quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Eça & Outras

Um abraço solidário para Piotr Riabov

Professor Piotr Riabov, fotografia  A.N.A., 14 de outubro de 2017
Em 1898, num curioso texto intitulado A Rainha, no caso D. Amélia de Orleães e Bragança, publicado na Revista Moderna, Eça de Queirós definiu-se politicamente como um «vago anarquista entristecido, idealizador, humilde, inofensivo…Anarquismo, mesmo vago…». Estava a menos de dois anos da sua imprevisível morte, e por isso ainda lutava contra «a presença angustiosa das misérias humanas, tanto velho sem lar, tanta criancinha sem pão, e a incapacidade ou indiferença de monarquias e repúblicas, para realizar a única obra urgente do mundo – “a casa para todos, o pão para todos”». Desde muito novo que partilhava, mesmo sem os definir ou sem sequer assim os denominar, alguns princípios do ideal anarquista. Em setembro de 1871, aos vinte e cinco anos de idade, escrevia em As Farpas que a política da época era «a posição dos nulos, a ocupação dos vadios, a ciência dos ignorantes, o préstimo dos inúteis, a grandeza dos medíocres, a renda dos que não têm renda». Mas foi sobretudo durante a sua estadia como cônsul em Paris que teve oportunidade de questionar e consolidar as suas convicções, como muito bem demonstrou Sérgio Duarte num notável ensaio intitulado «Eça de Queirós e o Anarquismo», apresentado no Solar Condes de Resende num colóquio intitulado “Eça de Queirós era monárquico, republicano ou anarquista?”, organizado pela Confraria Queirosiana em 2004, depois publicado no jornal A Batalha de setembro-outubro desse mesmo ano, onde concluiu que «Eça foi até ao fim da vida adepto de um socialismo federalista de cariz proudhoniano. Nunca foi um ativista político, devido às funções oficiais que desempenhava e, muito provavelmente, também por falta de vocação militante, mas nunca deixou de defender as suas ideias, mesmo quando isso lhe poderia ter trazido alguns dissabores».
Segundo Proudhon «a liberdade, sem o socialismo, constitui um privilégio; o socialismo, sem a liberdade, é o caminho da autocracia e da escravidão». Por sua vez Stirner adopta como ideal «a liberdade absoluta do espírito humano… [com a qual] …o interesse pessoal do indivíduo é a sua única lei, tendo cada um direito ao seu desenvolvimento integral, tanto quanto lho permita o próprio poder» (GETTELL, História das Ideias Políticas, Lisboa: Editorial Inquérito, 1936, p. 552/553). São algumas destas questões que Eça equaciona através da personagem de Fradique Mendes, caracterizado por «esta independência, esta livre elasticidade de espírito e intensa sinceridade», mas tendo em conta que, tanto ele quanto Fradique, não eram homens de ciência, nem filósofos, não podendo por isso «concorrer para o melhoramento dos [s]meus semelhantes – nem acrescendo-lhes o bem estar por meio da ciência… nem elevando-lhes o bem sentir por meio da metafísica» (…) «Só me resta ser, através das ideias e dos factos, um homem que passa, infinitamente curioso e atento» (Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes). Daí aquela certeza de ser apenas «um vago anarquista entristecido…», um daqueles que as tiranias facilmente toleram por serem quase inofensivos. Mas já não será assim quando se trata de homens de pensamento quando estes são professores ativos, que além de darem aulas, escrevem livros em que as perguntas, muito mais do que as respostas, são legítimas e incómodas, e fazem intervenções públicas levando os outros cidadãos a interrogarem-se e a procurarem respostas que não mintam à sua condição humana nem à sua inteligência. Eça também experimentou a prepotência oficial contra as suas interrogações apresentadas nas sessões das Conferências do Casino, mandadas encerrar pelo governo de então. Mas não foi preso nem perseguido, embora tivesse sido prejudicado na sua carreira consular. Mais tarde, dessa censura sobre as suas convicções nascerá a metáfora de O Mandarim.
         Não é assim nos dias de hoje na Federação Russa putiniana: Piotr Riabov, mestre em Filosofia, considerado um dos principais historiadores do Anarquismo e do Existencialismo na Rússia, docente do departamento de Filosofia da Universidade de Pedagogia de Moscovo, foi preso no passado dia 9 de outubro na Bielorrússia quando proferia uma palestra sobre aquele tema. A polícia invadiu as instalações onde decorria a palestra e prendeu-o, bem assim como outras vinte pessoas que o escutavam, tendo ainda apreendido os livros e outros impressos de apoio. Levados para a esquadra, foram libertados depois de interrogados. Mas no dia seguinte, quando estava na estação ferroviária prestes a embarcar para Moscovo, aquele professor foi novamente detido, sendo depois julgado e condenado a seis dias de prisão, acusado de vandalismo e de divulgação de ideias extremistas. Em protesto contra esta prepotência inadmissível nos dias de hoje, entrou em greve de fome, gerando um movimento de solidariedade e apoio internacionais em volta da sua ação pela liberdade de pensamento.
         Sendo pois hoje o governo de Putin em Moscovo muito mais repressivo e tacanho do que em 1871 o do senhor Conde de Ávila em Lisboa, o tal que proibiu as Conferências, resta-me enviar daqui, a título pessoal, um abraço fraterno de solidariedade ao colega Piotr Riabov, acompanhado do meu mais veemente protesto contra a sua arbitrária prisão e perseguição contrário ao Direito internacional e às convenções assinadas por Portugal a favor da liberdade de pensamento e de expressão. Creio bem que Eça de Queirós igualmente subscreverá esta posição.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria

