Festas de Natal da minha escola primária
Sou um
daqueles que guardam com apreço e inalterável afeição as recordações da sua
escola primária. Situada ao fundo da rua onde vivia, voltada para a grande
avenida, ficava a cinco minutos a pé de casa. Sendo eu oriundo de uma família
tradicionalmente católica, a escola era evangélica, mas uma das suas virtudes
que rapidamente assimilei foi a do horror a qualquer discriminação.
Entendiam ali que cada um, no seu foro íntimo, privado ou familiar, era o que
lhe ensinaram a ser, pelo menos até à emancipação, mas publicamente todos deveríamos
ser iguais e solidários. Essa era a grande mensagem do seu fundador, o
industrial têxtil de origem inglesa Diogo Cassels, que por vontade própria se
fez benemérito e pedagogo e depois clérigo da Igreja Lusitana. Outra lição que
deixou foi a de que a riqueza, sempre fruto do trabalho, devia ser reinvestida
para se multiplicar e ser partilhada com os que pouco ou nada tinham. E ajudar
a prepará-los para a vida, como bons cidadãos e trabalhadores capazes de
proverem ao seu sustento e ao dos seus. Quando morreu em 1923 foi este o
carisma que deixou na escola que fundou e que eu frequentei. Para além desta
aura, pouco mais ali havia diferente das outras escolas: as professoras também
eram idosas e o programa era o b-a-bá oficial. Os rios e os afluentes. As
estações do caminho-de-ferro. As províncias ultramarinas. O instrutor de
ginástica fardado de legionário e as catequistas católicas que as autoridades
concelhias impunham, o primeiro a todos os alunos, as segundas, em reprise da catequese da paróquia
católica de Mafamude, apenas aos alunos desta confissão dominante, que assim
tinham duas doses semanais de catecismo romano, não fossem eles ficarem
contaminados pelo luteranismo. A ideia que me ficou é que as autoridades civis,
nomeadamente as ligadas ao ensino, respeitavam a Escola do Torne, talvez pelos
seus princípios republicanos e beneméritos do Senhor Dioguinho, que era tido como
santo, não só pelos que ainda o tinham conhecido, mas também pelos bons
resultados que os alunos da sua escola continuaram a obter nos exames oficiais.
Mas pelas autoridades religiosas católicas locais nem por isso: os alunos do
Seminário de Trancoso, quando em grupos de dois iam passear as suas negras
sotainas até ao Porto, eram instruídos para que, quando passassem em frente da
Escola do Torne, deveriam virar a cara para o lado oposto em sinal de repúdio.
Mas isso era lá com eles. Nós gostávamos da nossa escola, mesmo com uma ou
outra reguada por lição mal estudada. Mas, pensando melhor, afinal havia ali
algumas diferenças no ensino: a D. Francelina, professora da segunda e da
quarta classes, mais nova do que as outras, falava-nos do Rei Ramiro e do
Castelo de Gaia e certas manhãs, quando a grande porta se abria e por ela
víamos entrar o Joaquim Pina Cabral, que já trabalhava naquela coisa recente
que era a Rádio Televisão Portuguesa, era recebido com uma estrondosa salva de
palmas, porque a seguir, montada a máquina de projetar, lá vinham os filmes de
Charlie Chaplin, do Bucha e Estica e outros. Um regalo para nós.
