Acordo caligráfico
De tempos
a tempos a sociedade portuguesa elege um tema de interesse mais ou menos
coletivo sobre o qual todos opinam. Não tem mal nenhum, é sinal de democracia e
antes dizer asneiras em liberdade do que pretensas e efémeras verdades sob
censura. Um desses temas, entretanto já substituído pelos prognósticos da
epidemia, foi o mais recente acordo ortográfico. Como se fora o primeiro. Ou o
último. E daí o charibari de opiniões que tem originado nos media, como se a
Língua Portuguesa até aí tivesse sido em bronze gravada e, a partir de agora,
esborratada em folhas de plástico descartável. Gente de todas as profissões com
algum acesso a qualquer tribuna não deixaram de perorar contra as novas regras
e houve mesmo quem tivesse proposto o resolver da questão como se ainda
estivéssemos no tempo de D. Afonso III: só era português o que fosse falado e escrito do Minho ao Algarve, que “o
resto” – os milhões de falantes por esse mundo fora, os bons escritores das
antigas colónias, a evolução natural da língua, tudo isso eram “erros” a rever
ou, no mínimo, a tolerar, mas não a aceitar e, muito menos, a incorporar. Alguma
bacoquice nacional acreditaria mesmo que em dado tempo houve uma Língua
Portuguesa virginal, pura e cristalina, certamente nascida no mítico berço da
nacionalidade e da qual qualquer afastamento era, no mínimo, uma traição à
Pátria. Sabem as mentes mais informadas que estas convicções não têm ponta por
onde se lhes pegue. Entretanto o linguista Fernando Venâncio publicou um
precioso livro intitulado Assim nasceu uma
língua. Assi naceu ua língua, com um subtítulo elucidativo Sobre as origens do português, editado
pela Guerra & Paz e já com várias edições. Como sobre ele se expressou José
Rentes de Carvalho também direi: se nós mandássemos (ilusão celestial que também
nos assiste), seria este livro de leitura obrigatória para todos os estudantes
do ensino superior. E não apenas para os “de línguas”, mas para todos, até
porque há por aí muito médico e arquiteto que, por entre duas receitas ou três
projetos, também quer ser escritor premiado. O problema é a língua em algumas das suas valências, sobretudo a capacidade de
transmitir mensagens que fiquem.
Mas
recordemos alguns factos: já existem esboços de "acordo ortográfico"
para a Língua Portuguesa pelo menos desde 1540 com a Grammatica de João de Barros e não desde ontem. Como se trata de
uma língua viva é natural que, de tempos a tempos, haja necessidade de adaptar
a sua fala a uma representação ortográfica a qual, para não ser anárquica ou ao
sabor de cada um, carece de um acordo, um conjunto de regras que depois se fixam
nos dicionários e gramáticas, revistos na sua ortografia e significados também
de tempos a tempos. Sobretudo após as revoluções essa necessidade também se
evidencia: foi assim em 1820; foi assim a seguir à República. Normal o é que no
pós-25 de Abril também tal se equacionasse logo que possível. Este
"manusear" da língua e das suas propriedades, se na realidade diz
respeito a todos os seus falantes, deve ser confiado aos linguistas e
gramáticos que a estudam e observam continuamente, que discutem e confrontam a
sua matriz com a realidade e com as expressões idiomáticas que ela vai
adquirindo com os mais variados contributos endógenos e exógenos. Sendo a
língua, com as suas variadas pronúncias e acentuações, propriedade de todos os
seus falantes, aqueles profissionais estudam duas realidades de sentidos
opostos: por um lado uma língua-padrão normativa, erudita a artificial; por
outro, as diversas particularidades dos seus falares e grafias. Assim posta em
resumo, é esta a questão da ortografia da Língua Portuguesa ou de qualquer
outra. Por isso vejo com alguma bonomia possível muita gente a falar e a
escrever sobre “o acordo", sabendo-se que já existiram vários, todos eles
com algo de controverso para os hábitos diários da escrita ou da leitura na
época em que se apresentam. Sendo natural que algumas pessoas se sintam
desconfortáveis com algumas atualizações, deverão lembrar-se que a língua é uma
ferramenta que usamos todos os dias inadvertidamente e, quanto a
"ferramentas", ficamos sempre aborrecidos quando nos mudam "a
caixa dos pregos". Sobre tal escreveu Eça de Queirós, «…as línguas…são
apenas instrumentos do saber – como instrumentos de lavoura. Consumir energia e
vida na aprendizagem de as pronunciar tão genuína e puramente que pareça que se
nasceu dentro de cada uma delas e que por meio de cada uma se pediu o primeiro
pão e água da vida – é fazer como o lavrador, que em vez de se contentar, para
cavar a terra, com um ferro simples encabado num pau simples, se aplicasse,
durante os meses em que a horta tem de ser trabalhada, a embutir emblemas no
ferro e esculpir flores e folhagens ao comprido do pau» (Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes). E
entretanto nada de frutuosas colheitas.
