terça-feira, 25 de agosto de 2020

Eça & Outras

Chegou a hora dos historiadores?

       No passado dia 17 de agosto o Congresso Nacional do Brasil aprovou a lei que regulamenta o exercício da profissão de historiador, a qual só pode ser exercida por «portadores de diploma do curso superior em História, expedido por instituto regular de ensino» (Art.º 3.º – I), os quais têm como atribuições (Art.º 4.º) o «I - magistério da disciplina de História…; II - organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História; III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica; IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica; V – assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos para fins de preservação; VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos»; (Art.º 5.º) «Para o provimento e exercício de cargos, funções ou empregos de historiador, é obrigatória a comprovação de registro profissional…»; (Art.º 6.º) «As entidades que prestam serviços em História manterão, em seu quadro de pessoal ou em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores legalmente habilitados»; (Art.º 7.º) «o exercício da profissão de Historiador requer prévio registro perante a autoridade trabalhista competente». Este diploma, publicado no Diário Oficial, resultou de um parto difícil, pois foi inicialmente vetado pelo atual presidente da República, o qual, embora se chame Jair Messias Bolsonaro, não precisará de ser profeta para adivinhar o que a História dele dirá. Regressado o projeto de diploma ao Senado voltou a ser votado e desta vez favoravelmente pelo que o presidente foi obrigado, nos termos da lei e ainda que a contragosto, a promulgá-lo. É sem dúvida uma grande vitória para os historiadores brasileiros e, por extensão que se adivinha, para os de todas as nacionalidades dos PALOP´s, onde, mais tarde ou mais cedo, face ao descalabro existente, a necessidade da regulamentação da profissão se imporá. A grande mentora deste regulamento tem sido a ANPUH – Associação Nacional de História do Brasil, fundada em 1961 e com delegações em todos os estados, a qual representa os historiadores profissionais das áreas do ensino, arquivo, museologia e património histórico, e que agora se empenhará na aplicação desta lei. Também desde 17 de dezembro de 2009 que, por decreto-lei, a 19 de agosto se comemora o Dia do Historiador em homenagem a Joaquim Nabuco (1849-1910), abolicionista e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que nesse dia nasceu em Pernambuco. Este ano o motivo para festejar foi o estatuto profissional acabado de publicar, recordando que o historiador é aquele que «veio para ressuscitar o tempo», como Carlos Drummond de Andrade escreveu num seu poema.

         E entretanto em Portugal? Além de não haver qualquer associação semelhante, mas apenas instituições que, embora se reclamem da História, têm como sócios muitos indivíduos com outras formações, profissões e ocupações com as quais, entretanto, se terão zangado ao longo da vida, achando que podem vir, quantas vezes já na reforma, à profissão de historiador “fazer uma perninha”, nada contribuindo pois essas associações para o prestígio do exercício profissional porque na realidade usam a História como um fait divers decorativo cultural e social. Até à data apenas os arqueólogos, esses historiadores da cultura material, talvez pelo facto de terem de lidar no mercado de trabalho com empreitadas e contratos, despertaram mais cedo para a necessidade da organização profissional. Tendo sido criada em Lisboa, ainda no século XIX, uma Real Associação dos Arquitetos Civis e Arqueólogos Portugueses, na época em que já se sabia que «as ciências históricas são a base fecunda das ciências sociais» (Eça de Queirós, Prosas Bárbaras), logo em 1911, com a saída dos arquitetos para associação própria, passou a denominar-se Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), gerindo o Museu Arqueológico do Carmo e procurando chamar a atenção para a arqueologia em Portugal. Mas durante muitos anos não foi seguramente uma associação profissional, mas sim, tirando algumas exceções, apenas uma agremiação de amadores de antiguidades. Felizmente hoje já não é assim e esta centenária instituição tem já uma secção de profissionais da Arqueologia.

         Para suprir essa ausência organizativa, na década de noventa do século passado, no primeiro mestrado em Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto nasceu uma comissão denominada Pró-APA (Pró-Associação Profissional de Arqueólogos) que após meses de reuniões e debates em vários locais do país (entre eles o Solar Condes de Resende), em dezembro de 1992 legalizou esta associação, que viria a prestar um valioso contributo ao exercício da profissão, publicando um Código de Ética e muitos outros textos programáticos, graças à notável acção de alguns dos seus então dirigentes, como António Manuel Silva e Luís Raposo. Passado o testemunho do seu funcionamento às gerações mais novas, estas não souberam mantê-la. Mas entretanto foi criado o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia – STARQ, uma estrutura vertical que engloba não apenas os arqueólogos, mas também os antropólogos físicos e os técnicos e operários de Arqueologia. Tem pois por objectivo as questões laborais de todo o setor, não sendo portanto uma associação profissional.

Neste momento é este o panorama da falta de organização e de consciência profissional dos historiadores na atual sociedade portuguesa, frequentemente confundidos com amadores que invadem as suas atividades ou com profissionais de outras áreas que as abocanham, por exemplo, encomendas de monografias e de outros estudos históricos para autarquias ou entidades privadas.

       Em entrevista concedida a João Céu e Silva no Diário de Notícias de 9 de maio passado, o escritor J. Rentes de Carvalho disse o seguinte: «Nas universidades e no público os historiadores [portugueses] estão hoje, o que é um desastre e grande pena, relegados a um lugar menor. Perderam muito da sua importância e da influência que tinham, as suas opiniões tornaram-se quase só notas de rodapé que os jornalistas usam quando fingem querer dar peso ao que escrevem. Há poucos com grande competência e são cada vez menos os que lhes prestam atenção».

