Também Eça falou do Afeganistão…
E de repente estamos todos a opinar sobre a situação nesse país sobre o qual
pouco mais sabemos do que o estar sempre a ser invadido por estrangeiros, logo permanentemente
em guerra; de ter papoilas brancas de onde se extrai o velho anfião da antiga
farmacopeia, usado desde longa data como anestésico, mas a que a sociedade
ocidental que o invadiu no século XIX deu outros usos, nomeadamente o de ter
com ele tentado destruir a China através do consumo do ópio para aí levado
pelos ingleses; de ter uns belíssimos galgos esguios de pelo comprido; de ser
um país de cavaleiros. E, de uns tempos a esta parte, o ter também soviéticos,
mujahedins, talibans, Bin Laden, americanos, e outros nomes mais a que nos
fomos habituando, quantas vezes sem saber o que realmente significam e o
contexto em que apareceram, persistem ou desaparecem. Mas uma coisa é certa: o
Afeganistão não tem tido só afegãos no seu chão ancestral, e sobre este velho
país asiático corre o epíteto militar de “cemitério de impérios”, mais
concretamente e nos últimos duzentos anos, do inglês, do otomano, do russo e,
ultimamente, do estadunidense e seus aliados, incluindo Portugal. Uma gloriosa
história na defesa do seu território e dos seus costumes, fator muito prezado
pelos países ocidentais em sua casa, mas tido como desprezível quando cultivado
pelos países que invadem com os mais variados pretextos.
A questão não é nova, mesmo entre nós.
Não ficando o Afeganistão nas rotas de curiosidade expansionista dos
portugueses de antanho, nunca tivemos muitos de nós por aquelas paragens. Mas
mesmo assim o tema não deixou de interessar Eça de Queirós quando vivia como
cônsul em Bristol em 1880, como escreveu numa das crónicas enviada para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro,
depois republicada postumamente em Cartas
de Inglaterra, certamente também como resultado do seu espírito cosmopolita
atento a uma sociedade que se ia globalizando. Refletindo sobre o velho
aforismo muito pouco académico de que «A História é uma velhota que se repete
sem cessar», sobre o tema escreveu: «Em 1847 os ingleses, “por uma razão de
Estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do Império, uma
barreira ao domínio russo da Ásia…” e outras coisas vagas que os políticos da Índia
rosnam sombriamente retorcendo os bigodes – invadem o Afeganistão, e aí vão
aniquilando tribos seculares, desmantelando vilas, assolando searas e vinhas:
apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho
emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado
nas bagagens, com escravas e tapetes; e logo que os correspondentes dos jornais
têm telegrafado a vitória, o exército, acampando à beira dos arroios e nos
vergéis de Cabul, desaperta o correame, e fuma o cachimbo da paz… Assim é
exatamente em 1880».
E continuou: «No nosso tempo, precisamente como em 1847, chefes enérgicos, Messias indígenas, vão percorrendo o território, e com os grandes nomes de Pátria e Religião, pregam a guerra santa: as tribos reúnem-se, as famílias feudais correm com os seus troços de cavalaria, príncipes rivais juntam-se no ódio hereditário contra o estrangeiro, o homem vermelho, e em pouco tempo é todo um rebrilhar de fogos de acampamentos nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que são o caminho, a estrada da Índia… e quando por ali aparecer, enfim, o grosso do exército inglês, à volta de Cabul, atravancado de artilharia, escoando-se espessamente, por entre as gargantas das serras, no leito seco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o. Foi assim em 1847, é assim em 1880…» (Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra). E acrescentamos agora todos nós: é assim em 2021! Afinal não se aprendeu nada com «a velhota que se repete sem cessar…».
Mas um pouco por todos os media lemos e ouvimos descansadas opiniões sobre "a solução ideal para o Afeganistão" que nos fazem lembrar aquelas outras proferidas em 1974/1975 (e desde então para cá por alguns que querem fazer-nos acreditar que é possível rejuvenescer a «velhota») sobre o que deveria ter sido a "descolonização ideal das colónias portuguesas". Pois é tudo muito bonito à posteriori, repimpados no sofá, distribuindo ideias que seriam belas se tivessem vindo a tempo e alguém as tivesse querido por em prática. Esquecem os opinadores duas coisas elementares: no primeiro caso, o futuro do Afeganistão compete aos seus habitantes sem interferências de estrangeiros, a não ser quando por eles tolerados para ajudarem em nome da paz entre os povos, e não da encapotada ganhuça internacional; no segundo, que já não havia ânimo, nem tempo, nem plano para tal. O sono foi longo e só do pesadelo acordamos a 25 de Abril de 1974.
