Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro
e do Bicentenário da Independência do Brasil
Centenários com o Brasil em Portugal
Decorrem no presente ano de 1922 o centenário da 1.ª
Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro e o bicentenário da Independência do
Brasil. No primeiro caso a façanha iniciada a bordo do hidroavião Lusitânia, pilotado por Sacadura Cabral,
sentado na parte dianteira da nave, tendo como navegador Gago Coutinho, sentado
no assento imediatamente atrás, que no dia 30 de março, pelas sete horas da
manhã, levantaram voo no Rio Tejo, junto da Torre de Belém, rumo ao Brasil.
Levavam consigo o aperfeiçoado sextante Gago Coutinho e o “corretor de
abatimento” Coutinho-Sacadura; 220 galões de gasolina e 15 de óleo; duas
maletas pessoais que não excediam os cinco quilos; uma mala de ferramenta e
ambulância; os casacos e bonés do uniforme, uma edição de Os Lusíadas de Luís de Camões, impressa em 1670, para oferecer ao
Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, uma carta do presidente
da República Portuguesa, Dr. António José de Almeida, para o presidente da
República do Brasil, Dr. Epitácio da Silva Pessoa; e uma garrafa de Vinho do
Porto Adriano oferecida pela Casa
Ramos Pinto de Vila Nova de Gaia. Entre “papéis de navegação”, cada um deles
levava também o seu “livro dos recados” e respetivo lápis, onde foram
escrevendo mensagens de um para o outro ao longo da viagem. Não havia outra
forma de o fazer para obviar ao barulho do motor, senão bater nas costas do
parceiro da frente e passar a folha escrita, ou o da frente esticar o braço e
passar a folha para trás, evitando ambos largá-las ao vento.
Após passarem pelas Canárias, e Cabo Verde, fazendo
2.906 quilómetros, amararam com incrível precisão junto dos minúsculos penedos
de S. Pedro e S. Paulo no meio do mar, de onde foram resgatados pelo navio
português República. Depois de
mudarem para o hidroavião Portugal, e
ainda depois para o Santa Cruz,
chegam a 17 de junho ao Rio de Janeiro ao fim de 8.311 quilómetros e várias
atribulações, sendo recebidos em apoteose pelos brasileiros e pela comunidade
portuguesa aí residente. O Conde de Sabugosa, escritor queirosiano, escreveu
então que estes heróis do ar «…atravessaram a maior saraivada de adjetivos, de
advérbios, de hipérboles, de metáforas, de ditirambos, de beijos, de abraços,
de condecorações, de títulos, de aclamações, de sorrisos, de coroas sem que o
ridículo os atingisse, e sem que perdessem a elegante simplicidade própria de
quem é realmente superior». Um feito que levou o abraço de Portugal ao Brasil
de Bartolomeu de Gusmão e Santos Dumond e que espantou então o mundo. Por isso
vale a pena comemorá-lo.
Quanto ao duplo centenário da Independência do Brasil
recordemos aqui os principais passos que a tal levaram: contrariando os
intentos de Napoleão, a 27 de janeiro de 1808 a família real e a Corte
portuguesa chegam ao Brasil, desembarcando pouco depois no Rio de Janeiro que
passa a ser a capital do Império português. A 16 de dezembro de 1815 deixa de
ser colónia, passando a fazer parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarves, do qual no ano seguinte D. João VI será rei. Mas pouco depois, em
abril do 1817, Pernambuco acolhe a primeira revolta republicana em território
português, que será esmagada. A 24 de Agosto de 1820 ocorre no Porto a
Revolução Constitucional, que rapidamente foi seguida por diversas capitanias brasileiras
que elegem deputados às Cortes que haveriam de reunir em Lisboa no ano
seguinte, tendo, entretanto D. João VI regressado a Lisboa. Tal como acontecera
com as Cortes de Cádis de 1812, que menosprezaram os interesses representados
pelos deputados das colónias espanholas da América do Sul, também os
constitucionalistas portugueses vão destratar os deputados brasileiros e as
vontades locais que representavam. Do outro lado do Atlântico, D. Pedro,
príncipe herdeiro, é chamado a Portugal, mas, a pedido dos brasileiros, resolve
ficar e a 7 de setembro de 1822 declara a independência, sendo a 12 de outubro
proclamado Imperador do Brasil. Após demoradas negociações entre portugueses e
brasileiros, com a mediação da Inglaterra, para acautelar os interesses dos
portugueses ali residentes, e os interesses daquela potência nas terras e nos
mares do Atlântico. Portugal reconhece a independência do Brasil a 29 de agosto
de 1825. D. João VI morrerá envenenado por alguém da sua esfera a 10 de março
do ano seguinte. Após este breve período de cissiparidade dos dois países, a
História de ambos irá continuar interligada até aos dias de hoje.
