Um abraço solidário para Piotr Riabov
Professor Piotr Riabov, fotografia A.N.A., 14 de outubro de 2017 |
Em 1898, num curioso texto intitulado A
Rainha, no caso D. Amélia de Orleães e Bragança, publicado na Revista Moderna, Eça de Queirós
definiu-se politicamente como um «vago anarquista entristecido, idealizador,
humilde, inofensivo…Anarquismo, mesmo vago…». Estava a menos de dois anos da
sua imprevisível morte, e por isso ainda lutava contra «a presença angustiosa
das misérias humanas, tanto velho sem lar, tanta criancinha sem pão, e a
incapacidade ou indiferença de monarquias e repúblicas, para realizar a única obra
urgente do mundo – “a casa para todos, o pão para todos”». Desde muito novo que
partilhava, mesmo sem os definir ou sem sequer assim os denominar, alguns
princípios do ideal anarquista. Em setembro de 1871, aos vinte e cinco anos de
idade, escrevia em As Farpas que a
política da época era «a posição dos nulos, a ocupação dos vadios, a ciência
dos ignorantes, o préstimo dos inúteis, a grandeza dos medíocres, a renda dos
que não têm renda». Mas foi sobretudo durante a sua estadia como cônsul em
Paris que teve oportunidade de questionar e consolidar as suas convicções, como
muito bem demonstrou Sérgio Duarte num notável ensaio intitulado «Eça de
Queirós e o Anarquismo», apresentado no Solar Condes de Resende num colóquio
intitulado “Eça de Queirós era monárquico, republicano ou anarquista?”,
organizado pela Confraria Queirosiana em 2004, depois publicado no jornal A Batalha de setembro-outubro desse
mesmo ano, onde concluiu que «Eça foi até ao fim da vida adepto de um
socialismo federalista de cariz proudhoniano. Nunca foi um ativista político,
devido às funções oficiais que desempenhava e, muito provavelmente, também por falta
de vocação militante, mas nunca deixou de defender as suas ideias, mesmo quando
isso lhe poderia ter trazido alguns dissabores».
Segundo Proudhon «a liberdade, sem o
socialismo, constitui um privilégio; o socialismo, sem a liberdade, é o caminho
da autocracia e da escravidão». Por sua vez Stirner adopta como ideal «a
liberdade absoluta do espírito humano… [com a qual] …o interesse pessoal do
indivíduo é a sua única lei, tendo cada um direito ao seu desenvolvimento
integral, tanto quanto lho permita o próprio poder» (GETTELL, História das Ideias Políticas, Lisboa:
Editorial Inquérito, 1936, p. 552/553). São algumas destas questões que Eça
equaciona através da personagem de Fradique Mendes, caracterizado por «esta
independência, esta livre elasticidade de espírito e intensa sinceridade», mas
tendo em conta que, tanto ele quanto Fradique, não eram homens de ciência, nem
filósofos, não podendo por isso «concorrer para o melhoramento dos [s]meus
semelhantes – nem acrescendo-lhes o bem estar por meio da ciência… nem
elevando-lhes o bem sentir por meio da metafísica» (…) «Só me resta ser,
através das ideias e dos factos, um homem que passa, infinitamente curioso e
atento» (Eça de Queirós, A
Correspondência de Fradique Mendes). Daí aquela certeza de ser apenas «um
vago anarquista entristecido…», um daqueles que as tiranias facilmente toleram
por serem quase inofensivos. Mas já não será assim quando se trata de homens de
pensamento quando estes são professores ativos, que além de darem aulas,
escrevem livros em que as perguntas, muito mais do que as respostas, são
legítimas e incómodas, e fazem intervenções públicas levando os outros cidadãos
a interrogarem-se e a procurarem respostas que não mintam à sua condição humana
nem à sua inteligência. Eça também experimentou a prepotência oficial contra as
suas interrogações apresentadas nas sessões das Conferências do Casino,
mandadas encerrar pelo governo de então. Mas não foi preso nem perseguido,
embora tivesse sido prejudicado na sua carreira consular. Mais tarde, dessa
censura sobre as suas convicções nascerá a metáfora de O Mandarim.
