quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Eça & Outras


Mazagran

Temos entre mãos um novo livro de J. Rentes de Carvalho que a Quetzal acaba de publicar no meritório propósito de continuar a dar ao público português este seu escritor e a sua obra tão conhecidos na Holanda, mas entre nós, até à pouco, só coletados por atentos leitores que não apreciam capelinhas dos fumos bentos da fama e se vão à procura das melhores colheitas de pensamento e arte em prosa, de literatura que nos espelhe o tempo em que vivemos com uma boa dose de eternidade que se adivinhe. Tal é o caso de mais este livro, editado pela primeira vez em 1992 com o mesmo título pela editora De Arbeiderspers de Amsterdam e só agora em português, embora algumas das peças que o compõem já tivessem sido apresentadas no famoso blogue do autor intitulado Tempo Contado, cuja falta tornou os dias presentes mais tristes e inconsoláveis muitos dos seus leitores. Quanto ao título, normal entre nós para os frequentadores dos cafés nos anos sessenta do século passado, eu próprio fiquei contente por ter encontrado recentemente uma jovem morena que sabia o que era um mazagran e como se preparava. Temendo que tal não seja frequente o autor encarrega-se de nos dizer o que é e deixa adivinhar os prazeres de o saborear, o mesmo se podendo aplicar a estas suas cartas agora reunidas neste volume, escritas para pessoas concretas e para ninguém em especial, cartas para si próprio e para o leitor de quem não sabe a morada e a quem, mesmo assim, escreve.
Nesta era dos emails estes textos epistolares são pois duplamente preciosos, quase sempre short stories de duas páginas e meia onde haverá sempre uma carta, ou várias, ou muitas para cada um de nós, estejamos certos. Nestas páginas nos encontraremos com certeza com este autor que nos confronta permanentemente com espelhos onde nos refletimos sem muita possibilidade de retocar a imagem, mas onde também nos podemos deliciar com as molduras. E é isso esta sua prosa; e é isto a sua arte literária.
Do género epistolográfico em literatura sabemos todos nós: é possível que alguém ainda leia as “Cartas Familiares” ou a “Carta de guia de casados” de D. Francisco Manuel de Melo, pois não mudamos assim tanto em mais de trezentos anos. Duvido é que alguém leia hoje as “Cartas a uma noiva” de Maria Amália Vaz de Carvalho, enquanto que as “Lèttres de mon moulin” de Alfonse Daudet lá vão aparecendo nas “literaturas universais” à venda nas tabacarias. Entretanto publicam-se as cartas dos escritores e dos personagens célebres da História para descobrir o seu quotidiano e o seu “verdadeiro pensamento”, às vezes um desespero de banalidades domésticas ou uma pieguice insuportável, como as Cartas de Amor de Fernando Pessoa a uma meninota lisboeta.
Eça de Queirós, de quem J. Rentes de Carvalho se reclama devoto discípulo, já tinha avisado; «Eis aí uma maneira de perpetuar as ideias de um homem que eu afoitamente aprovo – publicar-lhe a correspondência! … Além disso uma Correspondência revela melhor que uma obra a individualidade, o homem; e isto é inestimável para aqueles que na Terra valeram mais pelo caráter do que pelo talento. Acresce ainda que, se uma obra nem sempre aumenta o pecúlio do saber humano, uma Correspondência, reproduzindo necessariamente os costumes, os modos de sentir, os gostos, o pensar contemporâneo e o ambiente, enriquece sempre o tesouro da documentação histórica. Temos depois que as cartas de um homem, sendo o produto quente e vibrante da sua vida, contém mais ensino que a sua filosofia – que é apenas a criação impessoal do seu espírito. Uma filosofia oferece meramente uma conjetura mais, que se vai juntar ao imenso montão das conjeturas: uma vida que se confessa constitui o estudo duma realidade humana, que, posta ao lado de outros estudos, alarga o nosso conhecimento do Homem, único objecto acessível ao esforço intelectual. E finalmente como cartas são palestras escritas (assim afirma não sei que clássico), elas dispensam o revestimento sacramental de tal prosa como não há…» (A Correspondência de Fradique Mendes).
