domingo, 26 de novembro de 2017

25 de novembro de 2017

Heróis que passam, heróis que ficam
     Recentemente apareceu em Mértola mais uma estátua romana togada. Muitas destas representações de antigos magistrados, ou mesmo de imperadores, aparecem sem cabeça, o que não quer dizer que tenham sido decapitados. Na sua sabedoria prática os antigos municípios romanos sabiam que os estatuados em vida não eram eternos, e por isso, mesmo que não fossem substituídos antes, um dia morreriam e devido a essa circunstância incontornável seriam substituídos no templo e na praça pública. Ora, pensavam eles, para quê substituir a estátua toda se na realidade bastava mudar a cabeça e a inscrição na base? É que tudo o resto, arte, postura, traje, simbólica, culto reverencial pela pessoa que ocupou o cargo, continuaria igual nos que se lhe seguiam. Logo bastava gastar dinheiro apenas num novo busto e encaixá-lo na venerável estátua que assim até permitia um certo arremedo, se não de eternidade, pelo menos de continuidade, o que não sendo a mesma coisa, tem os seus confortos espirituais e não só. Assim se faziam as perpetuidades mais práticas.
Com as estátuas de mármore tal é possível e algumas dessas obras de arte, figuras de corpo inteiro e bustos, já eram feitos nesse pressuposto, com os encaixes necessários para as previsíveis substituições. Nas estátuas de bronze, fundidas por inteiro ou em partes, não sendo impossível a operação, ela é muito mais difícil. Serrar uma cabeça, e depois soldar uma outra no seu lugar, raramente dá origem a remendo perfeito, parecendo que o novo estatuado está na festa com um fato de aluguer. Por isso, quando as sociedades se interrogam sobre a validade e o significado das estátuas de bronze, estas normalmente acabam apeadas, partidas aos bocados, e quantas vezes derretidas de novo para dar origem a novas estátuas ou utilíssimos elementos de pichelaria.
Se é certo que já os chineses, os egípcios, os gregos e outros fizeram antiquíssimas estátuas de bronze, elas continuam hoje presentes nas nossas praças, se bem que pelo facto de valerem 7 € o quilo na sucata tenham vindo a desaparecer umas tantas de pequeno e médio porte e com pedestal rasteirinho, o que é barato se compararmos com o preço da arte nelas investido. Recentemente, nos EUA, as novas gerações que já não se revêem nos heróis confederados, ou que deles sabem as más memórias, entenderam que deviam acabar com o seu pimponeio na praça pública e, no mínimo, mandá-los, se não para o alto forno, ao menos para o museu, substituindo-os por heróis mais consensuais. Já no Iraque de Saddam Hussein, a fúria dos invasores estrangeiros derrubou as suas estátuas erguidas pelo seu regime. Um pouco mais atrás, com a queda da União Soviética apearam-se lenines e estalines por todo o lado. Na derrocada do Império de papel português, navegadores, militares e sertanejos existentes nas ex-colónias foram apeados do pedestal. Com o habitual humor cabo-verdiano, vi na cidade da Praia uma estátua laudatória a um antigo governador na qual uma crioula sentada na base, em vez de continuar a apontar o indicador agradecido para o homenageado, foi este dedo substituído pelo apontar do dedo médio e o recolhimento dos restantes (se não percebeu a descrição, experimente). Salvou-se a estátua sem grande dano e atualizou-se a mensagem, o que nem sempre é possível.
Ele há mesmo estátuas que, entre o atelier do artista e a praça pública mudam de personalidade: no Rossio, em Lisboa, aquela «vela de estearina colossal e apagada» (Eça de Queirós, O Primo Basílio), foi feita para retratar o austríaco Maximiliano do México, que entretanto os mexicanos fuzilaram. Com a despesa já feita, mas por pagar, a fundição italiana que o fez concorreu e ganhou o concurso para o monumento a D. Pedro IV de Portugal, afinal primo e muito parecido com o imperador mexicano recusado. E aí está ele lá no alto, dispensando pormenores. Por essas terras fora há muita estátua, muito busto, que em muitos casos são de gente irrelevante fora da congregação ou do círculo de devotos que as ergueram, às vezes até de figuras controversas impostas à tolerância da distração pública. Se as devoções filiais e familiares se percebem, já o confundir esse restrito afeto com o reconhecimento público, no imediato ou a prazo, poderá ter más consequências. Em muitos casos, para sabermos o que fez o estatuado, perante o laconismo do letreiro, nem mesmo nos vale a Grande Enciclopédia, temos mesmo de ir perguntar ao café da esquina e, uma vez aí, talvez tenhamos sorte em saber quem foi realmente o filho da terra, atendendo que algumas há em que a sua existência e relevância local é absolutamente lendária, mitológica, ficcional, um verdadeiro gato por lebre mistificador.
Por outro lado, quanto verdadeiro herói não jaz nos arcanos do esquecimento da memória presente, ocupada que anda com gente irrelevante, mas momentaneamente famosa pelo seu saracotear anatómico ou mental. Mas assim cheia e ocupada a opinião social quotidiana, não creio que daqueles outros queira os feitos e o exemplo.
Eça escreveu um dia a Oliveira Martins dizendo que «um herói que se ressuscita vale um filho que se gera» (Carta de 14.09.1898). Talvez, mas convém que o ato gerador não seja um devaneio pessoal, mas antes um espelho da comunidade e que esta se reveja na estátua erguida. Não chega perpetuar o herói, pois o importante é que o ato ajude a perpetuar a comunidade que o terá como exemplo, pois de outro modo, nisto de estátuas, uns heróis passam, outros heróis, mesmo sem elas, ficam. Per omnia saecula saeculorum.
           
