Nous sommes tous Samuel!
O título de uma
das crónicas anteriores soa-me agora tristemente trágico. Quando perguntava se
tinha chegado a hora dos historiadores, referia-me à constatação do
reconhecimento que uma boa parte da sociedade parecia começar a ter pela sua
ação profissional, quer na investigação quer no ensino, capaz de revelar aos
seus concidadãos a possível verdade histórica, despida de preconceitos e de
propósitos mistificadores, e assim ajudarem a compreender melhor o nosso
quotidiano repleto de questões longínquas no tempo. Para se perceber melhor
como o ser humano e as sociedades têm evoluído através da entreajuda e da fraternidade
vividas em liberdade, ou pelo contrário, como têm regredido em épocas de
egoísmos, violência e perseguição às diferenças étnicas e filosóficas que os
indivíduos, as tribos e as nações carregam. Quando o papa Francisco proclama na
sua encíclica Fratelli tutti, está a
exprimir, com a santidade que lhe assiste, uma humana vontade de séculos de
luta contra o obscurantismo e a intolerância que os historiadores conhecem
melhor do que ninguém em todos os seus episódios, os quais não escondem nem
devem jamais ser escondidos. Por isso quase sempre os historiadores são
detestados, são perseguidos e são mesmo assassinados pelos intolerantes, os
fanáticos, os que querem só para si uma parte da Humanidade, que só existe
sendo de todos. Por isso há quem lhes prefira os mistificadores do passado.
No passado dia 16 de outubro, nos arredores
de Paris, foi morto um professor do ensino secundário de História e Geografia
de 47 anos, de seu nome Samuel Paty, por um fanático emigrado de 18 anos,
generosamente acolhido em França anos antes. Quais os aparentes motivos? Numa
das suas aulas de Educação Cívica, a 5 de outubro, este professor tinha
abordado a questão da liberdade de expressão e o direito a ser-se ou não
crente, usando, como exemplo, umas caricaturas de Maomé que tinham sido
publicadas no Charlie Hebdo, o jornal
humorista francês atacado por extremistas islâmicos em 2015, do que resultou
então vários mortos entre os caricaturistas presentes na redação. Logo depois o
professor começou a ser insultado nas redes sociais, acabando por ser
assassinado e decapitado perto da escola onde lecionava por um sujeito que não
conhecia de lado nenhum, mas que, veio depois a saber-se, era conivente com uma
rede de pais de alunos que não queriam aquelas aulas de formação cívica e que
espiolhavam as opiniões e as aulas daquele professor. A França e o mundo livre
levantaram-se indignados contra mais este ataque à liberdade de ensino e à
laicidade da escola pública e, no fundo, à liberdade individual e à soberania
da República Francesa. O professor, que assim foi sacrificado por um fanático e
já não poderá dar mais aulas, foi desagravado pelo presidente da República e os
franceses prestam-lhe homenagens, com a solidariedade de muitos historiadores e
professores do mundo livre, a que humildemente nos associamos a esse gigantesco
abraço ao colega assassinado. Se a sua morte em si já foi chocante, os
requintes de malvadez traduzidos na decapitação com uma faca de grande
envergadura ainda a tornaram mais sórdida. E de novo voltou a discussão sobre a
abertura e acolhimento da Europa a fanáticos religiosos que querem ir para o
seu céu fazendo vítimas na Terra.
Ninguém ignora que muitos indivíduos mal formados se acoitam na desculpa religiosa para perpetrarem os seus crimes contra a humanidade. Mas as atitudes tenebrosas não são exclusivas de algumas seitas religiosas. Recentemente, entre 22 e 25 de março, duas jovens algarvias de 19 e de 23 anos com alguma formação profissional e socialmente inseridas - uma era segurança, outra enfermeira - assassinaram barbaramente um jovem seu conhecido que trabalhava no setor hoteleiro para lhe roubarem 70.000 euros que tinha recebido do seguro da morte da mãe que anos antes tinha sido vítima de acidente rodoviário. Depois do seu ato, decapitaram e desmembraram o jovem, tendo distribuído os seus restos mortais por vários sítios do Algarve. Dos dedos que lhe cortaram utilizaram as impressões digitais para desbloquearem o cartão bancário. Toda esta perversidade foi decalcada de um episódio de série policial das muitas que passam nos canais portugueses de televisão, onde o cidadão comum e os seus filhos são permanentemente aliciados para verem filmes de psicopatas, criminosos, traficantes e anormais de todo o género produzidos pela indústria americana do audiovisual e por cá vendidos pelas operadoras de telecomunicações. Mas então qual o “deus” ou que mitologia a desta “religião”, que também tem fanáticos e fundamentalistas e de que estas jovens portuguesas serão devotas? Obviamente o dinheiro, o vale tudo para um enriquecimento rápido e ilícito, certamente associado a outros comportamentos anti-sociais que ninguém terá estranhado, mas que deram nisto, e sem um pingo de humanidade ou de comiseração para com a sua vítima. Estas jovens esconderam o corpo, temendo as consequências do seu ato; o assassino do professor dos arredores de Paris fotografou o resultado do seu hediondo crime e exibiu-o no Twitter. O perigo para a nossa civilização não está pois apenas no fundamentalismo islâmico, pois ele vem de vários quadrantes, de várias crenças, algumas delas pacificamente instaladas em nossas casas à distância de um clique. Será que já estaremos naquela fase social em que marchamos como seres de antigamente «…contentes, sob o estalido do açoite, sem pensar mais e sem mais querer, porque a palavra essencial foi dita, eles são livres, e lá está Xerxes no seu carro de ouro para querer e pensar por eles»? (Eça de Queirós, Cartas de Paris. Ecos de Paris). É que o “eles”, somos nós, os que querem continuar a acreditar na liberdade, igualdade, fraternidade. Os Samuel de todo o mundo livre.