Chamando à colação este ou aquele escritor, este ou aquele jornalista que escrevem assim ou assado, julgando-se alguns os donos da língua, direi que sim senhor, mas só da deles. Porque o fundamental é que nos entendamos bem, quer no que escrevemos quer no que falamos. Quanto às regras atualizadas, elas não saltarão como que por encanto nem para a esferográfica, nem para o quadro da sala de aula. Mas nos dias de hoje estarão sempre disponíveis e atualizáveis num computador perto de si. Por isso não se preocupe muito com os acordos, pois há quem, com sabedoria e prática, os estude e proponha por si. E, se puder, ouça e leia mais os linguistas, do que os charadistas do "assim se escreve em bom português". É que a coisa não é assim tão simples, nem se resolve por portaria do ministério do bom senso e bom gosto. E aposto que Camões, Garrett, Eça de Queirós e outros terão opinião semelhante. Os quais, para além de um temporário acordo ortográfico, talvez lhe proponham antes que pratique um bom, limpo e útil acordo caligráfico, mesmo escrevendo no computador.
J. A. Gonçalves Guimarães
Secretário da direção da Confraria Queirosiana
No passado dia sete de junho, através de videoconferência, e perante um júri presidido pelo Professor Doutor Luís Miguel Duarte da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e composto pelos Professores Doutores Jorge Fernandes Alves, como orientador, ambos da FLUP, tendo como arguentes António Rafael Amaro, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e Amândio Barros, do Instituto Politécnico do Porto, e ainda como vogais Gaspar Martins Pereira da FLUP e João Ramalho Cosme da Universidade Nova de Lisboa, o historiador J. A. Gonçalves Guimarães apresentou publicamente a sua tese de doutoramento intitulada “A Frota Mercantil do Porto e o comércio com o Brasil entre 1818 e 1825”, coroando assim um projeto de investigação sobre os armadores-negociantes e os grandes veleiros do segundo maior porto nacional, o complexo portuário do Baixo Douro (Porto-Vila Nova de Gaia) dos finais do Ancien Regime aos alvores do Liberalismo e nos primeiros tempos da independência do Brasil. O autor, licenciado em História e mestre em Arqueologia, fez o curso de doutoramento em História Contemporânea também naquela faculdade, tendo sido Professor Auxiliar convidado da Universidade Portucalense Infante D. Henrique, criador dos cursos livres do Solar Condes de Resende e docente convidado de várias outras instituições. A obra, que entretanto ficará disponível online, deverá ser publicada em breve, assim dando à estampa mais um projeto desenvolvido por um dos investigadores do Gabinete de História, Arqueologia e Património, grupo de trabalho fundado em 1982 naquela faculdade, desde 1987 sediado no Solar Condes de Resende e desde 2004 integrado como grupo de trabalho profissional nos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, de que é atualmente coordenador científico.