Outra
realização muito esperada no calendário escolar era Festa do Dia de Natal. Na
manhã do normalmente gélido dia 25 de dezembro a sala grande da escola
apresentava-se diferente, com cadeiras destinadas ao bispo Senhor Fiandor, ao
Senhor Soeiro do relatório da Associação dos Antigos Alunos, às autoridades da
Câmara Municipal e da Delegação Escolar, aos pais e outros convidados, às
professoras e aos alunos. Depois de uns discursos muito aplaudidos, lá vinham
alguns alunos declamar versos, depois a moralizadora peça de teatro histórico,
para a qual os diversos papéis eram distribuídos conforme as posses dos pais
para alugarem o traje no Jaime Valverde. Por isso uns iam de reis, outros de
mendigos. E o Madureira foi de Rainha Santa, que a escola não tinha meninas. Um
ano houve cantoria, ensaiada por um senhor velhinho que usava chapéu, tocava
harmónio e morava perto, que depois descobri que se chamava Armando Leça e era
maestro e compositor. Canções de Natal. Mas o melhor de tudo eram os envelopes
com os prémios em dinheiro, dados em nome de pessoas com nomes estrangeiros,
como o de Horace Arnesby da Casa Sandeman que me calhou. O nosso tempo era
então lento e esperançoso e por isso ficamos para sempre colegas de escola, na
mesma ou adversária equipa de jogo de futebol de rua, antes que a rebeldia
juvenil nos juntasse um dia mais tarde nos Jovens do Torne para tentarmos dar a
volta ao mundo e à vida, enquanto recitamos Neruda, Brecht, Daniel Filipe,
Mayakovski, e eu descobria Rendes de Carvalho, supondo então que deveria ser um
jovem escritor cabeludo disfarçado de adequado “caixa d´óculos” pelo editor,
enquanto cantávamos Zeca Afonso, Adriano e outros cantautores
e Abril não chegava, apanhando-nos um dia na tropa ou noutras paragens
europeias. De um modo especial a vida sorriu-nos, mas nunca esquecemos os que
«vivem em buracos ignorados, dormem pelos bancos, escondidos nas sombras dos
entulhos… comem de vez em quando; têm todas as dores que dá o frio, todas as
agonias que dá a fome; … desejam o hospital como um refúgio, e um dia…» (Eça de
Queirós, Uma Campanha Alegre). Apesar
de tudo o que este texto, passados cento e cinquenta anos, ainda mantém de tristemente
verdadeiro, dele excluímos que os pobres já não são «acolhidos pelos cocheiros
na palha das cavalariças», por já não haver cavalariças; também não «andam sob
o terror da polícia» porque esta geralmente se humanizou, e já não se vêm que
«embrulhados numa serapilheira, são deitados à vala». Mas para melhorar o enorme
resto de quanto tempo ainda precisaremos?
Deixem-me regressar à escola da minha infância ao fundo da rua onde morava. E recordar a lição de Diogo Cassels, de que o que afinal verdadeiramente importa na vida é aquilo que partilhamos com os outros e que a todos faz falta. E entre outras coisas que a vida nos trouxe, as afetuosas memórias daquelas festas das manhãs de Natal.
J. A. Gonçalves Guimarães
secretário da direção
Capitulo da Confraria Queirosiana 2021
Aspeto do capítulo; fotografia de Fátima Teixeira
Como habitualmente e desde 2003 (com a exceção de 2020, o primeiro ano da pandemia) a associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana comemorou no passado sábado dia 20 de novembro o aniversário de Eça de Queirós, realizando o seu capítulo anual, este ano e pela primeira vez a partir das onze da manhã, quando os associados, confrades, convidados, individualidades, autoridades e outras instituições ali se deslocaram para o efeito, tendo-se dirigido em cortejo até ao salão nobre onde foram recebidos num primeiro momento musical interpretado por Iris Lopes, Joana Couto e Maria João Bernardino, violinos; Sara Barbosa, contrabaixo e Carla Quelhas, piano, todas professoras e alunas da Escola de Música de Perosinho que interpretaram o 1.º rondeau da suíte Adbelazer de Henry Purcell (1659-1695), após o que o presidente da mesa da assembleia geral, Cesar de Oliveira, apresentou e saudou as instituições presentes.
Seguidamente o presidente da direção, José Manuel Tedim, fez uma breve alusão às atividades realizadas no presente ano pela associação e o secretário da direção J. A. Gonçalves Guimarães referiu-se aos associados e confrades que se distinguiram ou foram galardoados no presente ano, quer como cidadãos, quer como profissionais nas áreas sociais e políticas, na obtenção de graus académicos ou empregos, na publicação de livros e produção de obras, ou através de distinções públicas.
Na
ausência de Luís Manuel de Araújo, diretor da Revista de Portugal, forçada por motivos de saúde, o secretário
convidou os presentes a verem a apresentação do n.º 18, nova série, gravada on line, mencionando ali apenas os
autores que colaboraram no presente número.