Deixemos também dito que esta coletânea de cartas que J. Rentes de Carvalho escreveu a muitas e diversas pessoas, a si próprio, a todos, a ninguém em especial e até a Deus, não são exatamente as mesmas da edição holandesa, que apresenta um número muito inferior de textos. Umas são as mesmas, outras não. E qual o seu encanto, qual o seu interesse, qual a sua validade? Aqui, meus amigos, permitam que fale eu próprio, eu que não sou pessoa de literaturas. É certo que li os clássicos, li os contemporâneos até aos anos setenta e a partir daí passei-me para a História convicto que às fantasias reunidas pelos escritores preferia de longe a busca da “clara certidom da verdade”, seja lá isso o que for, mas em todo o caso muito mais interessante do que as banalidades domésticas de algumas escritoras por aí muito famosas, ou a deprimente prosa indutora de aumento do consumo de anti depressivos praticada por ex-médicos de malucos quando lhes deu para a escrita. Não, não há pachorra para tal: a sonolência ou o tédio atacam-me logo à segunda página. Ou o sentimento de estar a perder tempo sem gosto algum. Defeito meu. Irreparável. Definitivo. Incapaz de convalescença ou cura. Pronto a subir ao cadafalso do insulto dos intelectuais que abundam por aí. Não gosto e pronto. Tenho o meu direito.
Com a prosa de J. Rentes de Carvalho é diferente. Há muitos anos que o li sem o conhecer e com uma imediata identificação em tudo que dele me aparecia. Lembro-me, quando li Montedor e O Rebate no princípio dos anos setenta do século passado, ter pensado que a fotografia do escritor na badana devia ser treta do editor, talvez até disfarce para iludir a censura da época. Aquilo era prosa fresca demais para ser escrita por um caixa d’óculos de fato e gravata. Eu nessa altura era cabeludo e quase hippie. E aquela prosa era diferentíssima e não lhe fiquei indiferente.
Anos mais tarde, nas aulas na Universidade, oferecia à leitura dos meus alunos dois textos seus: “A procissão”, para perceberem numa “fotografia de família” como era a sociedade portuguesa atual, e “A praga” (incluído no presente livro) para perceberem como seria a maioria dos clientes de Cultura e Património que iriam ter de aturar como profissionais da área. Depois li Ernestina e confirmei então que a sua literatura podia ser a historia possível da gente comum «desses homens e mulheres que apenas nasceram, viveram, procriaram e morreram, mais ou menos felizes, sem que deles tenha ficado especial memória» (J. A. Gonçalves Guimarães, «Da arte de viver pobre ao oficio de morrer rica: história de uma mulher de Avintes no século XIX», in Fórum V, 2006, p. 76), gente normal de quem quase todos descendemos e que, se o historiador lhes pode interpretar o percurso biográfico possível, ao escritor interessarão muito mais, e com mais arte, a caterva de alegrias e tristezas que distribuíram ou sofreram e que a Ciência Histórica terá sérias dificuldades em contabilizar. E entender.
Para esta análise de Mazagran comecei por cair na tentação de selecionar cartas, temas, cronologias biográficas de J. Rentes de Carvalho. Chatices; banalidades. Isto é livro parecido com uma garrafeira de bons vinhos: não é possível bebê-los todos de uma só vez (ler todas estas cartas e depois arrumá-las), mas o mais certo é que se abram várias garrafas das quais se bebam um copo, voltando tempos depois a saborear outro copo (perdão, outra leitura, e outra, e outra) da mesma garrafa (perdão, da mesma carta ou do livro todo), desta garrafeira de humanas situações e descrições locais, do recanto do pátio, mas ao mesmo tempo universais do seu bairro gaiense do Monte dos Judeus e da beira-rio; das suas cidades do Porto e de Amsterdam, da sua Lisboa e do seu Brasil, das suas andanças na procura impossível de aquietar a curiosidade de um puto que nasceu num porto ainda com navios e se descobriu a ver a humanidade por uns binóculos e que, passados estes anos e o seu inegável sucesso literário, despede-se de nós, por agora, escrevendo: «O meu medo é notar que com os anos me vou tornando razoável em excesso, quase doentiamente tolerante. É disso que quero que me guardeis, Senhor». A que acrescenta esta oração: «Dai-me raivas. Mantende em mim a capacidade de me enfurecer. Deixai que continue a chamar às coisas pelo seu nome, a criticar sem medo, a rir de mim próprio, e livrai-me até ao último momento das aceitações que crescem com a idade».
Oxalá esta carta nos acompanhe per omnia saeculae saeculorlum. Ámen. Estão convidados para daqui irmos todos tomar um Mazagran enquanto saboreamos este prazer literário na esplanada da vida. Enquanto já desejamos a próxima obra de J. Rentes de Carvalho.

