Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro
e do Bicentenário da Independência do Brasil
Vinho do Porto: entre mitos e História
Começaria hoje por uma declaração de interesses: além
de ter progenitores de Lamego e do Porto, nasci em Vila Nova de Gaia, bem perto
das empresas exportadoras de Vinho do Porto e não me lembro de quando
escorropichei os primeiros cálices. Isto para dizer que praticamente nasci com
o dito vinho como parceiro em casa e na paisagem urbana onde me cresci e me fui
conhecendo. Pese embora essa familiaridade ele foi sempre um produto de
exceção, bebido sobretudo no Natal, talvez porque fosse inverno e esse vinho
aquecia o corpo e o ânimo, mas também porque ele era indispensável nesse
cenário de gostos, aromas e afetos da nossa infância. E sempre conheci gente
que tinha quintas no Douro ou que trabalhava nos armazéns de Vila Nova, desde
operários a administradores, portugueses ou “ingleses”. Depois fui-me à
História para perceber a longa vida da atividade vinhateira e de como ela
moldara o Douro, Gaia e o Porto, e mesmo a barra do Douro e o jovem porto de
Leixões. E fui-me à Arqueologia a procurar os antigos cultivadores e
degustadores da bebida inigualável apercebendo-me de ancestralidades, ciclos,
modas, grandezas e misérias e de que o vinho só muito recentemente atingira uma
preponderância assombrosa na paisagem, na economia e na simbólica local e
regional que fez esquecer por aqui os seus outros companheiros de exportação: o
azeite, as frutas secas e frescas; a cortiça, o sumagre, os presuntos. Ainda me
lembro do Pomar das Carvalhas, da Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal
e dos seus múltiplos produtos durienses, onde os figos, as peras e as ameixas
secas eram sublimes companhias de um Porto Velho. Desde muito novo que lia
aqueles rótulos que avisavam que «o Vinho do Porto é um produto natural sujeito
a criar depósito com a idade. Recomenda-se que seja servido com o cuidado indispensável
para não turvar». Pesem embora os excecionais vintages ou outros lotes engarrafados, o Porto para mim será sempre um blend
saído da maestria de um antigo provador ou atual enólogo, e tenho alguns “10”
ou “20 anos” que ainda consigo encontrar e partilhar com os amigos. Sendo
conhecedor deste mundo duriense, da fronteira até à foz, fizeram-me cavaleiro
da Confraria do Vinho do Porto e confrade de outras agremiações enófilas.
Mas também fui assistindo a um estranho
fenómeno contrário à marcha natural dos acontecimentos, que foi a mais recente
e desenfreada divulgação de mitos sobre o Vinho do Porto, aldrabeiros e
escusados. E digo contrário ao que seria de esperar, pois não tem hoje
comparação o nosso conhecimento sobre a sua produção e comercialização,
elaborado por historiadores profissionais, se comparado com os textos de
memorialistas que predominavam antes da década de oitenta do século passado,
mas que ainda hoje fazem carreira. É mesmo um ramo de atividade onde o mito
sobreleva de longe a História e, para tal constatar, basta ler os delirantes
textos de algumas das casas produtoras, muitas delas só recentemente chegadas
ao setor, vindas de outras realidades económicas e até geográficas, contratando
para a sua promoção alguns mitómanos que inventam despudoradas mentiras, ou
pelo menos, incompreendidas descrições. Dir-me-ão que o assunto é velho, que
talvez até sempre tenha sido assim, mas hoje é muito mais chocante. Mas afinal
que mistificações são essas: a primeira é a tentativa de dizer que aquilo que
conhecemos e gostamos como Vinho do Porto, um vinho fortificado para embarque
marítimo, já existia em tempos antigos, o que não é verdade pois o seu
envelhecimento forçado e consequente apuro de qualidades, deveu-se muito ao
desastre económico europeu criado pelas Guerras Napoleónicas, Os clássicos Porto aparecem no mercado londrino a
