sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Eça & Outras

Segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Presépios e Cascatas

            Recentemente a UNESCO declarou a arte popular dos bonecos de Estremoz, ou mais propriamente a sua «produção de figurado de barro» como Património Cultural Imaterial da Humanidade, sendo esta terra também já conhecida pelos seus famosos púcaros de barro decorados, pelo menos desde o século XVI. O processo de candidatura atribui a este figurado uma antiguidade de 300 anos, sendo uma arte exclusivamente feminina. Talvez seja verdade, mas quase sempre a arte dos bonecos é muito mais antiga, o que a Arqueologia tem vindo a confirmar. Enquanto os romanos ricos mandavam fazer os bustos dos antepassados a escultores de renome, os pobres pediam ao oleiro da esquina que lhes fizesse em barro a figura dos pais ou dos avós para colocarem nos lares familiares, os altares domésticos dedicados aos antepassados, permanentes ou com especial devoção nos solstícios de verão e de inverno. Noutros casos eram bonecos mais ou menos artísticos que representavam as divindades do antigo panteão greco-latino, as quais perduraram até aos nossos dias nos bibelots que temos em casa: «Uma Diana apertando o coturno de caça; Leda sorrindo ao cisne que arqueia o pescoço para a beijar; outra deusa com um espelho caído no regaço; uma ninfa conversando com um fauno sobre um tronco caído - tais são os motivos familiares e singelos destes grupos, que não têm nem um palmo de altura e encerram um infinito de harmonia e de beleza. E esta beleza não deslumbra, nem sacode violentamente a imaginação. É na inteligência que se insinua, que produz uma emoção toda intelectual» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas, «Uma colecção de arte»). Por isso muitos destes bonecos passaram ao longo dos séculos do humílimo barro ao biscuit e até aos metais nobres. Se já não esperamos deles proteções celestiais, mantemo-los em nossas casas junto dos bonecos da Senhora de Fátima, de Buda, de Iemanjá, do Padre Cruz, do Dr. Sousa Martins ou do Ronaldo pelo estatuto intelectual e simbólico que nos concedem e, convenhamos, pelo que valem a olho ou ao quilo. Como nos antigos Egito ou China; como no antigo Império Romano; como nas civilizações andinas.
Sendo então os bonecos de barro uma criação sempre presente desde os primórdios da Humanidade, e de todas as civilizações, entre nós, os mediterrânicos, deram origem aos santos individualizados dos antigos oratórios e às composições coletivas com figuras dos presépios e das cascatas, as primeiras existentes desde a democratização do Cristianismo e ajustadas aos relatos evangélicos ao longo dos tempos, depois padronizados pela utilização catequética que delas fez Francisco de Assis, explodindo em erudições barrocas no século XVIII e regredindo daí para cá em simplificações estéticas; as segundas mantendo-se na esfera das artes populares muito pouco sacralizadas pela religião católica.
São estas atualmente as principais utilizações do figurado popular em Portugal, a partir de exemplares produzidos em Barcelos e pouco mais, pois os bonecreiros de Gaia praticamente desapareceram, se bem que tenham deixado descendência humana e olárica nos Açores e no nordeste brasileiro, onde ainda hoje se fazem “lapinhas”, nome aí comum para os invernosos presépios e as muito raras juninas cascatas. Na região do Baixo Douro, onde perduraram uns e outros, mas com cenários e significantes diferentes, só as representações dos ovinos podem ser comuns em ambas as construções.
Regressando aos bonecos de Estremoz, relembremos que foi o escultor gaiense José Maria de Sá Lemos (1892-1971), sobrinho e discípulo do escultor António Teixeira Lopes, quem os salvou da extinção quando, entre 1932 e 1945, foi professor e diretor da Escola Industrial António Augusto Gonçalves naquela vila alentejana, tendo levado ao curso de cerâmica ali existente a então última bonequeira, Ana da Silva, a ensinar a sua arte às novas gerações. Depois, com o mestre oleiro Mariano da Conceição concebeu na estética dos bonecos locais o “presépio de altar”, unindo na mesma peça duas realidades diferentes, o presépio natalício e o trono de Santo António, com os três Reis Magos no lugar dos santos populares, a Sagrada Família no degrau do meio e os pastores no inferior. Este escultor nascido em Mafamude, Vila Nova de Gaia, outrora terra de bonequeiros, era por sua vez sobrinho e neto de quem não desdenhou o seu fabrico erudito e por isso a sua sensibilidade para o assunto, agora com tão felizes consequências. Tanto seu tio, o escultor António Teixeira Lopes, como seu avô o escultor e ceramista José Joaquim Teixeira Lopes se dedicaram à arte das figuras populares em barro numa terra que então os fazia para as cascatas de verão. E ambos eram amigos de Rafael Bordalo Pinheiro, visita de suas casas.
A propósito desta classificação alguns opinaram que o Património Mundial pode estar a banalizar-se. É possível que sim, mas não sei se daí virá algum mal ao mundo. Existindo ainda uma tradição bonecreira, presepeira e cascateira nos municípios do Porto, Gaia, Matosinhos, Gondomar e outros do Baixo Douro deixo aqui a sugestão de que a assembleia da Área Metropolitana do Porto proponha os presépios, eruditos ou populares, e as cascatas, não mais que populares, para serem classificados como tal, patrocinando a respetiva candidatura e promovendo a continuação da sua realidade cultural como um dos símbolos da região. Afinal um outro tipo de bonecos de barro também existe aqui há séculos para estas duas manifestações dos antiquíssimos lares familiares.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria

Confraria Queirosiana
Comemorações queirosianas
            No presente ano várias foram as entidades nacionais e locais que comemoraram o aniversário de Eça de Queirós. Assim, no dia 25 de novembro, o seu dia natalício, o presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, a convite da autarquia de Baião ali se deslocou para a inauguração de uma estátua do escritor, desta feita de Emília Lopes, que se junta assim nesta localidade a um outro monumento ao escritor com um busto em medalhão da autoria de Henrique Moreira, inaugurado em 1968, tendo depois visitado a Fundação Eça de Queiroz na Quinta de Vila Nova, santa Cruz do Douro.
            Patrocinaram ou acolheram eventos relacionados com a efeméride as câmaras da Póvoa de Varzim, com a apresentação da última edição do livro “Eça de Queiroz uma biografia” de A. Campos Matos, apresentado pela Prof.ª Doutora Isabel Margarida Duarte na Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, e Vila Nova de Gaia, que acolheu no Solar Condes de Resende o 15.º capítulo da Confraria Queirosiana.
            Na semana anterior, entre 20 e 25 de novembro decorreu em Lisboa no Centro Cultural Eça de Queiroz o III Colóquio Luso-brasileiro dos Olivais/Lumiar, XXXIII Colóquio dos Olivais e IV Colóquio Rádio+Cultura. Ainda na capital, no dia 23 realizou o Círculo Eça de Queiroz, conjuntamente com o Grémio Literário, o jantar comemorativo anual, que desta feita contou com a atuação do pianista Adriano Jordão, tendo estado presentes, além dos dois presidentes daquelas duas instituições queirosianas, dirigentes da Fundação Eça de Queiroz e da Confraria Queirosiana.