Livros

Embora já publicado e editado por Manuel Almeida dos Santos em 2014, chegou-nos agora à mão o livro ONGs – Passado e Presente. Uma experiência pessoal, com impressivos relatos das vivências do autor sobre o trabalho de algumas organizações não governamentais às quais tem dedicado uma boa parte da sua vida. Em prol do seu semelhante. Começando por definir o seu âmbito e utilidade numa perspetiva ética da cidadania, aborda questões que vão da escravatura à tortura, do terrorismo de Estado às dádivas de sangue, das prisões aos castigos corporais sobre as crianças, tudo «contributos para uma nova ordem política, económica e social». Por fim o autor expõe-se indicando a sua relação pessoal com algumas ONGs.

Acaba de ser publicada uma nova monografia de Francisco Barbosa da Costa intitulada São Martinho de Mozelos – Notas Monográficas, edição da respetiva Junta de Freguesia com o apoio de várias empresas sediadas nesta freguesia santamariana. Após a publicação desde 1980, de idênticas edições referentes a muitas das freguesias de Vila Nova de Gaia, tendo começado pela terra da sua naturalidade, a freguesia de Canelas, já com posterior reedição, e depois de vários livros sobre o património institucional da região a partir do arquivo do Governo Civil e do Arquivo Distrital do Porto, este novo livro, para além dos aspetos geográficos, históricos, institucionais e etnográficos, apresenta ainda o património construído, institucional e as figuras notáveis da terra, passando assim a ser uma publicação de referência para os mozelenses atuais e vindouros.

Partículas Comensais, de Jaime Milheiro
         No passado dia 18 de outubro, na UNICEPE no Porto, Arnaldo Trindade apresentou o novo livro de Jaime Milheiro intitulado Partículas Comensais, onde o autor continua a analisar as misteriosidades que o ser humano, dispensado que tem sido da luta pela sobrevivência quotidiana, inventa para se sentir vivo, pois a alternativa seria regressar ao primevo galho da árvore, solução que só alguns grupelhos pouco numeroso advogam.

Palestras, cursos, congressos e outros eventos

O Tempo dos Professores
         Nos passados dias 28 a 30 de setembro decorreu no Porto na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação o Congresso Internacional “O Tempo dos Professores”, no qual José António Martin Moreno Afonso apresentou o trabalho «Memórias dos anos de formação de uma professora portuense nos anos de 1920», baseado na documentação sobre uma discípula de Teófilo Braga depositada na Confraria Queirosiana.

Igreja de Mafamude
            No passado dia 30 de setembro, o historiador de Arte e residente da direção da Confraria Queirosiana conduziu uma visita guiada da Associação Cultural Amigos de Gaia à igreja de Mafamude, exemplar da arquitetura joanina, onde dissertou sobre o seu altar das Almas, o S. Cristóvão de Afonseca Lapa, o Senhor Morto de Soares dos Reis, mutilado no século XIX e outras obras de Arte Sacra que ali pertencem.

História da Misericórdia Porto
             Nos passados dias 12 a 14 de outubro decorreu no Porto o IV Congresso de História da Misericórdia do Porto, subordinado ao tem “Pessoa(s), Arte e Benemerência” no qual falaram, entre muitos outros conferencistas, Francisco Ribeiro da Silva sobre «Os Cartorários e o Arquivo Histórico da Misericórdia do Porto. O caso exemplar de Querubino Henriques Lagoa», António Manuel S. P. Silva sobre «O Castelo de Gaia, um sítio arqueológico excecional e um valor cultural a potenciar» e Jorge Fernandes Alves sobre «Política e Misericórdia – Algumas incidências dos mandatos do Provedor António Luís Gomes na SCMP»

Palestras
No passado dia 20 de outubro, J. A. Gonçalves Guimarães apresentou na Escola Básica Soares dos Reis em Vila Nova de Gaia uma proposta para um roteiro sobre a vida e obra de Soares dos Reis centrado na terra da sua naturalidade e na vizinha cidade do Porto. No próximo dia 26 falará de manhã na Escola Secundária Sophia de Mello Breyner em Arcozelo sobre “As bibliotecas da minha vida” e á noite, nas habituais palestras das últimas quintas-feiras do mês do Solar Condes de Resende sobre “O Centro Histórico de Gaia como zona portuária no período da industrialização” .