Sobre o Brasil sempre os portugueses tiveram opinião
como assunto de família que é, pois não haverá cidadão do lado de cá que não
tenha tido um antepassado ou contemporâneo que para lá emigrasse. O contrário
também será verdade para muitos brasileiros. E até nos permitimos opinar sobre
os acertos dos seus destinos, como o fez Eça de Queirós em vários escritos e
ocasiões: «nos começos do século [XIX], há uns [cento e] cinquenta e cinco, [cento]
e sessenta anos, os brasileiros, livres dos seus dois males de mocidade, o ouro
e o regime colonial, tiveram um momento único, e de maravilhosa promessa. Povo
curado, livre, forte, de novo em pleno viço, com tudo por criar no seu solo
esplêndido, os brasileiros podiam, nesse dia radiante, fundar a civilização
excecional que lhes apetecesse, com o pleno desafogo com que um artista pode
moldar o barro inerte que tem sobre a tripeça de trabalho, e fazer dele, à
vontade, uma vasilha ou um Deus. Não desejo ser irrespeitoso, caro Prado; mas
tenho a impressão que o Brasil se decidiu pela vasilha» (Eça de Queirós, Cartas e Outros Escritos (Carta de
Fradique a Eduardo Prado). Respeitemos a sua opção pelas coisas mais humanas em
detrimento das sobrenaturais, que sempre lá estarão, pois a sua felicidade,
como se fora a de um parente que só estivesse temporariamente longe, é aquela
que a todos nos importa. E sabemos que os ventos nem sempre correm de feição.
Mas numa coisa acreditamos: a Independência do Brasil merecerá aos portugueses
um brinde ao futuro dos dois países.
J. A. Gonçalves Guimarães
secretário da direção
Cursos
Prossegue o curso sobre História - Património – Turismo, organizado pela Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ) e pelo Solar Condes de Resende, com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente (M.E.), presencial e por videoconferência. Depois de no sábado dia 8 de janeiro ter decorrido a 7.ª sessão intitulada «Ao Sabor de Portugal – Rotas de Turismo Gastronómico» pela Dr.ª Olga Cavaleiro, no dia 22 será a 8.ª sessão pelo Dr. Luís Pedro Martins, presidente da Associação de Turismo do Porto e Norte sobre «O Turismo na pós-pandemia». Prosseguirá a 12 de fevereiro com o tema «Turismo Musical» pela Prof.ª Doutora Elisa Lessa, e no dia 26 sobre «Turismo Militar» pelo Prof. Doutor Sérgio Veludo Coelho.
Depois do sucesso do ano transato, de novo no próximo mês de julho, entre 17 e 22, organizado pela Universidade do Porto através do CITCEM/FLUP e com a colaboração de universidades estrangeiras e diversas entidades portuguesas, vai realizar-se em Vila Nova de Foz Côa o International Heritage Summer School Douro’22. Terá como conferencistas, entre muitos outros, Nuno Resende, professor da FLUP e membro da comissão organizadora deste curso universitário de verão, que falará sobre «On the threshold of imagination»; J. A. Gonçalves Guimarães, ex-professor da Universidade Portucalense Infante D. Henrique e atual coordenador do Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-CQ), que falará sobre «Quinta da Ervamoira, Vale do Côa: das escavações arqueológicas ao Museu de Sítio»; e João Duarte, investigador do CITCEM/FLUP; IACOBUS-USC que falará sobre «Architecture and landscape in the Alto Douro Wine Region».
Livros e Revistas
Finalmente o correio trouxe até nós a edição em papel do n.º 25 da Revista da Academia Alagoana de Letras, a qual, ao abrigo do acordo de cooperação entre os Amigos do Solar Condes de Resende-Confraria Queirosiana (ASCR-CQ) e aquela instituição sediada em Maceió, Alagoas, cujo edifício sede está presentemente a ser alvo de obras de beneficiação que lhe estão a devolver a singularidade da sua arquitetura, apresenta, para além da colaboração de três confrades queirosianos portugueses, a que já nos referimos no número anterior deste blogue, nas suas 102 páginas, para além daqueles textos os de mais cinco ensaístas, e mais outros vinte e três autores de artigos, crónicas, contos e poesia, sobre diversos temas de sempre e da atualidade. Número dedicado ao centenário do médico, contista e jornalista Breno Accioly (1921-1966), aqui estudado no ensaio «Medo do Medo» escrito pela professora e académica da AAL, Edilma Acioli Bonfim, apresenta na capa a pintura Minutos antes da ceia da autoria de Juarez Orestes Gomes de Barros.