Seguiu-se um novo momento musical no qual Sara Barbosa
em contrabaixo e Carla Quelhas ao piano, interpretaram o allegro da Sonata n.º 6 de Benedetto Marcello (1686-1739), procedendo-se depois à insigniação
dos novos confrades: Dr.ª Ana Maria Alves Casas, administradora e acionista de
sociedade comercial no grau de leitora; Dr. José Manuel Pedrosa Moreira,
professor do Ensino Secundário e o Doutor Adrião Pereira da Cunha, historiador
e produtor de vinho Verde, ambos no grau de louvados; e a Prof.ª Dr.ª Olga
Cavaleiro, professora de Gastronomia e presidente da direção da Confraria da
Doçaria Conventual de Tentúgal, como confrade de honra no grau de mecenas, que
agradeceu em nome dos novos confrades e de si própria a distinção que lhe foi
concedida. Encerrou a sessão a vereadora do pelouro da Cultura da Câmara Municipal
de Vila Nova de Gaia, Eng.ª Paula Carvalhal, aludindo à boa parceria entre a
autarquia e a ASCR-CQ, a que se seguiu um terceiro momento musical no qual
Mariana Lebre em violoncelo e Carla Quelhas ao piano interpretaram a Elegie de Gabriel Fauré (1845-1924).
Os confrades dirigiram-se em
seguida ao jardim das Camélias onde
depuseram uma coroa de louros na estátua de Eça de Queirós ali existente, sendo
na ocasião recordadas pelo diretor da instituição as suas passagens por esta
Casa. De novo no seu interior, a vereadora Pula Carvalhal procedeu à abertura
da exposição «Água Fresca: Cerâmica Tradicional Portuguesa do Solar Condes de
Resende», que ficará patente ao público nos próximos meses.
Seguiu-se o almoço de confraternização no pavilhão do Solar, com a atuação do guitarrista José Bordelo e do grupo cantante “Eça Bem Dito”, que entoou canções da Belle Èpoque.
História
– Património - Turismo
Tendo tido início a 16 de outubro, prossegue no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Historia, Património e Turismo, o 29.º desta instituição, desde 2003 realizados em colaboração com a Academia Eça de Queirós da ASCR – CQ. Assim, no próximo dia 27 de novembro, entre as 15 e as 17 horas, presencialmente e por videoconferência, o Prof. Doutor Barros Cardoso falará sobre «Turismo Enófilo» e a 4 de dezembro, o Professor Doutor José Alberto Rio Fernandes apresentará o tema «Turistas na cidade e cidade de turistas». No dia 11, o Prof. Dr. D. Américo de Aguiar dissertará sobre «Turismo religioso».
Nos passados dias 4 e 5 de novembro, no Centro de Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (CLP-FLUC), em colaboração com a Facoltà di Interpretariato e Traduzione da UNINT - Università degli Studi Internazionali di Roma, decorreu um colóquio sobre «Viagens e Diplomacia. Um olhar sobre o Mundo» centrado em Eça de Queirós como diplomata e viajante, de cuja comissão científica fizeram parte, entre outros, Carlos Reis e Ana Teresa Peixinho, da Universidade de Coimbra, que apresentaram, respetivamente, as comunicações «Eça de Queirós ou o escritor como diplomata» e «Newcastle-on-Tyne, o primeiro posto consular europeu». Entre os muitos outros oradores das universidades Estadual de Londrina, Federal do Paraná, Firenza, La Sapienza, Minho, Napoli “I Orientale”, Roma Tre, São Paulo, e Torino, Annabela Rita da Universidade de Lisboa falou sobre «A fenomenologia da preocupação em Eça de Queirós». Numadas sessõs foi também lançada a obra «Eggitto. Appunti di viaggio» de Eça de Queirós, tradução de Federico Giannattacio.
Livros e Revistas
____________________________________________________________________
Eça & Outras, III.ª série,
n.º 159, quinta-feira, 25 de novembro de 2021; propriedade da associação
cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB:
0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral.
Sem comentários:
Enviar um comentário