Medalha de
Mérito
No passado dia 10 de junho, feriado nacional, a União de Freguesias de Mafamude e de Vilar do Paraíso, Vila Nova de Gaia, galardoou com a Medalha de Mérito Cultura e Recreio 2021 o canteiro-ornatista António Pinto, em tempos monitor de um curso de canteiros que decorreu no Solar Condes de Resende e autor de diversas obras de escultura em pedra regularmente presentes no Salon d’Automne da Confraria Queirosiana e outras atualmente expostas na 4.ª Bienal de Arte de Gaia em exibição na Companhia de Fiação de Crestuma, em Lever, Vila Nova de Gaia.
Auditório Municipal de Gaia
No domingo treze de junho passado o
Auditório Municipal de Gaia comemorou 24 anos de abertura ao público sob a
direção do Dr. Manuel Filipe Tavares Dias de Sousa, que na ocasião recebeu das
mãos de Paulo Rodrigues, presidente da Federação das Coletividades de Gaia, uma
placa comemorativa alusiva à efeméride. Ao ato estiveram presentes a vereadora
do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Eng.ª Paula
Carvalhal e o secretário da direção dos Amigos do Solar Condes de Resende –
Confraria Queirosiana, entre outros. A evocativa cerimónia decorreu após mais
uma sessão do 27.º Festival Internacional de Música de Gaia, organizado pelo
Conservatório local, com a exibição do notável grupo Ars Longa de Havana que
trouxe a este palco memórias da música barroca colonial através do programa
“Gulamba Gulembe – Ressonâncias de África na América Colonial”, que encantaram
uma sala cheia de acordo com os condicionalismos da pandemia.
Dr.ª Maria de Fátima Teixeira com os organizadores e participantes na Companhia de Fiação de Crestuma em Lever; foto de Jorge Ricardo Pinto |
Investigadores
do GHAP
Como habitualmente, diversos
investigadores do Gabinete de História, Arqueologia e Património, grupo de
trabalho profissional da associação Amigos do Solar Condes de Resende -
Confraria Queirosiana têm participado em diversas ações de formação ou de
divulgação de temas das suas profissões e estarão presentes em outras a
realizar em datas próximas. Assim, no passado dia 19, sábado, na 7.ª edição de
“Aprender na Rua” organizada pela Associação Portuguesa de Geógrafos sob a
direção dos Professores Doutores José Alberto Rio Fernandes e Jorge Ricardo
Pinto, a qual decorreu nas instalações da Companhia de Fiação de Crestuma, em
Lever, Vila Nova de Gaia, a Prof.ª Maria de Fátima Teixeira falou sobre a
história daquela unidade de produção oitocentista, dos seus antecedentes e das
suas atuais valências, tema da sua dissertação de mestrado, entretanto
publicada, mas também dos estudos que tem desenvolvido sobre a industrialização
em Vila Nova de Gaia a partir deste local iniciático.
No passado dia 23 de junho, véspera de
S. João e feriado municipal nas cidades de Vila Nova de Gaia, Porto e Valongo,
J. A. Gonçalves Guimarães, coordenador do G.H.A.P., gravou uma entrevista para
o Porto Canal sobre o significado dos festejos do solstício de verão e das
páticas antigas ou mais recentes que lhes estão associadas.
Eleições na FAMP
No próximo dia 3 de julho por videoconferência vai realizar-se a assembleia geral da Federação de Amigos dos Museus de Portugal, de que a ASCR-CQ faz parte. Da ordem de trabalhos, para além da apreciação e votação do relatório do exercício de 2020 e contas da direção e da apreciação e votação do parecer do conselho fiscal, fazem parte a eleição dos órgãos sociais para o quadriénio 2021-2025 e a eleição de associados honorários, além de outros assuntos.
__________________________________________________________________
Eça & Outras, III.ª série, n.º 154, sexta-feira, 25 de junho de 2021; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana;C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540;
IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.
Sem comentários:
Enviar um comentário