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria

Livros e revistas

É hoje lançado no capítulo da Confraria Queirosiana pelo seu diretor, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo, o n.º 14 da nova série da Revista de Portugal dedicada ao compositor Alfredo Napoleão (1852-1917), com artigos de Susana Moncóvio (Luísa Ey (1854-1936): aspetos biográficos de uma divulgadora de Eça de Queirós na Alemanha); Paulo Sousa Costa (O domínio templário de Mogadouro e Penas Roias no século XIII); Dagoberto Carvalho Jr (São Gonçalo de Amarante, o santo que não foi e é. Contribuição ao estudo de um devocionário); J. A. Gonçalves Guimarães (O «Relicário D. João I» de Filipe José Bandeira); José Manuel Gonçalves (João Martins Silva Marques: «o mais sintrense dos não sintrenses»); J. Rentes de Carvalho (Apresentação do livro Trás-os-Montes. O Nordeste, em Mogadouro e em Lisboa); José António Afonso (Nell Leyshon, Del color de la leche). O presente número apresenta ainda a Bibliografia 2016 dos sócios da ASCR-Confraria Queirosiana e o Relatório de Atividades da associação.


Neste mesmo capítulo são também lançadas duas dissertações de Mestrado de dois investigadores do Gabinete de História, Arqueologia e Património, apresentadas recentemente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e editadas pela Confraria Queirosiana em parceria com as Edições Afrontamento, a primeira intitulada “Cultura e Lazer. Operários em Gaia, entre o final da Monarquia e o início da República (1893-1914)”, apresentada pelo seu orientador Professor Doutor Gaspar Martins Pereira, que sobre a mesma escreveu: «Neste trabalho de Licínio Santos sobre representações da cultura e do lazer do operariado de Gaia, em finais do século XIX e inícios do XX… é bem perceptível essa forte articulação entre o trabalho, a cultura e o lazer que caracteriza a «cultura popular», na perspectiva de Richard Hoggart, e que forma, também, o núcleo central da «cultura operária».




Por sua vez, a dissertação de Maria de Fátima Teixeira, segundo o seu orientador, Professor Doutor Jorge Fernandes Alves que igualmente apresentou a obra, «… traz-nos, com o presente volume, uma larga e fundamentada incursão a esse complexo industrial que foi a Companhia de Fiação de Crestuma, colocando questões e propondo respostas, levantando novas e pertinentes problemáticas, com base numa pesquisa incisiva de fontes documentais… cujos espaços tem calcorreado e conhecerá como poucos». Na ocasião esteve igualmente presente o patrocinador da edição e proprietário daquele complexo industrial em recuperação, Dr. Ricardo Haddad que, baseado nos seus conhecimentos e experiência internacionais, escreveu um texto de apresentação que relaciona a história desta empresa gaiense com a indústria têxtil mundial. A obra será também divulgada no Brasil.



Neste mesmo dia na Póvoa de Varzim A. Campos Matos lançou a 3.ª edição do seu Diário Íntimo de Carlos da Maia (1839-1930), publicado pelas Edições Colibri. Obra maior da ficção queirosiana, o autor assume-se nela como continuador de Os Maias, mas sem ser apenas – ainda que um gigantesco apenas – uma reencarnação de Eça de Queirós e da sua escrita, mas também de todo o pathos biográfico recriado da personagem principal daquele romance, que a obra inicial vê assim continuada neste Diário Íntimo que já vai em três edições, esta última com posfácio do próprio autor e uma recensão de Dominique Sire sobre a primeira edição. Tendo aqui Carlos da Maia sobrevivido ao seu criador até dezembro de 1930, este texto apresenta o mundo sobre que Eça poderia ter refletido se a morte o não surpreendesse a 16 de agosto de 1900. Se em vez de ter morrido com cinquenta e cinco anos, os oitenta e cinco que então teria naquela data não eram um favor dos deuses por aí além a tão notável e humano escritor. Com esta obra imperdível de A. Campos Matos ficam assim saldadas umas certas contas com a distração divina.
 


Com a gentileza de dedicatória amiga chega-nos um novo livro de Dagoberto Carvalho Júnior intitulado “De Oeiras a Oeiras pelo Recife”, editado pela Editoração Eletrônica de Olinda, Pernambuco, com prefácio de Fonseca Neto, o qual reúne «Memórias pessoais, porquanto cerca de quinhentos artigos publicados… ao longo de vinte e dois anos – reunidos em outros livros do autor, integram as “minhas memórias dos outros”, como às suas chamou Rodrigo Octávio», nomeadamente artigos publicados na nova série da Revista de Portugal e, neste mesmo livro um «Encontro em Vila Nova de Gaia» datado de maio deste ano, quando esteve entre nós por breve e já saudoso tempo.