Não é
assim nos dias de hoje na Federação Russa putiniana: Piotr Riabov, mestre em
Filosofia, considerado um dos principais historiadores do Anarquismo e do
Existencialismo na Rússia, docente do departamento de Filosofia da Universidade
de Pedagogia de Moscovo, foi preso no passado dia 9 de outubro na Bielorrússia
quando proferia uma palestra sobre aquele tema. A polícia invadiu as
instalações onde decorria a palestra e prendeu-o, bem assim como outras vinte
pessoas que o escutavam, tendo ainda apreendido os livros e outros impressos de
apoio. Levados para a esquadra, foram libertados depois de interrogados. Mas no
dia seguinte, quando estava na estação ferroviária prestes a embarcar para Moscovo,
aquele professor foi novamente detido, sendo depois julgado e condenado a seis
dias de prisão, acusado de vandalismo e de divulgação de ideias extremistas. Em
protesto contra esta prepotência inadmissível nos dias de hoje, entrou em greve
de fome, gerando um movimento de solidariedade e apoio internacionais em volta
da sua ação pela liberdade de pensamento.
Sendo
pois hoje o governo de Putin em Moscovo muito mais repressivo e tacanho do que em
1871 o do senhor Conde de Ávila em Lisboa, o tal que proibiu as Conferências,
resta-me enviar daqui, a título pessoal, um abraço fraterno de solidariedade ao
colega Piotr Riabov, acompanhado do meu mais veemente protesto contra a sua
arbitrária prisão e perseguição contrário ao Direito internacional e às convenções
assinadas por Portugal a favor da liberdade de pensamento e de expressão. Creio
bem que Eça de Queirós igualmente subscreverá esta posição.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
da Confraria
Livros
Embora já publicado e editado por
Manuel Almeida dos Santos em 2014, chegou-nos agora à mão o livro ONGs – Passado e Presente. Uma experiência
pessoal, com impressivos relatos das vivências do autor sobre o trabalho de
algumas organizações não governamentais às quais tem dedicado uma boa parte da
sua vida. Em prol do seu semelhante. Começando por definir o seu âmbito e
utilidade numa perspetiva ética da cidadania, aborda questões que vão da
escravatura à tortura, do terrorismo de Estado às dádivas de sangue, das
prisões aos castigos corporais sobre as crianças, tudo «contributos para uma
nova ordem política, económica e social». Por fim o autor expõe-se indicando a
sua relação pessoal com algumas ONGs.
Acaba de ser publicada uma nova
monografia de Francisco Barbosa da Costa intitulada São Martinho de Mozelos – Notas Monográficas, edição da respetiva
Junta de Freguesia com o apoio de várias empresas sediadas nesta freguesia
santamariana. Após a publicação desde 1980, de idênticas edições referentes a
muitas das freguesias de Vila Nova de Gaia, tendo começado pela terra da sua
naturalidade, a freguesia de Canelas, já com posterior reedição, e depois de
vários livros sobre o património institucional da região a partir do arquivo do
Governo Civil e do Arquivo Distrital do Porto, este novo livro, para além dos
aspetos geográficos, históricos, institucionais e etnográficos, apresenta ainda
o património construído, institucional e as figuras notáveis da terra, passando
assim a ser uma publicação de referência para os mozelenses atuais e vindouros.
Partículas Comensais, de Jaime Milheiro
No passado dia 18 de outubro, na UNICEPE no Porto,
Arnaldo Trindade apresentou o novo livro de Jaime Milheiro intitulado Partículas Comensais, onde o autor
continua a analisar as misteriosidades
que o ser humano, dispensado que tem sido da luta pela sobrevivência
quotidiana, inventa para se sentir vivo, pois a alternativa seria regressar ao
primevo galho da árvore, solução que só alguns grupelhos pouco numeroso
advogam.
Palestras, cursos, congressos e outros
eventos
O Tempo dos Professores
Nos passados dias 28 a 30 de setembro decorreu no
Porto na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação o Congresso
Internacional “O Tempo dos Professores”, no qual José António Martin Moreno
Afonso apresentou o trabalho «Memórias dos anos de formação de uma professora
portuense nos anos de 1920», baseado na documentação sobre uma discípula de
Teófilo Braga depositada na Confraria Queirosiana.
Igreja de Mafamude
No passado dia 30 de setembro, o historiador de Arte e
residente da direção da Confraria Queirosiana conduziu uma visita guiada da
Associação Cultural Amigos de Gaia à igreja de Mafamude, exemplar da
arquitetura joanina, onde dissertou sobre o seu altar das Almas, o S. Cristóvão
de Afonseca Lapa, o Senhor Morto de Soares dos Reis, mutilado no século XIX e
outras obras de Arte Sacra que ali pertencem.