Ninguém ignora que na sociedade afegã existem ideias, crenças e valores
muito diferentes dos nossos e que sobre os quais não convergimos. Mas manda o
princípio da tolerância que respeitemos os deles e que eles respeitem os nossos
para que assim nos tentemos entender no que é essencial nesta vida. E já agora,
muitos dos "desvios civilizacionais" que lhes atribuem, também
existem noutros países ditos "civilizados", muitas vezes de forma
mais encapotada, e em pequenos grupos, mas existem. E assim como os países
ocidentais, de um modo geral, puderam ilustrar-se e evoluir, também esses dons
são inerentes a todos os seres humanos, incluindo os afegãos. O problema são os
indefetíveis fundamentalistas. Lá e cá.
Correndo
o risco de abusar de citações, aqui vai mais uma, desta feita sobre os
“americanos”, os estadunidenses recém-derrotados no Afeganistão, os quais,
segundo Eça, quando vistos de perto, o observador «compreende logo que está
entre um povo bárbaro, que aprendeu a civilização de cor. Mas bárbaro como é –
que força, que originalidade inventiva, que perseverança, que firmeza! – É
estranho! E ao mesmo tempo que grosseria de maneiras: revólver, praga e
empurrão, algumas palavras de inglês e muita saliva – eis o que é a língua
americana. Como eu detesto esta canalha! (Eça de Queirós, Correspondência, carta a Ramalho Ortigão, 20.7.1873). Será que
também, com os “americanos” algo mudou desde aquela data? Creio antes que Eça
continua a estar terrivelmente certo.
J. A. Gonçalves Guimarães
secretário da direção da Confraria Queirosiana
Feira do Livro do Porto
Entre 27 de
agosto e 12 de setembro decorre nos Jardins do Palácio de Cristal a habitual
Feira do Livro do Porto, este ano dedicada aos 150 da morte do médico e
professor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Joaquim Guilherme Gomes Coelho, aqui
divulgado e homenageado no seu pseudónimo literário Júlio Dinis (tendo também
usado o de Diana de Aveleda). O autor de A
Morgadinha dos Canaviais, e de outros romances de grande sucesso popular,
aparece assim evocado numa programação que, segundo a organização, «convoca o
universo vegetal e o ideário romântico».
Este ano, e
pela primeira vez, a associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria
Queirosiana vai estar presente disponibilizando ao público ledor as suas já
numerosas e diversificadas edições e coedições com diversas entidades, num
total de 37 títulos. Estão representados autores como A. Silva Fernandes, Álvaro
Gonçalves, Amélia Cabral, António Manuel Silva, Domingos A. Moreira, Francisco
Barbosa da Costa, Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, Joana Almeida Ribeiro, João
de Sousa, J. A. Gonçalves Guimarães, José Joaquim Dias dos Santos, José Pereira
do Couto Soares, Júlio Duarte, Licínio Santos, Luís Manuel de Araújo, Maria de
Fátima Teixeira, Nuno Resende, Romero Vila, Susana Guimarães, Susana Moncóvio e
outros.
Ainda a festa de 3 de julho passado
Em rigoroso exclusivo, e devido a
várias solicitações, abaixo se publica, em edição fac-similada, a carta que Eça
de Queirós nesse dia enviou a J. A. Gonçalves Guimarães:
Livros
Entretanto no passado dia 11 de agosto, no Centro Cultural de Paredes de Coura abriu ao público a Coleção Mário Cláudio com muitas obras de Arte e outros documentos que evidenciam as relações do escritor com muitos cultores da Arte Contemporânea portuguesa.
Investigadores do GHAP
Desde o final do mês de julho que diversos
investigadores do GHAP, a título pessoal, em representação da ASCR-CQ, ou de
outras instituições de que fazem parte, estiveram presentes em diversos eventos
culturais a apresentar trabalhos de investigação profissional.
