Ainda há novidades sobre Eça de Queirós?
«Vocês lá na
Confraria Queirosiana, no Solar Condes de Resende, lá vão divulgando a vida e
obra de Eça de Queirós …, mas, para além disso, têm acrescentado alguma coisa
ao que já se sabe, têm corrigido erros transmitidos de texto em texto, têm
feito mais alguma coisa do que o divulgar?». Esta questão foi-nos assim posta
recentemente, e nem nos competiria a nós responder-lhe, pois, ao tal fazer,
parece aquela, sempre suspeita, defesa em causa própria. Poderíamos
simplesmente responder: veja o que desde 2002 temos feito em termos de estudos,
participação em congressos, publicação de textos, organização de cursos sobre
temática queirosiana, revelação de documentos inéditos ou pouco conhecidos, divulgação
de textos e iniciativas alheias que nos parecem válidas, apresentação de
espetáculos e da filmografia baseada na vida ou na obra do escritor, propostas
de correções ou de novas reflexões sobre o já publicado, quer em eventos, quer
em publicações diversas, quer na Revista
de Portugal (RP), quer no blogue eca-e-outras e no jornal As Artes Entre As Letras, quer em outros
meios, as quais poderão ser referenciadas na bibliografia de alguns dos sócios
e confrades, que sistematicamente publicamos naquela revista desde 2005 (RP,
n.º 3, 2006, p. 60). Mas o melhor é mesmo apresentar aqui uma resenha do já publicado
pela própria Confraria, não contando pois para esta remembrança o apresentado
pelos seus membros noutras edições.
Comecemos então pelos livros editados,
ainda que com o apoio de outras editoras e entidades diversas: logo em 2002, Imagens do Egipto Queirosiano, de Luís
Manuel de Araújo, álbum muito ilustrado (312 p.), sobre um aspeto fundamental
da construção do ideário humanista e cosmopolita do escritor, a que se seguiu
em 2006 a dissertação de mestrado de Susana Cristina Gomes Gonçalves Guimarães,
A Quinta da Costa em Canelas, Vila Nova
de Gaia (1766 – 1816). Família, Património e Casa, sobre a história da
família de sua mulher e do Solar Condes de Resende (427 p.), onde a Confraria
tem a sua sede por protocolo com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. Ainda
nesse ano preparamos e publicamos, talvez pela primeira vez em livro autónomo, uma
edição crítica das mais notáveis obras de Eça, o conto S. Cristóvão, com três estudos complementares para melhor
entendimento da mesma por Anabela Mimoso. J. A. Gonçalves Guimarães e José
Manuel Tedim (224 p.). Em 2008, após exaustiva pesquisa no arquivo do Paço
Ducal de Vila Viçosa, onde se encontra o seu arquivo pessoal, saiu a obra de J.
A. Gonçalves Guimarães, Marquês de
Soveral, Homem do Douro e do Mundo/ Son of the Douro Man of the World,
sobre este “Vencido da Vida”, amigo e “chefe” do escritor no Ministério dos
Negócios Estrangeiros (220 p). Em 2019 foi feita a publicação de Eça de Queirós e o Caminho de Ferro, de Joana Ribeiro, produzido no âmbito do
projeto dos investigadores tarefeiros do Solar Condes de Resende.
