quinta-feira, 25 de março de 2021

Eça & Outras

Antepassados, vendem-se!

Fui recentemente abordado através do Facebook por um “fornecedor de árvores genealógicas", o qual se ofereceu para me disponibilizar a minha como descendente de D. Pedro e D. Inês e de um arcebispo, pelo menos. Rapidamente percebi que se tratava de um cangalheiro de antepassados que tenta por a “empresa pessoal” a render, obviamente a troco da respectiva gratificação não faturada. Constatei na sua página pessoal do Facebook que tem como habilitações o ter frequentado um determinado externato e que trabalha no Ministério da Justiça! Já conheci vários outros, ou deles ouvi falar, e alguém me disse que este negócio ilegal vai de vento em popa, normalmente exercido por pessoas sem qualquer preparação académica adequada para tal. Aquele que acima refiro, afirmou-me, por escrito, que «…não há possibilidades de ter dados para trás de 1580…pois foi a data a partir da qual se começou a fazer o registo sistemático dos assentos de baptismo, casamento e óbito nas igrejas…», talvez devido ao “vazio social” criado pelo desastre de Alcácer-Quibir, acrescentaria qualquer outro seu “compadre especialista”. Ora, qualquer historiador profissional sabe a origem dos registos paroquiais e que, por exemplo, no Arquivo Distrital do Porto existem registos anteriores àquela data, desde a década de trinta do século XVI. Adiante.

E veio-me à mente o título de uma interessantíssima peça de teatro de Joaquim Paço d'Arcos, Antepassados, vendem-se, à qual, quando jovem, assisti no Teatro Experimental do Porto e que já nessa época me alertou para a questão das genealogias e das inerentes mitomanias. Como historiador, sobre elas tenho a seguinte opinião: as resenhas genealógicas feitas na actualidade devem ser trabalho de investigação historiográfica, pelo que só serão válidas se feitas por profissionais da História a título individual, ou como sócios de empresa ou instituição com investigadores devidamente habilitados. Se feitas por quaisquer outros licenciados, ou nem por isso, nem sequer serão de considerar. Entretanto, muitas das árvores genealógicas feitas no passado por diversos autores têm vindo a ser objecto de rigorosa revisão pelos historiadores e é ver a que conclusões estes chegam. Como é sabido as genealogias baseiam-se, antes de mais, na leitura de documentos, registos paroquiais e outros da mais variada origem, natureza e objetivos, os quais, além de terem de ser bem lidos, paleograficamente falando, terão de ser devidamente enquadrados no seu contexto histórico, pois se assim não for podem dar origem a transcrições e interpretações erradas. Como bem o sabem os profissionais, muitas vezes a fiabilidade de um documento depende não apenas do facto de ser fisicamente verdadeiro, mas também de ter de o ser no seu conteúdo, pois existem documentos autênticos com conteúdos deliberadamente falsos ou, pelo menos, ambíguos. Essa fiabilidade depende também da qualidade intelectual de quem os escreveu: um assento paroquial escrito por um pobre padre-cura de paróquia rural normalmente não tem a mesma qualidade informativa do escrito por um padre doutor. Depois convém cruzar os dados de vários documentos referentes aos mesmos indivíduos, que ora acrescentam ora mudam de nome, e convém saber por quê. Não há muitos registos de crisma. Em todo o caso os historiadores sabem o que dizem os documentos mas não sabem o que se passou no palheiro. O documento garante uma situação social, mas não moral nem biológica. Em todos os tempos houve situações diversas que o "bom nome" adequou às conveniências com a cumplicidade, ou até a ignorância, dos envolvidos. A partir do século XVI, se é certo que passaram a ser sistemáticos os registos paroquiais, alguns deles são, pelo menos, duvidosos e as árvores genealógicas a que podem dar origem poderem estar erradas, ou falseadas. A razão é bem compreensível: entre aldrabar os dados sobre uns avós ou perder a fortuna, ou mesmo a vida, por pertencerem a uma família de judaizantes, protestantes ou outros heterodoxos perseguidos pelos poderes vigentes. Quem tinha dinheiro e tempo para tal, arranjava documentos genealógicos falsos para não ser perseguido ou incomodado. Nesses casos convém perceber que estamos a lidar com informação deliberadamente adulterada. Depois havia também o caso de crianças que nasciam com doze e treze meses: já o pai estava para a Índia há mais de um ano e a mãe "co'as soidades" não havia meio de parir, o que normalmente ocorria noutra terra onde o calendário pessoal não era conhecido. Quanto ao uso de apelidos familiares ou títulos sociais, convém também perceber que tal não era automático nem linear e que, não obstante as tentativas de uniformização ou regulação, tal variou ao longo dos tempos, mas também ao longo da vida do mesmo indivíduo. No meio da variada documentação consultada, só os historiadores conseguem aperceber-se das manobras de ocultação ou de fabrico de mentiras sociais, ou de verdades inconvenientes. A biologia pode ajudar a destrinçar algumas interrogações, através dos estudos de ADN, bem assim como as Ciências Forenses, mas só nos casos em que restos mortais, inequivocamente referenciados, existam. Podem juntar-se alguns estudos epigráficos ou heráldicos, também raros e que carecem sempre de uma boa análise crítica. Por tudo isto, e muito mais, creio ter demonstrado que os estudos genealógicos de qualquer indivíduo ou família são assunto para historiadores profissionais, e não para qualquer pessoa. Como já Eça de Queirós tinha anotado, «em Portugal…todos somos nobres, todos fazemos parte do Estado, e todos nos tratamos por Excelência (A Correspondência de Fradique Mendes). É talvez com esta convicção que vemos hoje muitos cidadãos entretidos a colecionar antepassados como quem coleciona cromos, lendo à letra, e muitas vezes a muito má letra, os documentos do passado. E para encontrarem o que até previamente desejam existem sujeitos sem habilitações ou com habilitações impróprias e inadequadas a ganharem dinheiro com essa actividade, nomeadamente até para obterem benesses públicas concedidas por determinada legislação de exceção. Aqui o Estado esqueceu-se de obrigar à «clara certidão da verdade» certificada por tem autoridade para tal. Por tudo isto convém repetir, para quem estiver interessado, que as árvores genealógicas só têm credibilidade e aceitação se forem feitas por profissionais habilitados e competentes, pois de outro modo não servem rigorosamente para nada, historiograficamente falando. E assim como nos dias de hoje não é ginecologista quem quer, também o não é quem se diz genealogista. E mesmo as árvores genealógicas credíveis nem sempre são fáceis ou conclusivas: veja-se, por exemplo, a de Fernão de Magalhães, que tem dado origem a inúmeros candidatos a "descendentes". A História social conhece muito bem estes fenómenos de mitomanias pessoais, familiares ou coletivas.