Assim, entre
os dias 19 e 22 de julho decorreu o congresso Douro & Porto – Memória + Futuro, organizado pelo Instituto dos
Vinhos do Douro e do Porto, I. P., com sede na cidade do Porto,
maioritariamente por videoconferência, onde, entre muitas outras, foram
apresentadas as seguintes comunicações: no dia 21 de julho, “O Vinho do Porto e
a Diplomacia (séc. XVIII)”, por Francisco Ribeiro da Silva; “O Anuário da
Região Duriense 1940: uma fonte para o estudo sincrónico do Douro”, por Nuno
Resende; “O Visconde de Beire produtor de Vinho do Douro no século XIX – novos
dados”, por Susana Guimarães; “Arte Publicitária dos Vinhos do Douro e do
Porto: os artistas estrangeiros”, por J. A. Gonçalves Guimarães. No dia 22, “Do
Vinho do Douro ao Porto do Vinho”, por António Barros Cardoso, que fez parte da
comissão científica do Congresso.
Entre os
dias 18 e 24 de julho decorreu a partir de Vila Nova de Foz Côa, com extensão a
vários outros municípios do Douro, organizada pela Universidade do Porto
através do CITCEM/ Faculdade de Letras com a colaboração de outras
universidades europeias e outras entidades, a International Heritage Summer School
2021, a qual teve a presença de vinte alunos vindos de Argélia, Brasil,
Estados Unidos da América, Hong Kong, Itália, Macau, Portugal e República Checa.
A comissão organizadora contou com a participação de Nuno Resende, docente na
FLUP, e o corpo docente teve, entre outros, a participação de Luís Raposo do
ICOMOS e da Associação dos Arqueólogos Portugueses, que dissertou sobre “Património
Cultural, Cidadania e Turismo” na conferência de abertura no dia 19 no Museu do
Côa, e de J. A. Gonçalves Guimarães, coordenador do Gabinete de História,
Arqueologia e Património (ASCR-CQ) que falou sobre “S. Salvador do Mundo e a
aldeia de Pereiros, S. João da Pesqueira: dois locais singulares do Património Duriense”
no Museu do Vinho de S. João da Pesqueira no dia 21 de julho, tendo nesse mesmo
dia guiado uma visita àquele primeiro espaço. Seguiu-se uma visita guiada com
A. Silva Fernandes, presidente da Associação dos Amigos de Pereiros àquela
aldeia e seu património recuperado, onde decorreu um jantar ao ar livre sendo
servida a gastronomia local. Entre vários outros locais dedicados à produção
vinícola e olivícola, no dia 23 foi visitada a Quinta do Vale Meão, de Francisco
de Olazabal & Filhos, sendo os participantes recebidos numa visita à Adega
dos Novos, onde foram inteirados das diversas etapas da produção dos seus
famosos vinhos, a que se seguiu uma alegre degustação perante o seu
esplendoroso cenário.
Entre 30 de julho e 21 de agosto decorreu na Casa da Cultura Francisco Marques Rodrigues Jr. em Avintes um ciclo de palestras sobre temas locais, tendo sido palestrantes, entre outros, no dia 5 de agosto o Dr. Paulo Costa sobre “Fernão Brandão Pereira – o 1.º escritor de Avintes” e no dia 21 do mesmo mês o Dr. José Vaz sobre “O livro infanto/juvenil”.
Monumento a três escritores
Monumento aos Escritores, de Hélder de Carvalho, Torre de Moncorvo.
No passado
dia 15 de agosto em Torre de Moncorvo foi apresentado ao público o Monumento
aos Escritores da autoria do escultor Hélder de Carvalho, complementado com uma
visita à exposição “A Ideia, o Mestre e a Obra”, a qual mostra como nasceu, se
desenvolveu e se concretizou este projeto que perpetuará três autores de raízes
locais: os portugueses Miguel Torga e José Saramago e o argentino de
ascendência transmontana Jorge Luís Borges.
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Eça & Outras,
III.ª série, n.º 156, quarta-feira, 25 de agosto de 2021; propriedade da
associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral.
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