziano (3.ª edição, 2004), que este autor vem regularmente produzindo estudos, ensaios, recensões, edições críticas, e mesmo algumas polémicas em torno da vida e obra do escritor, hoje fundamentais e imprescindíveis para o seu estudo e compreensão. Referindo agora apenas os seus principais contributos, recordamos obviamente o Dicionário de Eça de Queiroz, 1988, obra monumental com edição mais recente em 2015. Mas também Eça de Queiroz/Emília de Castro. Correspondência Epistolar, 2ª edição 1996, e sobretudo Eça de Queiroz. Correspondência, 2008, já com dois acrescentos epistolares, que tanta luz vieram trazer para desfazer mitologias criadas em volta da vida do escritor por apressados memorialistas. Ainda o Dicionário de Citações de Eça de Queiroz, de 2006, para tentar acabar com as frases apócrifas que o escritor jamais escreveu e que circulam na internet ou em publicaçõeszecas menores. Coroando tudo isto, Eça de Queiroz. Uma Biografia, com edições em Portugal e no Brasil, a última das quais de 2017, o mais sólido retrato da vida do escritor até hoje elaborado. Mas a sua produção em torno do autor de Os Maias de modo algum se esgota nestas obras, produzindo com frequência abordagens pontuais de aspetos muito particulares do universo eciano, reunidos, por exemplo, em Sobre Eça de Queiroz, 2002. Imparável nos seus ativos noventa anos, A. Campos Matos recusa-se a ser «apenas um cansado e velho fazedor de livros, que passa» (Eça de Queirós, A Rainha) continuando a surpreender-nos com coletâneas dos seus estudos, como a recente 94 Reflexões sobre Eça de Queiroz e outros escritos, 2018, onde, entre muitas outras análises, refere alguns dislates balzaquianos contidos na chamada «edição crítica» de O Mandarim (p. 19) ou as gralhas repetidas na Capital! ou em Os Maias, além dos discutíveis critérios da sua não partição em dois volumes (p. 183). Mas também «Eça visto pelos brasileiros», «As namoradas americanas do nosso cônsul em Havana»; «Uma dúzia de perguntas para Eça de Queiroz»; «Efabulações queirozianas»; «Eça provinciano?» e muitas outras entradas, como «Verdemilho em Aveiro. Um escândalo nacional»; «O meu espólio queiroziano» e tantas outras mais, preciosas reflexões ou mesmo provocações para uma sempre renovada leitura da vida e obra do seu autor preferido.
Estamos em condições de afirmar que em breve dará à estampa um novo e surpreendente ensaio sobre um dos aspetos mais notáveis da vastíssima cultura daquele autor e do seu elevado espírito conhecedor das questões filosóficas que ocupavam a mente dos grandes pensadores do seu tempo e, afinal, de todos os tempos, intitulado Perante a Névoa e a Realidade, «algo de novo acerca d’ Os Maias e, de um modo geral, sobre grande parte da sua obra». Sobre a Filosofia em Eça de Queiroz, sobre o Eça filósofo, afinal o amigo do filósofo Antero, ambos discípulos de Hegel, Schopenhauer e Marx.