Vinhas e Vinhos
         Hoje, 25 de outubro, tem início o “Vinhas e Vinhos: II Congresso Internacional”, organizado pela APHVIN/GEHVID – Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho, com abertura no Porto na Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Entre muitos outros investigadores participarão com comunicação J. A. Gonçalves Guimarães e Licínio Santos que falarão sobre a “Produção de vinhos de marca em contexto urbano: o caso dos Nicolau de Almeida em Vila Nova de Gaia”; e Nuno Resende sobre “O Vinho no discurso intra e interfamiliar em Casas do Douro (séc. XVI-XIX)”.

Arqueólogos Portugueses
         Nos dias 22 a 26 de novembro decorrerá em Lisboa o II Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses com um basto programa no qual será apresentado o trabalho intitulado “O Projeto Castr’Uíma (Vila Nova de Gaia, 2010-2015): elementos e reflexões para um balanço prospetivo” da autoria de António Manuel S. P. Silva, J. A. Gonçalves Guimarães, Filipe M. S. Pinto, Laura Sousa, Joana Leite, Paulo Lemos, Pedro Pereira e Maria de Fátima Teixeira. Esta comunicação faz um balanço desta intervenção realizada entre 2010 e 2015 no Castelo de Crestuma pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-CQ:

Exposições
Pintora Paula Costa Alves
No passado dia 21 de outubro abriu ao público no Palácio dos Viscondes de Balsemão no Porto a exposição “A expulsão do Paraíso” da pintora Paula Costa Alves, professora do curso livre de Pintura da Confraria Queirosiana no Solar Condes de Resende. Possuidora de um notável percurso como professora e como pintora, «esta exposição-instalação explora o poder de semelhança – e a forte carga emocional – entre a imagem de Adão na obra “A expulsão de Adão e Eva do paraíso” de Masaccio e uma das fotografias mais icónicas dos sobreviventes dos atentados de 11 de setembro de 2001…» (do folheto de apresentação). A mostra estará patente até 18 de novembro.

Salon d’Automne queirosiano
            No próximo dia 4 de novembro, pelas 17,30 horas abrirá ao público no Solar Condes de Resende a edição 2017 desta mostra de Artes Plásticas dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, com obras de Abel Barros, Ana Matos, Angelina Rodrigues, António Almada, António Lacerda, António Pinto, António Rua, Carolina Calheiros Lobo, Cerâmica do Douro, Emília Maia, Ilda Gomes, Luísa Tavares, Maria Eduarda Vilhena, Rodrigo Costa, Rosalina Sousa, Susana Moncóvio, Teresa Girão Osório e Valença Cabral, a qual estará patente até ao final do mês de dezembro.

Roteiro Queirosiano de Évora

No dia 27 de setembro passado foi apresentado no salão nobre dos Paços do Concelho de Évora, o novo roteiro turístico dedicado à presença de Eça de Queirós no município em 1867, complementado com uma visita conduzida pelos investigadores Manuel Alcario e Manuel Branco, a qual teve início junto à entrada do Jardim Público e terminou no largo Conde de Vila Flor junto ao Museu e à Biblioteca Pública de Évora. Tiveram como principal objetivo, além da evocação da sua presença, a divulgação da sua escrita jornalística e política.
Esta iniciativa inseriu-se num programa municipal mais vasto de celebração do Dia Mundial do Turismo. O Roteiro Queirosiano representa uma nova forma de dar a conhecer a cidade aos turistas, que vão poder de forma gratuita realizar este novo percurso pedestre, remetendo para os principais eventos e locais onde o escritor viveu, que frequentou e sobre os quais escreveu há 150 anos.
Com esta apresentação, a Câmara Municipal de Évora encerrou assim um conjunto de iniciativas que decorreram de janeiro a setembro de 2017 e que contaram com a colaboração de várias entidades locais e nacionais (como foi o caso da Confraria Queirosiana) e com um grupo de cidadãos eborenses. Revelaram também importantes acontecimentos ocorridos no período regenerador na cidade e no país.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 107 – quarta-feira, 25 de outubro de 2017; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

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