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
A 17 de outubro passado teve início, no Solar Condes de Resende, o curso livre sobre o Antigo Egito, organizado pela Academia Eça de Queirós (AEQ/ASCR-CQ) e pelo Solar Condes de Resende, coordenado pelo egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, docente jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vice-presidente da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana (ASCR-CQ), da Associação de Amizade Portugal-Egito e diretor da Revista de Portugal. Estando previsto que a sessão de abertura tivesse uma palestra sobre «Migrações e integração social: a interculturalidade como fator de coesão», pelo sociólogo Prof. Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, por questões de agenda inadiáveis, como presidente da Câmara Municipal de Gaia, fez-se representar pela vereadora do pelouro da Cultura e da Programação Cultural, Eng.ª Paula Carvalhal, que na ocasião ressaltou a importância destes cursos na vida cultural do município e do próprio Solar. Seguidamente falou o Prof. Doutor José Manuel Tedim, presidente da direcção da ASCR-CQ e da AEQ saudando os presentes e aludindo à excelência destes cursos organizados pelo Solar Condes de Resende desde 1991 e desde 2008 com a colaboração da AEQ, e ainda mais recentemente certificados pelo Ministério da Educação através do Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente (CFAEGN), sendo este o 28.º curso. Em seguida, J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre as alterações ao programa de curso anterior sobre Revoluções & Constituições provocadas pela pandemia, e a forma como serão resolvidas, bem assim como as que poderão ocorrer neste curso que agora começa. Apresentou depois o curriculum académico e a obra publicada do egiptólogo coordenador do curso, dissertando em seguida sobre «O que é que Vila Nova de Gaia terá a ver com o (Antigo) Egito?». No final Carlos Sousa, da direção da ASCR-CQ, referiu-se à plataforma informática do CFAEGN para certificação dos cursos aos alunos inscritos que exercem a docência nos ensinos base e secundário. A palestra anunciada para a abertura será de novo oportunamente agendada. Devido às medidas sanitárias que se prevêem é possível que o calendário deste novo curso também venha a ter várias adaptações.
Aniversário de Eça de Queirós
No próximo dia 21 de novembro não haverá o habitual capítulo da Confraria Queirosiana, comemorativo do 175.º aniversário de Eça de Queirós. Mas para assinalar a efeméride vai decorrer no auditório do Solar Condes de Resende uma sessão evocativa com o lançamento da Revista de Portugal, nova série, n.º 17 que será apresentada pelo seu diretor o egiptólogo Luís Manuel de Araújo.
Autores e livros
Com data de setembro passado acaba de ser publicada pelo Instituto Anglicano de Estudos Teológicos a brochura da autoria de António Manuel S. P. Silva intitulada Igreja Lusitana. Uma Breve História, comemorativa dos 140 anos desta entidade religiosa. Trabalho de divulgação histórica, apresenta a seguinte sequência de capítulos: “Um país sem Reforma com um protestantismo tardio”; “Antecedentes oitocentistas - a matriz anglicana”; “A reforma religiosa no norte do país”; “A fundação da Igreja Lusitana”; “Entre duas revoluções: o longo século XX”; e “Renovação e identidade – A Igreja em busca do seu tempo”, terminando com uma “Orientação bibliográfica” e um “Pequeno glossário”. Tratando-se de uma síntese, muito bem ilustrada, deixa indicações para quem quiser saber mais sobre a instituição.
No passado dia 17 de outubro foi lançado na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia o livro Balanço para o Futuro - Gaia cidade Sustentável e Humanista, coordenado pelo sociólogo e presidente da câmara Eduardo Vítor Rodrigues, com prefácio de Ramos Horta, Prémio Nobel da Paz. Abordando as alterações ocorridas no espaço municipal nos últimos sete anos, este livro pretende aproximar os cidadãos do debate democrático, prestando contas e informando sobre as grandes opções tomadas para o desenho da polis no presente e a estratégia para o desenvolvimento futuro daquele que já é o maior município da Área Metropolitana do Porto, cuja presidência é precisamente ocupada pelo autor. O livro estará á venda nas livrarias e o produto da sua venda reverterá a favor de instituições gaienses que apoiam a terceira idade.
Exposições
Coleção de Arte de Mário Cláudio
Na Cooperativa Árvore no Porto abriu ao público no passado dia 10 de outubro a exposição da coleção de Arte reunida ao longo da vida por esse escritor, que assim encerra as comemorações dos seus 50 anos de vida literária, a qual estará aberta até ao dia 30 deste mês.
Adiamento de curso
e congressos
Devido à situação sanitária do país que
não recomenda nem deslocações nem ajuntamentos, vários têm sido os eventos
culturais, nomeadamente cursos e congressos, que têm sido adiados, entre
outros, a International Heritage Summer
School organizada pelo CITCEM/ Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, com a colaboração das universidades de Santiago de Compostela e de
Florença, dedicada ao Património Cultural, a Paisagem e a Construção de
Identidades Territoriais, a qual decorrerá em Vila Nova de Foz Côa, no Museu do
Côa, e em S. João da Pesqueira, remarcada para 19 a 24 de julho de 2021; também
o Congresso Douro & Porto2020 - Memória & Futuro, organizado pelo
Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, remarcado para 19 a 21 de julho de
2021; e ainda o Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820,
organizado, entre outras instituições, pelo Instituto de História Contemporânea
da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
remarcado para outubro de 2021. Em todos estes acontecimentos estão envolvidos,
como professores ou como conferencistas, vários confrades queirosianos.
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Eça & Outras,
III.ª série, n.º 146, domingo, 25 de outubro de 2020; propriedade dos Amigos do
Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; c.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.
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