partir de 1815 e hoje estão a desaparecer porque as condições de produção e de
loteamento também se alteraram ou já são raros desde os anos sessenta do século
passado. Outra mistificação é o hábito de chamarem “negociantes de Vinho do
Porto” aos homens (e mulheres!) de comércio que transacionavam todo o tipo de
mercadorias produzidas no Douro, cujas mais importantes acima mencionamos, e também
de muitos outros produtos vindos dos países do Norte da Europa, da América ou
do Brasil. Esta designação é recente e tem a ver com a especialização comercial
que só começa a verificar-se na segunda metade do século XIX, aumentando
certamente a partir da criação do Entreposto de Gaia em 1926. Mesmo a
denominação de Vinho do Porto demorou
tempo a generalizar-se e se lhes disserem que também foi inventada pela
Companhia pombalina desenganem-se pois nesse tempo seria designado por vinho de
feitoria, de “embarque” e “separado”, além do “de ramo”, isto é, o vinho mais
comum. E quando lhes cantarem loas à geomorfologia e geografia dos armazéns de
Gaia, saibam que isso no tempo do Marquês era “chinês” e que a localização dos
armazéns e respetivas firmas terá mais a ver com a proximidade do embarque ou
desembarque no rio, no século XIX, com a chegada do comboio e no século XX, com
o transporte rodoviário, os três fatores que justificaram a “dança” das
empresas ao longo dos dois últimos séculos no centro histórico vilanovense.
Outra mitologia é a do papel dos ingleses neste negócio, o qual se deve
primordialmente ao facto de o Império Britânico ter dois dos maiores clientes
mundiais de vinho: as Armadas de Guerra e a Mercante, ambas carecendo de
grandes abastecimentos do produto. Mas se é certo que entre os exportadores
predominavam alguns ingleses protestantes, pois os católicos, bem assim como os
negociantes holandeses, hannoverianos ou franceses, tinham de contentar-se com
o comércio de outros produtos que não o do vinho em larga escala. Enfim, se é
certo que todos os produtos excecionais normalmente geram mitologias, quase
diríamos que em relação ao Vinho do Porto a sua História é mais fantástica do
que as propaladas fantasias que por aí circulam. Só que é preciso lê-la em
obras credíveis e ter em conta que cada época cria os seus “Porto”.
Como diria uma personagem criada por Eça de Queirós em A Cidade e as Serras: «Este Porto de 1834, aqui em casa de Jacinto, deve ser autêntico…Hem? Assegurei ao Mestre dos Ritmos que o “Porto” envelhecera nas adegas clássicas do avô Galião». Preservemos pois a prática dessas velhas adegas, tanto quanto possível, e deixemo-nos de mitos desnecessários.
J. A. Gonçalves Guimarães
Historiador; secretário da direção
Capítulo
Extraordinário
650 anos de aliança
Decorrem também no presente ano as comemorações dos 650 anos da Aliança Luso-Britânica, a mais antiga aliança diplomática do mundo ainda em vigor, a qual teve início com a assinatura do Tratado de Tagilde, a 10 de Julho de 1372, concretizada no ano seguinte, com a assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Aliança, selado na catedral de São Paulo, em Londres, a 16 de junho de 1373. Foi depois renovada através do Tratado de Windsor de 1386 e por outros atos sucessivos ao longo dos séculos, tendo no final do século XIX sido fundamental para a sua permanência a ação diplomática do “Vencido da Vida”, embaixador Marquês de Soveral, amigo e superior hierárquico de Eça de Queirós, que tinha sido cônsul de Portugal em Inglaterra entre 1874 e 1888. As presentes comemorações tiveram já início sob o Alto Patrocínio do Presidente da República Portuguesa com a presença de autoridades de ambos os países. Para além da celebração das datas mais importantes, 10 de julho de 2022 e 16 de junho de 2023, o programa Portugal-UK 650 engloba ainda outras atividades, tais como investigação, educação e cultura.