         Creio bem que dificilmente se poderia dizer melhor sobre a actual situação dos historiadores em Portugal. Mas todos os dias raia uma nova aurora, até neste distraído setor profissional.

J. A. Gonçalves Guimarães

Mesário-mor da Confraria Queirosiana


Juiz Desembargador Jubilado

Dr. António Alberto do Amaral Coutinho Calheiros Lobo


         No passado dia 23 de agosto faleceu em Espinho o Juiz Desembargador jubilado Dr. António Alberto do Amaral Coutinho Calheiros Lobo. O ilustre finado desempenhou relevantes cargos ao longo da sua carreira no Ministério da Justiça, tendo passado por diversos tribunais em Portugal, Guiné. Angola e Moçambique, até á sua jubilação como juiz desembargador da Relação do Porto. Além de sócio e confrade dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, era também membro de várias instituições nacionais. As cerimónias fúnebres decorreram hoje, terça-feira dia 25 de agosto, pelas 10 horas da manhã na Igreja Católica de Espinho, tendo-se a Confraria feito representar por vários membros dos corpos gerentes e outros associados e confrades.

Revolução de 24 de Agosto de 1820

 Professor Doutor Jorge Fernandes Alves    
    

     Passaram ontem, duzentos anos sobre a Revolução Constitucional. O que ela representou para a tentativa de modernização de Portugal e do reassumir da sua posição no concerto das nações está a ser reequacionado por muitos historiadores no aprofundamento de aspectos inéditos, pouco conhecidos ou em trabalhos de síntese. É o caso do Professor Doutor Jorge Fernandes Alves que acaba de publicar no Público um artigo intitulado «De 24 de Agosto à Aurora da Liberdade», e ainda um outro sobre «José Ferreira Borges. Um liberal entre as leis e os exílios» os quais fazem parte de uma série de trabalhos sobre a efeméride intitulada «200 Anos da Revolução Liberal» que este jornal, de que é diretor o jornalista e historiador Manuel Carvalho, publicados entre os dias 15 e 27 deste mês e da autoria de vários historiadores.

Entretanto irá em breve prosseguir no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Revoluções & Constituições, organizado pela Academia Eça de Queirós da Confraria Queirosiana, o qual foi interrompido pelo estado de emergência motivado pela pandemia, faltando apenas duas sessões para a sua conclusão.

         Também alguns investigadores do Gabinete de História, Arqueologia e Património da mesma associação têm desenvolvido trabalhos nesta área, alguns já apresentados, outros a serem divulgados em congressos que decorrerão até ao final do ano, bem assim como apresentados em provas académicas.                 

Observatório do Vinho do Porto

Professor Doutor Carlos Melo Brito  

          Foi recentemente criado em Vila Nova de Gaia o Observatório do Vinho do Porto que tem como funções a defesa da sua genuinidade e incentivo à sua divulgação e exportação. Dos corpos gerentes fazem parte, entre outros, Albino Jorge da Silva e Sousa, profundo conhecedor do sector, e Carlos de Melo Brito, doutorado em Marketing, vice-reitor da Universidade Portucalense e autor do livro Estrutura e Dinâmica do sectordo Vinho do Porto (1997) entretanto eleito seu presidente. Uma das primeiras acções desta agremiação tem sido a campanha para a reposição do «selo à cavaleiro» no gargalo das garradas pelo qual o IVDP atesta a genuinidade do produto e que várias gerações de consumidores se habituaram a identificar como tal.              

Santeiros de S. Mamede do Coronado

Prof. Doutor José Manuel Alves Tedim

       No concurso da RTP sobre as 7 Maravilhas da Cultura Popular estão a participar diversas candidaturas, entre elas a dos Santeiros de S. Mamede do Coronado, Trofa, que se evidenciou como uma das mais votadas. Nesta freguesia concentraram-se durante gerações os escultores de imagens religiosas em madeira, depois policromadas, existentes em igrejas, santuários e capelas católicas, mas também em museus e coleções particulares e, um pouco por todo o mundo, onde existem emigrantes e descendentes de portugueses. Pujante nos séculos XVIII e XIX, esta actividade tem vindo a decair sobretudo a partir dos anos setenta do século passado.

         O padrinho desta candidatura é o investigador e docente de História da Arte, Prof. Doutor José Manuel Alves Tedim, ele próprio descendente de uma das mais prestigiadas famílias destes criadores de Arte devocional católica. A declaração oficial das 7 Maravilhas da Cultura Popular será feita na RTP1 no dia 3 de setembro.

Doutor Adrião Pereira da Cunha

Em entrevista ao Diário de Notícias de 25 de junho passado, o Doutor Adrião Pereira da Cunha, autor de Humberto Delgado no Portugal de Salazar. Porto: Afrontamento, 2018, explicou aos leitores porque, após uma carreira de décadas a trabalhar em empresas nacionais e internacionais, decidiu aos 65 anos retomar os seus estudos universitários na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde concluiu uma licenciatura, depois o mestrado e o doutoramento em História Contemporânea, o qual esteve na origem da publicação da obra acima referida, continuando hoje ligado aos seus centros de investigação. Mas entretanto também por esta Universidade, entre avós, netos e outros membros da Família Pereira da Cunha, passaram em tempos recentes dez dos seus membros, que obtiveram vários graus académicos nas faculdades de Belas Artes, Engenharia, Letras e Medicina. Nas palavras do entrevistado, a sua experiência e o seu sucesso deram-lhe a sensação de «como ser jovem outra vez», pois não se sente com vocação para ser um daqueles «que morreram ontem e não deram fé».

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 144, terça-feira, 25 de agosto de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 6285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras. blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.