Mas A. Campos Matos de modo algum se fica pelo universo queirosiano nos seus escritos, ou digamos que, para melhor o entender e testar-se a si próprio na sua capacidade para esse entendimento, reflete também sobre o seu próprio percurso intelectual, desta feita num curioso livro de matéria autobiográfica intitulado Constrvtores do mev Mvndo, assim lapidado na capa como se fora num mármore clássico. Ao longo das suas páginas vai-se reencontrando com os autores e pensadores que lhe modelaram o pensamento, a percepção do quotidiano e do universo, a necessidade de manter eternamente jovens o espírito crítico e a tolerância, mesmo en désaccord avec son temps… (André Gide). Colocados por ordem alfabética autoral, e não cronológica na circunstância de terem passado a fazer parte da sua vida, aí encontramos Camões, Camilo, Eça, Sérgio e Coimbra Martins, entre outros, ao lado de Tolstoi, Flaubert, Malraux, Soljenitsine e também mentores da sua profissão de arquiteto como Le Corbusier e Frank Lloyd Wrigh. Tendo eu me iniciado na estrada da vida separado de A, Campos Matos por mais de uma inteira geração, registo com curioso agrado que ambos fomos marcados pela leitura de Estes Dias Tumultuosos de Pierre Van Paassen (1.ª edição portuguesa, 1946), tendo o meu exemplar, que ainda conservo, escapado a uma rusga da PIDE ao domicílio de um amigo de infância escondido na bacia da roupa lavada para estender que sua mãe preparava, pois era então «livro proibido». A. Campos Matos define o autor desta autobiografia, que se reporta às primeiras quatro décadas do século XX, como um jornalista «excelente observador e lúcido comentarista da História» do seu tempo, que afinal alicerçou o nosso. Ideologicamente talvez um «socialista democrata cristão», de origem holandesa que presenciou em Berlim a ascensão dos nazis, tendo então entrevistado Hitler, que classificou como um «maníaco visionário dominado por uma ideia fixa», tendo sofrido prisão em Dachau por ter usado o seu passaporte para salvar um colega perseguido pela polícia política alemã. Mas antes estivera em África, onde adivinhou a incapacidade dos regimes coloniais para a urgente mudança, o que viria a originar os horrores das descolonizações futuras, e também na Palestina, onde à data, para além da desgraça que se adivinhava para o pós-1948, também partilhou episódios picarescos muito semelhantes aos que Eça descreve em A Relíquia. Esteve também na Espanha republicana que democraticamente tinha herdado «um país ocupado por centenas de milhares de monges, mosteiros e igrejas repletos de tesouros, distritos inteiros povoados por idiotas e prisões superlotadas…, um país balcânico e retrógado», cuja esperança de mudança foi travada por Franco, com a ajuda de Hitler, Mussolini e Salazar, através de uma guerra iníqua, que convém lembrar nestes dias em que a mesma Espanha fascista vocifera ainda nas ruas de Madrid. Por fim o relato termina com a derrocada do exército francês que deu origem ao governo colaboracionista de Vichy.
Tal como A. Campos Matos, considero este relato na primeira pessoa deste autor falecido em Nova Iorque em 1968 um testemunho fundamental para a compreensão do século XX mundial, lamentando também que tal obra não tenha sido reeditada, não se encontrando facilmente disponível para leitura por parte das gerações atuais. Entretanto há por aí bibliotecas públicas que apresentam revistas de salão de cabeleireiro repletas das habituais inutilidades como estímulo à leitura dos seus frequentadores…
Como vimos, nem só de Eça ou para Eça vive este autor, mas para algo tão grande como «um ato de espírito», que o próprio escritor entendia que deveria ser sempre «um ato de grande justiça social» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas).