15.º Capítulo da Confraria Queirosiana

Novos Confrades

           
Como habitualmente a Confraria Queirosiana celebrou o seu capítulo anual no salão nobre do Solar Condes de Resende. A sessão foi presidida por José Manuel Tedim, presidente da direção, César Oliveira, presidente da assembleia geral da ASCR-CQ, e J. A. Gonçalves Guimarães, mesário-mor da confraria, tendo ainda sido chamadas à mesa, Olga Cavaleiro, presidente da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas e Paula Carvalhal, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. A sessão foi abrilhantada por um grupo de clarinetes e solistas do Conservatório de Música de Gaia que interpretaram os 6 Nocturnos de Mozart dirigidos pelo maestro José Cidade. Estiveram presentes representantes de várias confrarias e de várias instituições culturais, tendo sido assinados diversos protocolos de doação de bens, nomeadamente o livro manuscrito “Memórias de um Expedicionário a Moçambique (1917-1919) de José Pereira do Couto Soares, por seu neto Dr. Fernando Rui Morais Soares, editado pela Confraria em 2016, e um protocolo de edição entre esta e as Edições Afrontamento, representadas pelo seu diretor, Dr. José Ribeiro. Seguidamente foi apresentado o n.º 14 de Revista de Portugal pelo seu diretor Luís Manuel de Araújo, a que se seguiu a apresentação da edição da dissertação de mestrado de Licínio Santos, “Cultura e Lazer. Operários em Gaia, entre o final da Monarquia e o início da República (1893-1914)”, pelo seu orientador Professor Doutor Gaspar Martins Pereira, e a de Maria de Fátima Teixeira, “Companhia de Fiação de Crestuma. Do fio ao pavio”, pelo seu orientador Professor Doutor Jorge Fernandes Alves e pelo patrocinador e proprietário daquele complexo fabril em recuperação patrimonial, Dr. Ricardo Haddad.
            Foram insigniados como novos confrades de número, Adalberto Neiva de Oliveira, diretor da Cabelte; António Domingos Dias Costa, economista; José Carvalho de Freitas, advogado; Manuel Monteiro, vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia; Maria Teresa Girão Osório, pintora; Nelma Patela, professora; como sócios de honra, Acácio Edgar Alves Luís, ex-funcionário da Bayer, pela oferta da biblioteca libertária de seu pai; Arménio Costa, presidente da Junta de Freguesia de Canelas, pelo apoio dado às realizações da Confraria no Solar; e Marcus Vinícius Cocentino Fernandes, médico radiologista, pela doação de um espólio inédito sobre Teófilo Braga.
            Os confrades dirigiram-se seguidamente para a estátua de Eça de Queirós de Helder de Carvalho no Jardim das Camélias, onde colocaram uma coroa de louros e para as salas do Salon d’Automne 2017 apreciaras obras dos sócios e confrades expostas. Seguiu-se o jantar queirosiano, com atuação do grupo cantante Eça Bem Dito, o desfile de Moda de inspiração indiana da estilista Maria José Gomes e a atuação da Academia de Dança Gente Gira.  

Livros e revistas

Disponibilizadas on line com a realização do 2.º Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses que decorreu em Lisboa entre 22 e 25 de novembro passado, foram assim publicadas as Atas que nas suas 2036 páginas incluem os textos das comunicações e dos posters aí apresentados, entre os quais o de SILVA, António Manuel S. P.; GUIMARÃES, J. A. Gonçalves; PINTO, Filipe M. S.; SOUSA, Laura; LEITE, Joana; LEMOS, Paulo; PEREIRA, Pedro, e TEIXEIRA, Maria de Fátima (2017) – O Projeto CASTR’ UÍMA (Vila Nova de Gaia, 2010-2015) Elementos e reflexões para um balanço prospetivo. In ARNAUD, José Morais; MARTINS, Andrea, coord.  – Arqueologia em Portugal 2017 – Estado da Questão. Textos. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, p. 137-154, o qual dá a conhecer, para além dos aspetos científicos, o impacto social deste projeto em realização pela ASCR - Confraria Queirosiana.

A editora Guerra & Paz acaba de lançar no mercado o livro “Lopes-Graça e a Modernidade Musical” de Mário Vieira de Carvalho, musicólogo e professor catedrático jubilado da Universidade Nova de Lisboa, de que foi vice-reitor, e ainda secretário de Estado da Cultura em 2005-2008. Num conjunto de quatro ensaios o autor revisita este compositor e teórico da música portuguesa e universal que equacionou a relação entre a modernidade sonora e as outras áreas da cultura e da ação política, além dos universos da música nacional face aos particularismos quantas vezes bem étnicos da chamada música internacional. Falecido em 1994, Fernando Lopes Graça continua a ser incontornável na nossa modernidade e estes estudos ajudam a entender o seu pensamento e ação em questões longe de estarem aclaradas, como o «…conceito de “povo” na música tradicional».  


