domingo, 25 de abril de 2021

Eça & Outras

 Humor britânico

A minha geração nunca mais esquecerá as séries de televisão Monthy PythonYes, Prime Minister, ou Mister Bean, as quais materializaram para nós o proverbial humor britânico. Os mais eruditos já tinham lido Three Men on a Boat, de Jerome K. Jerome, divulgado a primeira vez no já distante ano de 1889, quando em Portugal é publicado o livro As Minas de Salomão, de Henry Rider Haggard, traduzido por, ou com a revisão de, Eça de Queirós, que lhe acrescenta um incomparável british humour superior ao do texto original. Lembremos aqui, a propósito, o estudo analítico da versão queirosiana por Alan Freeland, publicado na Edição Crítica das Obras de Eça de Queirós, dirigida pelo Professor Carlos Reis.

Tudo isto a propósito do recente passamento do príncipe Filipe, duque de Edimburgo, dono de um notável sentido de humor com aquelas características de sátira, absurdo, autocrítica e inalterável postura, ainda que o mundo desabe à volta, que tão bem definem o humor britânico. E por isso não resisto a contar aqui uma situação em que revelou essa sua faceta entre nós.

A 23 de março de 1985, acompanhando sua mulher a rainha Isabel II de Inglaterra, visitou a cidade do Porto, tendo ambos sido recebidos nos Paços do Concelho pelo presidente da República, general Ramalho Eanes, e pelo presidente da Câmara, eng.º Carlos Brito. Logo aí os discursos de boas vindas enfatizaram os históricos lugares comuns de circunstância: a “velha aliança” entre Portugal e Inglaterra, o casamento de D. João I e da inglesa D. Filipa de Lencastre em 1387, de que depois aqui nasceria o Infante D. Henrique, a Feitoria Inglesa e o vinho do Porto. Seguiram daí para a Feitoria Inglesa, onde outros discursos lembraram de novo a “velha aliança”, o casamento de D. João I e D. Filipa de Lencastre em 1387, o Infante D. Henrique, o vinho do Porto e a própria Feitoria. Dali o cortejo deslocou-se à ribeira do Porto para ser saudado pelos marinheiros de uma corveta da Marinha de Guerra Portuguesa surta no Douro e pelos tripulantes de uma dúzia de barcos velhos, um rebocador, duas traineiras, meia dúzia de embarcações de desporto ou passeata, as que se arranjaram para a ocasião em memória das navegações de outros tempos. As sirenes apitavam, o povo saudava, os canhões lá deram os tiros da praxe, os Mareantes do Rio Douro da outra banda com os seus bombos, a chamarem a atenção para os armazéns de Vila Nova de Gaia. E o povo gritava, saudava e vibrava com a presença do casal real, que seguiu a pé, pisando um escorregadio tapete de flores até à Casa do Infante onde decorreu o almoço. Depois do repasto, os brindes… e de novo… a “aliança”…o casamento de D. Filipa de Lencastre em 1387… o Infante…o vinho do Porto…, tudo isto repetidamente traduzido pelos “línguas” de serviço junto dos régios ouvidos, que com tanta insistência já deviam estar a caminho de decorar estes pilares da eloquência local.