J. A. Gonçalves Guimarães
mesário-mor da Confraria Queirosiana

Com carimbo do dia 25 de julho de 2018, os CTT lançaram uma emissão filatélica evocativa dos 130 anos da 1.ª edição de Os Maias, composta por sete selos polícromos da autoria de Luiz Duran, um deles alongado com o retrato de Eça de Queirós e o valor facial de 1 €, e seis outros selos de valor facial de 0,53 € com representações idealizadas de algumas personagens do romance, como Afonso da Maia, Carlos da Maia, João da Ega, Maria Eduarda, Condessa de Gouvarinho e Dâmaso Salcede. O texto de apresentação é de Isabel Pires de Lima

Eventos passados
85 anos da Biblioteca Municipal de Gaia
No passado dia 22 de fevereiro decorreu na Biblioteca Municipal de Gaia um colóquio subordinado ao tema “Contributo do movimento associativo para o desenvolvimento cultural de Vila Nova de Gaia e a sua história” em que foram palestrantes, entre outros, J. A. Gonçalves Guimarães, pela ASCR – Confraria Queirosiana; Salvador Almeida, pela Associação Cultural Amigos de Gaia; Isabel Lacerda, pelo Grupo Folclórico de Danças e Cantares de Mafamude.

Exposição de cerâmica
            Também no dia 22 de fevereiro pelas 21,30 horas abriu ao público na Junta de Freguesia de Avintes a exposição «José Ramos – 17 anos de Cerâmica em 80», a qual estará patente ao público até ao dia 30 de março.           

Fórum Avintense
            Ainda nesse dia e no seguinte, decorreu no mesmo local o 29º Fórum Avintense, o qual abriu com uma homenagem ao ceramista acima referido por Cipriano Castro intitulada «José Ramos – o meu professor da primária». Seguiram-se outros conferencistas sobre os mais diversos temas, nomeadamente Abel Barros sobre «Avintes, Passado e Presente: o Areinho»; Nuno Oliveira «Avintes e os rios: A valorização das margens fluviais»; e Paulo Costa «O rio e os poderes feudais».

Cursos, conferências e palestras

Fernão de Magalhães
No próximo dia 28 de fevereiro, pelas 16 horas vai decorrer na Universidade Portucalense o seminário “Ruas do Porto – Avenida Fernão de Magalhães”, no qual serão conferencistas o historiador J. A. Gonçalves Guimarães, sobre «Fernão de Magalhães: figura e obra» e o arquiteto Luís Aguiar Branco sobre «A Avenida Fernão de Magalhães no urbanismo do Porto», tendo como moderador no debate José Manuel Tedim, docente daquela universidade. A participação é gratuita mas obriga a inscrição prévia para: https://bit.ly/2RmyoDW  

Leonardo da Vinci e os discípulos de Ícaro
            Ainda no mesmo dia, mas pelas 21,30 horas, no Solar Condes de Resende, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês, aquele primeiro historiador falará sobre «Nos 500 anos de Leonardo da Vinci: Vila Nova de Gaia e os discípulos de Ícaro». É entrada é livre e não carece de inscrição prévia.

Vinho do Porto
            No dia 1 de março pelas 18 horas o Prof. Doutor António Barros Cardoso, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e da APHVIN/GEHVID, falará na Reitoria sobre «O Porto do Vinho». A participação obriga a inscrição prévia para geral@gbliss.pt

Música & Músicos
Prossegue no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Música & Músicos. Aspetos do Património Musical Português», organizado pela Academia Eça de Queirós, com algumas pequenas alterações de professores motivas por doença de alguns dos inicialmente contatados: assim, no próximo dia 2 de março o Prof. Dr. André Granjo falará sobre Bandas Filarmónicas em Portugal, seguindo-se no sábado, dia 2 de março, «Bandas Filarmónicas em Portugal» por André Granjo, sábado, 09 «O maestro Pedro de Freitas Branco» por Cesário Costa, sábado, 16 «A música nos conventos femininos em Portugal (séculos XVII a XIX): o caso do Mosteiro de Corpus Christi em Vila Nova de Gaia» por Elisa Lessa, sábado, 23, «O compositor e folclorista Armando Leça: resgate, criação e disseminação da música portuguesa» por Rosário Pestana e em abril, sábado dia 6 «O compositor César Morais» por J. A. Gonçalves Guimarães, que no sábado dia 13 apresentará a última aula do curso sobre «Música e Músicos em Gaia».

Livros
94 Reflexões sobre Eça de Queiroz e outros escritos, de A. Campos Matos, Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, novembro de 2018, 316 páginas, ilustrado com muitas imagens do arquivo do autor, uma série de curtos ensaios «Para aqueles que frequentemente me perguntem algo como:”o Eça é único e o maior de todos, não é verdade?”», complementada com uma entrevista publicada no Club do Colecionador dos CTT em Dezembro de 2017 sobre a sua biografia de Eça, e ainda correspondência trocada com o editor francês Antoine Gallimard, um notável texto sobre « Da aniquilação do Património Humano», um outro sobre falsa correspondência de Eça, seguindo-se a apresentação da 1.ª versão francesa da sua biografia de Eça na Gulbenkian de Paris em 2009 e uma carta de sua neta Inês escrita de Londres para o editor francês acima referido com algumas críticas a obras de Eça em jornais ingleses, datada de Maio de 2018.