J. A. Gonçalves Guimarães

História dos Vinhos

Entre os dias 12 e 19 de Outubro decorreu no Porto, Marco de Canaveses, Barcelos e Ponte de Lima o 2.º Congresso Internacional do Vinho Verde – Economia, Sociedade e Património, organizado pela Associação Portuguesa da História da Vinha e do Vinho (APHVIN/GEVID) no qual participaram alguns confrades queirosianos com comunicações sobre o tema, nomeadamente J. A. Gonçalves Guimarães e Graça Nicolau de Almeida sobre “A comercialização de Vinho Verde por empresas de Vinho do Porto: o caso da Casa Ramos Pinto” e Francisco Ribeiro da Silva sobre “Vinha, paisagem e economia do concelho de Ponte de Lima nos meados do século XVIII”.
Entretanto no próximo dia 10 de Novembro serão lançadas em Viana do Castelo as Atas do Congresso Vinhas e Vinhos – I Congresso Internacional, realizado em Outubro de 2010, também pela mesma associação, onde igualmente estiveram presentes alguns investigadores do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana.

Eça no Brasil

Ontem, dia 24 de Outubro, a Prof. Doutora Isabel Pires de Lima em visita ao Recife como delegada da Fundação Eça de Queirós, Baião, proferiu no auditório do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco uma conferência intitulada “ A paleta de Eça de Queiroz e as artes visuais contemporâneas”. Esta apresentação teve o apoio e a presença da Sociedade Eça de Queiroz do Recife, de que é presidente o nosso confrade Dr. Dagoberto Carvalho J.or, distinto médico, historiador de Arte e militante queirosianista.

Dois livros queirosianos

A. Campos Matos acaba de dar à estampa mais duas obras suas, como sempre de temática queirosiana, como é o caso de “Silêncios, Sombras e Ocultações”, publicado por Edições Colibri, e de “Um caso insensato da cultura nacional. Querela inútil mas inevitável”, pela mesma editora.
No primeiro caso trata-se de um tema que inicialmente foi publicado com o mesmo título no Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. 42 em 2008 e depois, muito bem acompanhado de mais dezoito temas queirosianos e onze sobre diversos outros escritores, publicado no Brasil pela editora Movimento com o patrocínio do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro em 2011.
A presente 2.ª edição tem mais oito artigos do que a edição brasileira, vindo assim enriquecer a sua já vasta e imprescindível bibliografia queirosana e, além do mais, agora com estampas a cores que muito a valorizam.
O segundo trabalho deste incansável autor é uma brochura de meia centena de páginas nas quais reúne a sua querela recente com a Fundação Eça de Queiroz de Baião, a propósito desta entidade não ceder peças aí depositadas que pertenceram ao escritor para figurarem na exposição internacional que vai decorrer em S. Paulo, no Brasil, em 2013.
Para além da querela, que justificou a A. Campos Matos o título, junta-lhe o artigo já publicado no seu “Suplemento ao Dicionário de Eça de Queiroz”, Lisboa, Caminho, 2000, com o título “Relações da família de Eça de Queiroz com os críticos”, complementado com uma “actualização” sobre o tema.
Ambas as obras foram lançadas em Lisboa na Livraria Ferin no passado dia 12 de Outubro, apresentados pelo Prof. Doutor Eugénio Lisboa.

Os Ourives

Através da Associação dos Amigos de Pereiros, Alberto Júlio da Silva Fernandes acaba de publicar um livro sobre ourives prateiros que é também ele próprio uma obra de Arte graças ao seu grafismo, e por ser também um belo catálogo da melhor produção de António do Nascimento Fernandes & Irmão, e de Joaquim do Nascimento Bastardo Lda.
Nascido de um desafio de gerações familiares que não querem que se perca esta memória, já materializada num núcleo museológico na aldeia de Pereiros, S. João da Pesqueira, o livro apresenta ainda imprescindíveis dados históricos sobre a Confraria de Santo Elói e dados técnicos sobre como se fazia, por exemplo, uma taça a partir de uma moeda de prata, entre muitas outras sabedorias de uma profissão que deixou por instituições, monumentos e particulares uma das mais ricas evidências da arte nacional: as pratas cinzeladas.
À venda na Loja on-line da Confraria.

Atividades da Confraria

Prosseguem no Solar Condes de Resende as actividades locais da Confraria Queirosiana: assim, para além do curso de Pintura e expressão plástica, que passou para as 4ªs feiras às 18 horas, prosseguem as 5.ªs de Cultura com iniciação ao bridge às 18.30 h e palestra às 21 horas com entrada livre.

No próximo dia 3 de Novembro, sábado, pelas 17 horas, decorrerá a abertura ao público do Salon d’Automne queirosiano 2012, a exposição anual de artes plásticas da Confraria, este ano comemorativa do seu 10.º aniversário e, por esse motivo, alargada a não sócios.


Feira de S. Martinho, 2011









Nos dias, 9, 10 e 11 decorrerá, também no Solar, a tradicional Feira de S. Martinho de produtos do Douro, em colaboração com a Gaianima e a Junta de Freguesia de Canelas, com animação e também entrada livre.

No dia 24 de Novembro, sábado, terá lugar o Capítulo anual durante o qual será homenageado o Comendador Fernando Fernandes, livreiro do Porto, e insigniados os nossos confrades.


Colóquio dos Olivais

Nos próximos dias 24 a 30 de Novembro decorrerá na Escola Secundária Eça de Queirós, em Olivais, Lisboa o XVIII Colóquio dos Olivais organizado pelo nosso confrade Fernando Andrade Lemos, que no dia 27 apresentará a comunicação “Ensaio sobre a possível mitogenia da freguesia de Santa Maria dos Olivais”, em colaboração com José António Silva; no dia 28 será a vez de Luís Manuel de Araújo apresentar “Eça de Queirós e o Museu Egípcio do Cairo” e o lançamento do n.º 5 dos “Cadernos Culturais de Telheiras, Lumiar, Olivais” dirigidos também por aquele director do Centro Cultural Eça de Queirós.

Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 50 – Quinta-feira, 25 de Outubro de 2012
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN:PT50001800005536505900154;Email:queirosiana@gmail.com; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638);
 redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.