Pelo final da tarde a real visita culminou com uma sessão de cumprimentos no Salão Árabe do Palácio da Bolsa, com o casal real rodeado pelas autoridades, jornalistas, seguranças e outros habitués nestas coisas. A “guarda de honra” foi feita pelos membros da Confraria do Vinho do Porto, que aliás foram incansáveis na tentativa de dar algum brilho a esta visita. Os representantes das instituições convidadas para apresentarem os seus cumprimentos foram enfiados na Sala dos Retratos e, a partir daí, anunciados um a um com solenidade por um mestre de cerimónias: «vai apresentar os seus cumprimentos a sua majestade a rainha Isabel II o senhor fulano de tal em representação da instituição tal…. E por aí fora. Felicíssimos pela distinção, no auge da sua íntima euforia, a maior parte dos cumprimentadores ou não foi elucidada ou esqueceu-se de se informar sobre uma questão agora fundamental: como é que se cumprimenta uma rainha e o príncipe consorte ? E o mestre de cerimónias, com a regularidade do relógio da Sé quando dá horas, lá chamava: «vai apresentar os seus cumprimentos a sua majestade a rainha Isabel II o senhor fulano de tal…» que entrava com um rosto sorridente, pescoço esticado e peito inchado no smoking usado nos bailes do Club Portuense já um pouco apertado, avançando com passo firme pela porta de acesso, situação que rapidamente passava a desesperado pânico à medida que deslizava em direção à soberana, príncipe consorte e demais autoridades. Alguns estacavam a meio, olhavam atónitos à sua volta em busca de um ali inexistente manual de etiqueta, começavam a suar frio, mas lá partiam de mão direita em riste para um aperto de mão mole e delicado ou efusivo e agitado, conforme os casos, distribuindo depois réplicas à direita e à esquerda, às vezes com uma pequena vénia ou passo de dança com vénia antes ou depois do cumprimento à rainha. Mas tudo isto muito à vontade do freguês, muito variado. E eis que a dado momento, na lenta sequência protocolar o mestre de cerimónias anuncia: «… vai apresentar os seus cumprimentos a sua majestade a rainha a senhora D. Filipa de Lencastre…». Nesta altura o príncipe Filipe, vendo entrar uma senhora já octogenária, entre o intrigado e o divertido, busca em volta uma possível explicação, exclamando para os circundantes: «mas então ela ainda é viva?». Não, não era a inglesa que em 1387 tinha casado no Porto com o rei D. João I, mas sim uma senhora portuguesa muito mais recente, descendente daquela estirpe real e com o mesmo nome, neste caso a esposa de D. Henrique de Cernache, conde de Campo Bello e bailio da Ordem de Malta também ali presente.

É caso para considerar como escreveu Eça de Queirós nas Cartas de Inglaterra. Crónicas de Londres: «um inglês é sempre excêntrico, mesmo quando é sublime».

J. A. Gonçalves Guimarães

secretário da Confraria Queirosiana

Acordo de Cooperação Luso-Brasileiro

Entre a Confraria Queirosiana e a Academia Alagoana de Letras (AAL) vai ser celebrado um acordo de cooperação previsto por videoconferência para o dia 9 de maio pelas 19 horas (hora portuguesa), que tem como objectivos «promover a cooperação entre as duas instituições com o fim de realizarem conjuntamente actividades destinadas à promoção das culturas portuguesa e brasileira em todos os continentes e, notadamente, nos países lusófonos».

Fundada a 1 de novembro de 1919 a AAL tem a sua sede própria no município de Maceió, Alagoas, sendo o seu corpo social composto por quarenta académicos distribuídos por cadeiras numeradas que evocam alagoanos ilustres, entre os quais o lexicógrafo Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira e o ex-presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello. O actual presidente é o engenheiro Alberto Rostand Lanverly.

O contato entre ambas as entidades foi já iniciado no capítulo da Confraria Queirosiana de novembro de 2019, onde foi empossado como confrade o Dr. Marcelo Malta, vice-prefeito de Satuba, Estado de Alagoas. Entretanto os sócios e confrades da Confraria Queirosiana foram convidados a enviarem textos seus para o próximo número da publicação anual daquela academia, tendo sido feito idêntico convite aos seus académicos para colaborarem no próximo número da Revista de Portugal.

Curso livre sobre o Antigo Egito

Com uma aula extra sobre «A escrita hieroglífica egípcia», pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e vice-presidente dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (ASCR-CQ), decorreu ontem dia 24 de abril a 14.ª e última sessão do curso sobre o Antigo Egito, organizado pela Academia Eça de Queirós da associação ASCR-CQ, certificado pelo Ministério da Educação, através do Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente e coordenado por aquele egiptólogo. Com sessões aos sábados entre as 15 e as 17 horas, devido às restrições de presença e circulação impostas pela pandemia, foi quase inteiramente ministrado por videoconferência (à exceção da primeira sessão), o que também permitiu a sua frequência por parte de alunos de Lisboa e outras localidades, ou mesmo do Brasil.