«A edição crítica d’A Relíquia que
agora se publica integra-se numa série editorial que chega agora ao seu
vigésimo volume. A presente publicação é, então, o resultado parcial de um
projeto de investigação designado como Edição Crítica das Obras de Eça de
Queirós, projeto desenvolvido desde há quase três décadas, com a colaboração de
alguns dos mais destacados estudiosos em matéria queirosiana; trata-se, como é
sabido, de rever e de fixar o cânone textual queirosiano, objeto de percalços
vários, desde o tempo de Eça e por razões que os títulos já publicados têm
procurado esclarecer. Para além disso, a Edição Crítica das Obras de Eça de
Queirós propõe-se fazer a história de cada texto, entendida como contributo
decisivo para incutir segurança e fundamento àquela revisão.
O romance A Relíquia,
publicado pela primeira vez em 1887, ocupa um lugar singular na produção
literária queirosiana. Estamos perante uma obra que se se situa na linha da
literatura e do pensamento anticlericais, muito férteis no século XIX, e que
diretamente se relaciona com as resistências e com as contradições que a
laicização da vida pública portuguesa enfrentou, desde o advento do
Liberalismo. Por isso, a história do texto, no caso d’A Relíquia, não pode deixar de contemplar esta
que é uma questão com larga tradição na cultura portuguesa.
O relato em que Eça quis pôr “o manto diáfano da
Fantasia” sobre “a nudez forte da Verdade” tem uma outra história, esta de
caráter pessoal. Liga-se ela à experiência do escritor como viajante e à
digressão que, ainda jovem, fez por terras do Egito e da Palestina. Muito do
que ficou dessa jornada está projetado no texto d’A Relíquia e
ainda em abundantes e quase sempre saborosas notas de viagem, muitas delas
deixadas inéditas. Na época, estava ainda bem viva uma sensibilidade romântica
que não resistia ao forte apelo das origens do Cristianismo, nos lugares
exóticos que foram o seu berço. Eça não desprezou esse apelo.»
(“Nota Prefacial”; Eça de Queirós, A Relíquia. Edição de Carlos Reis e Maria Eduarda Borges dos Santos. Lisboa: Imprensa Nacional, 2021, pp. 11-12) publicada em «Eça de Queirós. Investigação, ensino, e debate sobre temas queirosianos» queirosiana.wordpress.com, 13 de janeiro de 2022.
Acaba de ser publicada pela Scortecci Editora a mais recente obra de Carlos Méro intitulada Contos Covidianos, «coletânea… [de] narrativas sem nenhum compromisso com o que quer que seja» onde o autor assume «que a melhor maneira de mentir é dizer a verdade que convém», ou seja «contar, com aparência de alguma idoneidade, o que no fim não passa de ostensivo fingimento». Postas estas e outras advertências, seguem-se os contos com títulos como «A Praga», «Trancelim», «Um herói sem juízo», «Queda Livre», «O Retrato Improvável», «A Degola», «A Implicância de Oxóssi», «Abelardo e Adalgisa», «Os Dois Melros», «A Lapinha» e «A Escolha de Jacó» que decorrem no contexto de medo e alguma paranoia que a pandemia veio trazer numa época em que o statos quo já não acreditava que estas coisas pudessem acontecer. Carlos Méro é advogado, natural de Penedo, Alagoas, Brasil e vive em Maceió. Autor de uma vasta e diversificada obra publicada por diversas editoras é académico da Academia Alagoana de Letras, da similar Penedensee, e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de alagoas.
Conferências e
palestras
No
próximo dia 27 de janeiro os Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria
Queirosiana vão retomar as palestras das últimas quintas-feiras do mês. O tema
será «Os centenários com o Brasil em Portugal», por J. A. Gonçalves Guimarães.
Será tentada uma nova modalidade: para além das palestras passarem a ser
presenciais e via Zoom, com disponibilização gratuita do respetivo link, o
horário será entre as 18,30 e as 19,30 horas. Seguir-se-á, para os presentes
que o desejarem, um jantar por marcação num restaurante próximo para assim
poder ser continuada a conversa sobre o tema em foco.
Nesse mesmo dia, pelas 21 horas, o
Prof. Doutor Carlos Brito, professor de Marketing na Faculdade de Economia da
Universidade do Porto e na Porto Business School falará online sobre «O que é Marketing num mundo Digital» Para participar
basta aceder a https://www.linkedin.com/.../um:li:ugcPost.../
No dia 9 de fevereiro, o Prof. Doutor
Luís Manuel de Araújo, académico correspondente da Academia Portuguesa da
História, e vice-presidente da ASCR-CQ ainda recentemente regressado de mais
uma viagem de estudo ao Egito, apresentará nesta instituição em Lisboa o tema
«Os primórdios da Egiptologia em Portugal».
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Eça
& Outras, III.ª série, n.º 161, terça-feira, 25 de janeiro de 2022;
propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende -
Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral.
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