História da Misericórdia Porto
Nos passados
dias 12 a 14 de outubro decorreu no Porto o IV Congresso de História da
Misericórdia do Porto, subordinado ao tem “Pessoa(s), Arte e Benemerência” no
qual falaram, entre muitos outros conferencistas, Francisco Ribeiro da Silva
sobre «Os Cartorários e o Arquivo Histórico da Misericórdia do Porto. O caso
exemplar de Querubino Henriques Lagoa», António Manuel S. P. Silva sobre «O
Castelo de Gaia, um sítio arqueológico excecional e um valor cultural a
potenciar» e Jorge Fernandes Alves sobre «Política e Misericórdia – Algumas
incidências dos mandatos do Provedor António Luís Gomes na SCMP»
Palestras
No passado dia 20 de outubro, J. A. Gonçalves
Guimarães apresentou na Escola Básica Soares dos Reis em Vila Nova de Gaia uma
proposta para um roteiro sobre a vida e obra de Soares dos Reis centrado na
terra da sua naturalidade e na vizinha cidade do Porto. No próximo dia 26
falará de manhã na Escola Secundária Sophia de Mello Breyner em Arcozelo sobre
“As bibliotecas da minha vida” e á noite, nas habituais palestras das últimas
quintas-feiras do mês do Solar Condes de Resende sobre “O Centro Histórico de
Gaia como zona portuária no período da industrialização” .
Vinhas e Vinhos
Hoje, 25 de outubro, tem início o
“Vinhas e Vinhos: II Congresso Internacional”, organizado pela APHVIN/GEHVID –
Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho, com abertura no Porto na
Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Entre muitos outros
investigadores participarão com comunicação J. A. Gonçalves Guimarães e Licínio
Santos que falarão sobre a “Produção de vinhos de marca em contexto urbano: o
caso dos Nicolau de Almeida em Vila Nova de Gaia”; e Nuno Resende sobre “O
Vinho no discurso intra e interfamiliar em Casas do Douro (séc. XVI-XIX)”.
Arqueólogos Portugueses
Nos dias 22 a 26 de novembro decorrerá
em Lisboa o II Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses com um basto
programa no qual será apresentado o trabalho intitulado “O Projeto Castr’Uíma
(Vila Nova de Gaia, 2010-2015): elementos e reflexões para um balanço
prospetivo” da autoria de António Manuel S. P. Silva, J. A. Gonçalves
Guimarães, Filipe M. S. Pinto, Laura Sousa, Joana Leite, Paulo Lemos, Pedro
Pereira e Maria de Fátima Teixeira. Esta comunicação faz um balanço desta
intervenção realizada entre 2010 e 2015 no Castelo de Crestuma pelo Gabinete de
História, Arqueologia e Património da ASCR-CQ:
Exposições
Pintora Paula Costa Alves |
Salon d’Automne queirosiano
No próximo dia 4 de novembro, pelas 17,30 horas abrirá
ao público no Solar Condes de Resende a edição 2017 desta mostra de Artes
Plásticas dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, com
obras de Abel Barros, Ana Matos, Angelina Rodrigues, António Almada, António
Lacerda, António Pinto, António Rua, Carolina Calheiros Lobo, Cerâmica do
Douro, Emília Maia, Ilda Gomes, Luísa Tavares, Maria Eduarda Vilhena, Rodrigo
Costa, Rosalina Sousa, Susana Moncóvio, Teresa Girão Osório e Valença Cabral, a
qual estará patente até ao final do mês de dezembro.
Roteiro Queirosiano de Évora
No dia 27 de setembro passado foi apresentado no salão
nobre dos Paços do Concelho de Évora, o novo roteiro turístico dedicado à
presença de Eça de Queirós no município em 1867, complementado com uma visita
conduzida pelos investigadores Manuel Alcario e Manuel Branco, a qual teve
início junto à entrada do Jardim Público e terminou no largo Conde de Vila Flor
junto ao Museu e à Biblioteca Pública de Évora. Tiveram como principal
objetivo, além da evocação da sua presença, a divulgação da sua escrita
jornalística e política.
Esta iniciativa inseriu-se num programa municipal mais
vasto de celebração do Dia Mundial do Turismo. O Roteiro Queirosiano representa
uma nova forma de dar a conhecer a cidade aos turistas, que vão poder de forma
gratuita realizar este novo percurso pedestre, remetendo para os principais
eventos e locais onde o escritor viveu, que frequentou e sobre os quais
escreveu há 150 anos.
Com esta apresentação, a Câmara Municipal de Évora
encerrou assim um conjunto de iniciativas que decorreram de janeiro a setembro
de 2017 e que contaram com a colaboração de várias entidades locais e nacionais
(como foi o caso da Confraria Queirosiana) e com um grupo de cidadãos
eborenses. Revelaram também importantes acontecimentos ocorridos no período
regenerador na cidade e no país.
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Eça & Outras, III.ª série,
n.º 107 – quarta-feira, 25 de outubro de 2017; propriedade dos Amigos do Solar
Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.
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