Nestes
cinco livros de temática queirosiana direta, creio que foram dadas importantes
contribuições para o aprofundamento de diversas questões biográficas,
nomeadamente: a importância na sua vida e obra da viagem que fez com o 5.º
conde de Resende (que nunca foi seu cunhado, como erradamente aparece escrito,
pois morreu novo; seu cunhado foi o 6.º conde de Resende, irmão do primeiro), ao
Egito e Palestina em 1869, cuja análise tem sido continuada noutros artigos
entretanto publicados e até no curso sobre o Antigo Egito que decorre este
inverno no Solar dirigido pelo egiptólogo Luís Manuel de Araújo autor daquele
livro e de muitos outros escritos sobre esta temática; se os antepassados
paternos e maternos do escritor já tinham sido objeto de diversas análises, tal
não tinha ainda acontecido, de forma exaustiva, com a família de sua mulher, e sobretudo
sobre a casa onde, segundo Eça escreveu em carta enviada de Londres a 28 de
julho de 1885 ao futuro cunhado, pela primeira vez reparou na senhora com quem
viria a casar, a mãe de seus filhos «A minha afeição por tua irmã não foi
improvisada o ano passado, na Granja e na Costa Nova. Data de uma ocasião mais
antiga, de quando eu te fui ver a Canelas» (Eça de Queiroz Correspondência,
coordenação de A. Campos Matos, 2008, vol. I, p. 386) Tal foi feito no livro de
Susana Guimarães, tendo também esta historiadora igualmente continuado a
apresentar estudos sobre a Casa e este ramo da família; se os “Vencidos da
Vida” tinham desde há muito sido objeto de vários artigos e obras monográficas,
não havia uma biografia de Luís de Soveral baseada no seu arquivo pessoal, que
ligasse o futuro marquês não apenas a Lisboa e sobretudo a Londres, os palcos
onde brilhou de forma inexcedível, não apenas às suas lides diplomáticas, mas
sobretudo às suas raízes durienses, a S. João da Pesqueira, ao Porto e a Vila
Nova de Gaia, ao vinho do Porto e à Praia da Granja por onde todos eles, Eça e
os restantes “vencidos”, passaram e cujo estudo está por fazer. Tal é o que
podemos encontrar nesta biografia.
Se
é certo que Eça foi um infatigável viajante, a pé, a cavalo, de carruagem e de
barco, não há dúvidas que elegeu o comboio como o seu meio predileto e sobre
ele escreveu com devoção e encanto. Nestes nossos dias em que o desenvolvimento
dos comboios de alta velocidade, dos intercidades e dos “metro”, estão na ordem
do dia, para uma necessária e urgente remodelação, através do texto deste exaustivo
livro sobre a relação do escritor com os “seus” comboios, Joana Ribeiro
propõe-nos uma agradável e útil viagem em todos os cenários e ficções
percorridos pelo escritor.
Estando
já hoje conhecida a totalidade dos escritos de Eça e em curso a meritória
tarefa de os expurgar de acrescentos alheios, com a apresentação de todas as
variantes realmente saídas da sua mente e da sua pena por uma equipa dirigida
por Carlos Reis; sendo já pouco provável o aparecimento de mais inéditos (hipótese
nunca descartada por A. Campos Matos, que continua a publicar novas
interpretações e revisitações da obra), em 2006 a confraria abalançou-se a
republicar o conto S. Cristóvão, não
“a seco”, como até então tinha sido feito, ou apenas com interpretações
sociológicas ou literárias, mas indo mais longe e, sem descurar aquelas,
acrescentou-lhes análises históricas e iconográficas. Esta edição popular
mereceria uma edição mais monumental e o texto deveria servir para argumento de
um filme de sucesso.
Ficando
agora por falar sobre os entretanto numerosos estudos que a Confraria tem
publicado, o que faremos oportunamente, sabemos que não só alguns deles estarão
a ser reunidos em livro, como é propósito desta continuar a divulgar “novidades
novas” sobre a vida, obra e época de Eça de Queirós e todo o universo que
inspiram, não apenas numa análise literária mas sobretudo multidisciplinar. Eça
de Queirós, como literato, não foi apenas o escritor admirável que a
unanimidade lhe reconhece: foi também um questionador de pensamentos e atitudes,
individuais e sociais, com as quais dificilmente continuamos a lidar.
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
da Confraria Queirosiana
Eça de Queirós no Panteão?