Constrvtores do mev Mvndo, de A. Campos Matos, Lisboa: Edições Colibri, novembro de 2018, 104 páginas, ilustrado com retratos de diversos autores, incluindo o seu na badana da contracapa, apresenta as impressões que lhe deixaram ao longo da vida as obras de quarenta e seis nomes maiores da Cultura portuguesa e estrangeira. Uma curiosa revisitação pessoal de autores e obras.

Ainda em 2018 foi publicado pela Universidade Federal de Santa Catarina o livro intitulado Gêmeas Imperfeitas - As Repúblicas do Brasil e de Portugal: unidas no ideal e diferenciadas nas práticas, «uma abordagem plurifacetada das relações entre Portugal e o Brasil na viragem dos séculos XIX-XX», coordenado, entre outros, por José Eduardo Franco. A capa recupera uma notável gravura a cores que também foi capa na Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 872, 4 de novembro de 1922. De entre os diversos capítulos publicados destacamos «Dos estreitos limites do internato, fui salvo pelo mar - o padre Luiz Gonzaga Cabral e Jorge Amado» da autoria de Manuel de Novaes Cabral.

No passado dia 7 de Fevereiro, na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) em Lisboa, pelas 18 horas decorreu a abertura da exposição «Em demanda da biblioteca de Fernão de Magalhães» organizada pelo Prof. Doutor Rui Manuel Loureiro, igualmente coordenador e co-autor do livro com o mesmo título aí lançado, que também apresenta textos de Juan Gil, Consuelo Varela e José Manuel Garcia. Esta edição, que teve o patrocínio das câmaras de Vila Nova de Gaia, de Lagos e de Lisboa, apresenta na abertura um texto da presidente daquela autarquia algarvia e um outro pelo Prof. Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da edilidade gaiense, sobre a ligação desta cidade à vida de Fernão de Magalhães e sobre a importância do projeto PACUG, em realização pela Confraria Queirosiana, para o conhecimento do Património humano local.
            Esta exposição, com documentos e iconografia magalhaniana, tem o maior interesse para o conhecimento do ambiente cultural que rodeou a vida e o feito de Fernão de Magalhães, bem assim como os testemunhos sobre ambos através de autores da época e das alterações cartográficas posteriores à circum-navegação.

Artes
                                    
O bar do Solar Condes de Resende passou a ter mais uma obra de Arte em exposição permanente. Trata-se de uma escultura em pedra de xisto rosa da autoria do canteiro-ornatista António Pinto, denominada Justiça, oferecida pelo autor à associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, da qual é sócio e confrade.


Artigos publicados no blogue eca-e-outras e no jornal As Artes entre As Letras
            Nos últimos números de 2018 e os do princípios de 2019, o responsável por esta página publicou diversos artigos de fundo ou de crítica quer neste blogue (E&O) quer no jornal As Artes entre As Letras os quais, por motivo de gestão e oportunidade da informação neles contida, não seguiram a habitual ligação entre as duas publicações, o que baralhou um pouco os nossos habituais leitores, que julgaram assim ter perdido a oportunidade de terem lido um ou outro texto. Por esse motivo segue em anexo a listagem dos mesmos e a respetivas datas e locais de edição:
- «Os humanos são dados às representações estéticas», E&O n.º 123, 25 de novembro de 2018; As Artes entre as Letras, n.º 233, 26 de dezembro de 2018, p. 12.
- «Ano Europeu do Património Cultural», E&O n.º 124, 25 de dezembro de 2018; As Artes entre as Letras, n.º 233, 26 de dezembro de 2018, p. 4;
- «Uma primorosa edição comemorativa dos 130 anos de Os Maias», As Artes entre as Letras, n.º 235, 30 de janeiro de 2019, p. 6/7.
- «Faltas de visão e outros astigmatismos», As Artes entre as Letras, n.º 235, 30 de janeiro de 2019, p. 20.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 126, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.