Palestras, cursos, congressos e outros eventos

Mestrado em Arqueologia

            No dia 13 de novembro passado decorreram na Faculdade de Letras da Universidade do Porto as provas de mestrado em Arqueologia do Dr. Joaquim Filipe Vidinha Tinoco Ramos, intitulado “Estágio no Solar Condes de Resende. Contributo para o estudo das Cerâmicas Finas Tardias da Igreja do Bom Jesus de Gaia”, realizado sob a supervisão do Prof. Doutor Rui Morais e que teve como orientadora institucional a Mestre em História, Susana Guimarães. O júri, que aprovou o candidato com dezasseis valores, poi composto pelos professores Teresa Soeiro e Rui Morais, tendo sido arguente J. A. Gonçalves Guimarães.

Últimas Quintas

     No passado dia 30 de novembro realizou-se no Solar Condes de Resende uma palestra pelos Mestres Fátima Teixeira e Licínio Santos sobre «As profissões segundo os cadernos leitorais de 1894 - O centro urbano de Vila Nova de Gaia em finais de oitocentos», onde demonstraram a enorme diversidade de atividades produtivas então existente no cento histórico de Gaia. No próximo dia de 28 dezembro, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre “As profissões em Gaia no século XVI (a propósito do Foral de 1518)”.

O Gato no Antigo Egipto

     No dia 19 de dezembro decorreu no Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa um seminário orientado pelo egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo sobre o tema “O Gato no Antigo Egipto”. A sessão incluiu o lançamento do número 5 da revista Hapi da Associação Cultural de Amizade Portugal-Egito.

Curso sobre Património Cultural

Em janeiro prossegue no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Património Cultural de Gaia com as seguintes aulas: sábado dia 6, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre “Património do Mundo em Gaia”; no dia 27, Barbosa da Costa falará sobre “Património Institucional de Gaia”.

Exposições


            No passado dia 15 de dezembro abriu ao público em Ourense, Galiza, a exposição europeia In Tempore Sueborum com três núcleos: I – Centro Cultural “Marcos Valcárcel”; II – Igreja de Santa Maria Nai; III – Museu Municipal. Tendo estado presentes as autoridades estaduais, autonómicas e municipais espanholas, galegas e ourensianas, bem assim como representantes dos 10 países europeus presentes na exposição, o Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR – Confraria Queirosiana fez-se representar pelo arqueólogo António Manuel S. P. Silva, co-coordenador dos projetos de intervenção arqueológica em Crestuma e no Castelo de Gaia. Nesta exposição, onde estão presentes peças provenientes de museus de Alemanha, Áustria, Bélgica, Eslováquia, Espanha, França, Hungria, Polónia, Portugal e República Checa, o Solar Condes de Resende está representado com três peças arqueológicas do Castelo de Gaia (uma taça de vidro; um prato-taça de cerâmica de Cartago com figuras paleocristãs e um brinco de ouro), com textos de J. A. Gonçalves Guimarães e 1 peça do Castelo de Crestuma (1 fragmento de tegula epigrafado), com texto de M. I. Velázquez Soriano, todas datadas dos séculos V/VI, tendo sido editado um magnífico catálogo em galego, castelhano e inglês. A Confraria Queirosiana está a organizar uma visita a esta exposição no final de janeiro coincidente com a 19.ª edição do Xantar “Salón Internacional de Turismo Gastronómico” que ali decorre entre 31 de janeiro e 4 de fevereiro.

Castelo de Crestuma

            Esteve exposta entre outubro e dezembro na Escola Escultor Fernandes de Sá em Vila Nova de Gaia a exposição itinerante “Castelo de Crestuma: a Arqueologia em busca da História”, que apresenta uma leitura didática do sítio e da sua evolução até à atualidade, composta por painéis ilustrados e diversas vitrinas com espólio arqueológico, cerâmico, pétreo e metálico tratado e descrito.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 109 – segunda-feira, 25 de dezembro de 2017; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Manuel Nogueira; fotografias de Miguel Pena.



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