Curso de Turismo
Aos sábados à tarde no Solar Condes de Resende, presencial e por videoconferência, prossegue o curso sobre História - Património – Turismo, organizado pela Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ), com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente (M.E.). No dia 12 de fevereiro decorreu a 9.ª sessão sobre o tema «4 Roteiros Turistico-Musicais em Vila Nova de Gaia» pela Prof.ª Doutora Elisa Lessa, professora agregada da Universidade do Minho; no dia 26, o Prof. Doutor Sérgio Veludo Coelho, do Instituto Politécnico do Porto, falará sobre «Turismo Militar». Já no mês de Março, na 11.ª sessão, dia 12, o Professor Doutor Carlos Costa, da Universidade de Aveiro, falará sobre «Turismo como fator económico, social e cultural» e no dia 19, na 12:ª sessão a Prof. Mestre Maria de Fátima Teixeira falará sobre «Hotéis queirosianos».
Livros e Revistas
Morte no Estádio
Colóquio/Letras
O n.º 208 desta revista publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, nas suas cerca de 300 páginas é, em grande parte, dedicado à obra de Mário Cláudio, um dos mais conhecidos romancistas portugueses. Com variadíssima colaboração, onde serão difíceis de destacar os ensaios sobre o universo Claudiano, anotemos por exemplo, «A infância é esta casa: algumas notas a propósito de “Astronomia” de Mário Cláudio», por Maria João Reynaud; «Mário Cláudio e o fascínio da biblioteca intertextual: re-visões de Eça de Queirós e de Portugal», por José Cândido de Oliveira Martins; «Histórias da literatura portuguesa [crítica a “As Literaturas em Língua Portuguesa (Das Origens aos Nossos Dias)”, de José Carlos Seabra Pereira]», por Miguel Real; e «Embora Eu Seja Um Velho Errante, de Mário Cláudio», por José Vieira.
Mestrado sobe Eça
Embora já de 2013, temos presente a dissertação para a obtenção do título de mestre em Letras intitulada Eça de Queirós e o Extremo Oriente, «apresentada ao Programa de Pós Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo», orientada pela Prof.ª Doutora Aparecida de Fátima Bueno e da autoria de José Carvalho Vanzelli. Através das obras do escritor, mas também de outros textos, crónicas e do famoso relatório consular A Emigração como Força Civilizadora, compulsando teóricos do Orientalismo da sua época e do nosso tempo, o autor faz uma exaustiva análise das representações do Extremo Oriente na obra de Eça.
Conferências e palestras
Ontem,
dia 24 de fevereiro os Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana
promoveram mais uma das palestras das últimas quintas-feiras do mês a partir do
Solar Condes de Resende, entre as 18,30 e as 19,30 horas. Desta vez o tema foi «O
Vinho do Porto: entre mitos e História», por J. A. Gonçalves Guimarães. Para
além da transmissão via Zoom, com disponibilização gratuita do respetivo link, estiveram
presentes diversos associados e confrades que depois seguiram para um jantar
tertúlia num restaurante próximo.
Tem início hoje, dia 25 de fevereiro, a partir das 21 horas o 32.º Fórum Avintense promovido pela Junta de Freguesia de Avintes, este ano dedicado à evocação do cantautor Adriano Correia de Oliveira, o qual terá início com uma homenagem ao memorialista Joaquim Costa Gomes, recentemente falecido, por José Vaz, seguida de outras comunicações. No dia 26, sábado, os trabalhos prosseguem com apresentação de diversas comunicações, entre as quais, «A natureza e o ambiente na poesia e a trova», por Nuno Oliveira; «Memória de Adriano Correia de Oliveira junto dos amigos mais chegados» por Abel Barros; «A singularidade da Pedra da Audiência de Avintes», por José Vaz; «A canção coimbrã em Vila Nova de Gaia: a propósito de Adriano Correia de Oliveira» por J. A. Gonçalves Guimarães. No próximo dia 10 de abril, pelas 21 horas, Adriano terá um Espetáculo de Homenagem na Casa da Música no Porto.
Exposições
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Eça
& Outras, III.ª série, n.º 162, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022;
propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende -
Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração:
Ricardo Charters d’ Azevedo.
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