Desde a sessão de abertura, a 17 de outubro, teve como professores J. A. Gonçalves Guimarães (ASCR-CQ) sobre «O que é que Vila Nova de Gaia terá a ver com o (Antigo) Egito?), seguindo-se o Prof. Doutor José Varandas (FLUL), «O Mar Mediterrâneo na Antiguidade» (31 de outubro); Luís Manuel de Araújo (também da Associação de Amizade Portugal-Egito), que além da aula de encerramento, já referida, apresentou ainda «A longa história da civilização egípcia» (14 de novembro); «Coleções egípcias em Portugal» (12 de dezembro); «A viagem de Eça de Queirós e do Conde de Resende ao Egito» (20 de fevereiro); e «O “Livro dos Mortos” do Antigo Egito» (27 de março); o Prof. Doutor José das Candeias Sales (Universidade Aberta) leccionou «Egiptologia e egiptomania» (4.ª sessão); «A arquitetura do Antigo Egito» (9 de janeiro); e «O Antigo Egito no Cinema» (17 de abril); o Prof. Doutor Rogério Sousa (FLUL) sobre «A arte funerária do Antigo Egito» (23 de janeiro) e «Erotismo e sexualidade no antigo Egito» (6 de março); e o Prof. Doutor Telo Ferreira Canhão (FLUL) sobre «As ciências no Antigo Egito» (6 de fevereiro); e «A literatura do Antigo Egito» (10 de abril), num total de 14 sessões.

O próximo curso, a iniciar em outubro com sessões presenciais e por videoconferência, terá como tema História – Património – Turismo.

Livros e Autores 


Com edição coordenada pela Professora Doutora Annabela Rita e patrocinada por diversos institutos universitários de Lisboa, Madrid, Paris, Roma e Curitiva, foi publicado um volume com a farsa em um acto de Filomena Oliveira e Miguel Real Aproxima-te um pouco de nós e vê. Eça em cena 120 anos depois, seguida de ensaios de Annabela Rita, Fernando Andrade Lemos e outros autores.

Passados dez anos após a primeira edição, Ricardo Charters d’ Azevedo apresenta-nos um novo livro com a revisão do seu curioso estudo intitulado Quem escreveu o Couseiro ?, sobre quem será o autor do curioso texto intitulado «O Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria», cuja primeira versão remonta ao início do século XVII. Nesta revisitação encontra o leitor um capítulo dedicado à análise das propostas de outros autores que entretanto escreveram sobre o assunto na tentativa de desvendarem aquela autoria, seguido de uma atualização do texto original à luz do muito que nestes últimos dez anos se publicou sobre Leiria.

O autor conclui que nunca se saberá ao certo quem escreveu aquele texto, apresentando entretanto aquilo que define como «somente uma teoria, uma boa teoria, julgo eu, que espero que continue a ser comentada e rebatida, para que possamos aprofundar os nossos conhecimentos sobre este assunto».

VII Colóquio Internacional Luso-Brasileiro

         Como referimos na página de março vai realizar-se em Lisboa entre 22 e 27 de novembro este colóquio (que é também o XXIV Colóquio Eça de Queiroz/ Telheiras), o qual terá lugar na Escola Secundária Eça de Queirós, nos Olivais (dias 19 e 20), na Escola Secundária António Damásio, Olivais (dia 21), e na Universidade Europeia, Carnide (dia 22 e 23). Com coordenação geral do Dr. Fernando Andrade Lemos, a comissão científica tem como presidente a Professora Doutora Annabela Rita da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Dr.ª Nassalete Miranda do jornal As Artes entre As Letras, entre outros. Nas sessões estão inscritos com comunicação diversos confrades queirosianos. Logo na primeira sessão Alfredo Campos Matos falará sobre «Apresentação da Primeira Versão Francesa da Biografia de Eça, na Gulbenkian de Paris com o título “Vie et oeuvre d’Eça de Queiroz”» e Fernando Andrade Lemos e outros sobre «A “Vessica Piscis” na Igreja de Nossa Senhora da Porta do Céu – Telheiras». No dia 21 falarão o Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, vice-presidente da Confraria Queirosiana, sobre «A Coleção Egípcia do Museu Nacional do Rio de Janeiro» e o Dr. César Veloso sobre «Um, para mim, estranho silêncio de Eça de Queirós». No final de cada sessão decorrerá o lançamento de várias obras de autores presentes neste colóquio, o qual serve também para a acreditação de professores. Para inscrição e mais informações ver https://coloquioslusobrasi.wixsite.com/cilb2018  

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 152, domingo, 25 de abril de 2021; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

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