Recentemente um grupo de deputados do
Partido Socialista, entre os quais José Luís Carneiro, apresentou na Assembleia
da República um projeto de resolução recomendando ao Estado a concessão de
honras de Panteão Nacional ao escritor, o que parece recolher pacífica
unanimidade, até porque o repouso dos seus restos mortais tem sido bastante
agitado. Recordemos brevemente as peripécias a que já foram sujeitos: tendo Eça
falecido em Paris, daí teve um funeral até ao Havre, de onde veio de barco até
Lisboa. Na capital teve funeral com honras de Estado desde o Cais das Colunas
até ao cemitério do Alto de S. João, onde ficou num jazigo da família de sua
mulher. Foi então aventada a hipótese de ser encontrada uma sepultura definitiva,
tendo sido proposto o jazigo do pai e do avô no cemitério do Outeirinho, em
Aveiro, perto do solar de Verdemilho, onde viveu na infância. Anos depois
várias personalidades propuseram o Panteão Nacional, nomeadamente o jornalista
António Valdemar, que por tal se bateu até junto da Assembleia da República. Em
1989 foram os restos mortais trasladados para o cemitério de Santa Cruz do
Douro, Baião, perto da Quinta de Vila Nova, sede da Fundação Eça de Queiroz,
onde entretanto tinha sido construído um jazigo de família.
Tendo
entretanto sua mulher Emília de Castro falecido na Granja em 1934 e sido
sepultada no cemitério de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, não foi a sepultura
remida pela família nos anos seguintes, pelo que se perderam as referências aos
seus restos mortais, que por isso não acompanharam os do marido. Tudo leva a
crer que Eça terá um novo funeral, um quinto funeral, situação que lhe
mereceria certamente um texto de profunda reflexão sobre o humano destino após
a morte.
Devido a mais um acaso, uma daquelas curiosidades de que a vida está cheia, se tal se concretizar, desta vez Eça ficará sepultado muito perto do antigo palácio dos condes de Resende em Lisboa, ali por detrás no largo de Santa Clara, atualmente conhecido por Casão Militar, antiga residência dos antepassados de sua mulher, cujas armas ostenta no cunhal voltado para o antigo Hospital da Marinha, à Feira da Ladra. Coincidências.
Curso sobre o Antigo Egito
A partir do Solar Condes de Resende e seguindo o calendário pré-determinado, prossegue o curso sobre o Antigo Egito organizado pela Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ) até agora ministrado por videoconferência. Assim, no dia 28 de novembro, foi a vez da 4.ª sessão sobre «Egiptologia e egiptomania», pelo Prof. Doutor José das Candeias Sales, da Universidade Aberta, e no dia 12 de dezembro a 5.ª sessão sobre «Coleções egípcias em Portugal», pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo. Em janeiro próximo decorrerão a 6.ª sessão no sábado dia 9, de novo com o Prof. Doutor José das Candeias Sales sobre «A arquitetura do Antigo Egito» e no sábado, dia 23, a 7.ª sessão sobre «A arte funerária do Antigo Egito», pelo Prof. Doutor Rogério Sousa. Logo que as condições o permitam o curso regressará à modalidade presencial, ou pelo menos a sessões mistas, com assistência e por videoconferência.
Autores, livros e revistas
No passado dia 15 de outubro esteve para ser lançado no salão nobre da Ordem dos Médicos no Porto o álbum de textos e desenhos sobre a sociedade actual e as suas toleimas intitulado Saponárias, da autoria de Jaime Milheiro (autor) e Joaquim Pinto Vieira (ilustrador), editado pela Cordão de Leitura, o qual deveria ter contado com a presença de Manuel Sobrinho Simões, prefaciador, e de Arnaldo Saraiva como convidado especial. Devido ao agravamento da situação da pandemia a sessão foi adiada para data a indicar. Encontrando-se entretanto já à venda, a obra está a despertar enorme interesse entre aqueles que já a conhecem, não só por ser completamente diferente na forma dos livros habitualmente publicados pelo autor, mas também pelo facto da musicalidade dos seus versos ter sugerido o seu aproveitamento como libreto operático do nosso tempo trágico-cómico.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 148, sexta-feira, 25 de dezembro de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; c.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.
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