Palestras, cursos, congressos e outros eventos

Património Cultural de Gaia        
No passado dia 28 de outubro decorreu no Solar Condes de Resende a sessão de abertura do Curso livre sobre o Património Cultural de Gaia, organizada pela Academia Eça de Queirós com a colaboração da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia através do Solar Condes de Resende e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente. A sessão foi presidida por Eduardo Vitor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, ladeado por José Manuel Tedim, da direção da Academia, Carlos Sousa, em representação da diretora daquele Centro de Formação e J. A. Gonçalves Guimarães diretor do Solar e coordenador destes cursos desde 1991. A primeira parte foi preenchida pela entrega dos certificados do curso anterior aos alunos e professores presentes. Na segunda parte, como professor de Sociologia, o presidente da autarquia gaiense apresentou o tema “Património Cultural e Autarquias”. No dia 4 de novembro, como professor de Património, J. A. Gonçalves Guimarães apresentou “Teoria e Metodologia do Património” e no próximo dia 18 o biólogo Nuno Oliveira falará sobre o “Património Natural de Gaia”. A 16 de dezembro o arqueólogo António Manuel S. P. Silva falará sobre o “Património Arqueológico de Gaia”, prosseguindo o curso no próximo ano com sessões apresentadas pelos diversos coordenadores deste projeto em execução pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-Confraria Queirosiana.

Imprensa diária e Grande Guerra
No passado dia 10 de novembro decorreu no Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner de Vila Nova de Gaia um colóquio subordinado a este tema organizado pelo CITCEM da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Na sessão de abertura Jorge Fernandes Alves falou sobre “ Um jornal na História – O Comércio do Porto”, cuja coleção se guarda neste Arquivo e que durante muitos anos teve uma secção especialmente dedicada aos assuntos de Vila Nova de Gaia.

Colóquio dos Olivais
Nos dias 20 a 25 de novembro decorreu no Centro Cultural Eça de Queiroz em Lisboa o III Colóquio Luso-brasileiro dos Olivais/Lumiar, XXXIII Colóquio dos Olivais e IV Colóquio Rádio+Cultura. Entre muitos outros oradores falaram A. Campos Matos sobre “Anotações Queirozianas”, Fernando Andrade Lemos “Lembrando Eduardo Sucena” e Luís Manuel de Araújo “Revivendo Eça no Egito”.

Almanaques de Eça em leitura
Hoje, dia 25 de novembro, na livraria do Porto da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, pelas 17 horas, a Professora Isabel Pires de Lima participará nas “Leituras de Casa”, um ciclo de leituras e conversas, desta vez sobre “Almanaques e outros Dispersos” de Eça de Queirós.

Exposições




Conforme informamos na página anterior, abriu ao público no passado dia 4 de novembro no Solar Condes de Resende o Salon d’Automne queirosiano 2017 numa cerimónia muito concorrida por parte dos artistas, seus amigos e familiares e diversos sócios e confrades. A abertura foi feita pelo mesário-mor da Confraria Queirosiana, J. A. Gonçalves Guimarães, pelo presidente do conselho fiscal e diretor dos Auditórios Municipais de Gaia, Dr. Manuel Filipe, e pelo presidente da assembleia geral da Confraria e da direção da Federação das Coletividades de Gaia, César Oliveira, tendo todos eles usado da palavra para se referirem a este evento que conta já com 12 edições. Foi curadora da exposição Maria de Fátima Teixeira, responsável pela edição do catálogo.




Homenagem associativa
No passado dia 27 de outubro, no Auditório Municipal de Gaia, a Federação das Coletividades de Vila Nova de Gaia prestou homenagem a Eduardo Vitor Rodrigues como dirigente associativo com um espetáculo em que intervieram o Ginasiano Escola de Dança, a Escola de Música de Perosinho, o Grupo de Percussão da Academia de Música de Vilar do Paraíso, o Estúdio de Ópera da Fundação Conservatório Regional de Gaia e a Orquestra do Fórum Cultural e o Coral de Gulpilhares. Ao homenageado foi ainda entregue uma obra de Arte representando um barco rabelo.


Prémio
A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, Organização Não Governamental de Ambiente com maior intervenção à escala nacional, que a 31 de outubro passado comemorou 32 anos de existência, atribuiu o Prémio Quercus 2017 ao biólogo Nuno Gomes Oliveira, licenciado pela Universidade de Bordéus e doutorado pela Universidade de Coimbra, autor do projeto do Parque Biológico de Gaia que dirigiu entre 1983 e 2016 (instituição que igualmente recebeu este galardão em 2011), e também dos projetos do Parque Biológico de Vinhais, da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, da Reserva Natural Local do Estuário do Douro e de muitas outras intervenções ambientalistas publicadas em diversos livros e dezenas de artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 108 – sábado, 25 de novembro de 2017; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

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