J. A. Gonçalves Guimarães

Secretário da Confraria Queirosiana


Eça de Queirós e o Vinho Verde

       No passado dia 17 de março, na 7.ª sessão da 2.ª temporada de apresentação de vinhos de Confrades, realizada através da Plataforma Zoom e organizada pela Confraria do Vinho Verde, J. A. Gonçalves Guimarães fez uma intervenção sobre «O Vinho Verde na obra de Eça de Queirós», a partir de um trabalho com esse mesmo título que em 2010 publicou em colaboração com Susana Guimarães, à qual assistiram não só membros daquela confraria, mas também vários confrades queirosianos. A sessão pode ser vista em: htpps://www.youtube.com/watch?v= CAb4ec66h3s

Livros

Nos dias 20 e 21 passados, a Comissão de Vitivinicultura da Região dos Vinhos Verdes organizou um evento intitulado «Dois dedos de Conversa sobre Livros e Vinhos Verdes» com a colaboração da editora Alêtheia. No domingo, dia 21, pelas 12 horas, J. A. Gonçalves Guimarães comentou a edição do livro de Eça de Queirós, O Egipto. Notas de Viagem, reeditado por aquela editora em 2015, aludindo à génese da obra na viagem realizada em 1869 pelo escritor, na companhia do 5.º conde de Resende, à inauguração do Canal de Suez, logo parcialmente publicada em folhetins no Diário de Notícias, tendo-se então gorado a hipótese da sua publicação em livro, o que só veio a acontecer em 1926, numa edição organizada pelo seu filho mais velho, com critérios muito pessoais. Entretanto as notas então recolhidas serviram como passagens ou capítulos de algumas outras obras que Eça publicou, mormente em A Relíquia, onde “esgotou” os apontamentos sobre a Baixa Síria e a Palestina. Neste programa, foram ainda referidas as contribuições recentes para a interpretação desta obra por diversos estudiosos queirosianos, como A. Campos Matos e o egiptólogo Luís Manuel de Araújo, bem assim como a seu interesse para o leitor actual, não deixando de ser referida a possibilidade de se tornar livro de cabeceira daqueles que, ainda hoje, realizam uma viagem ao Egito parcialmente decalcada da realizada em 1869 e guiada por aquele egiptólogo, autor de Imagens do Egipto Queirosiano. Recordações da jornada oriental de Eça de Queirós e o Conde de Resende em 1869, Solar Condes de Resende, 2002.

Colóquio sobre Eça de Queirós

         O Centro Cultural Eça de Queiroz de Telheiras, Lisboa, está a preparar a organização do seu 6.º Colóquio Internacional Luso-Brasileiro e 26.º Colóquio Eça de Queiroz, a realizar entre os dias 22 e 27 de novembro deste ano. O programa será divulgado em breve,

Curso sobre o Antigo Egito

        Prossegue o curso sobre o Antigo Egito organizado pela Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ), com uma pequena alteração no calendário e a inclusão de uma lição extra. Assim depois da 10.ª sessão sobre «Erotismo e sexualidade no antigo Egito», pelo Prof. Doutor Rogério Sousa no passado dia 10 de março, o curso prosseguirá no próximo dia 27 com uma aula sobre «O “Livro dos Mortos” do Antigo Egito», pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo e em abril, dia 10, a 12.ª sessão sobre «A literatura do Antigo Egito», pelo Prof. Doutor Telo Ferreira Canhão. No sábado, dia 17, será a vez da 13.ª sessão sobre «O Antigo Egito no cinema», pelo Prof. Doutor José das Candeias Sales, encerrando o curso no sábado, dia 24, com «A escrita hieroglífica egípcia», pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, se for possível através de aula presencial no Solar Condes de Resende e por videoconferência para os alunos inscritos

Mestrado

No passado dia 24 de novembro apresentou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto a sua dissertação de Mestrado em História e Património, intitulada «Viticultura, vinho e inovação tecnológica no livro antigo da Biblioteca Pública Municipal do Porto, século XVIII», a investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, Dr.ª Cristiana Filipa Borges Ferreira, a qual teve como orientadores os Prof. Doutores António Barros Cardoso, da FLUP e Jorge Bernardo Lacerda de Queiroz, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, tendo sido aprovada com 17 valores. A nova Mestra vai prosseguir a sua graduação académica.

 

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 151, quinta-feira, 25 de março de 2021; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

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