Chegou a hora dos historiadores?
No passado dia 17
de agosto o Congresso Nacional do Brasil aprovou a lei que regulamenta o
exercício da profissão de historiador, a qual só pode ser exercida por
«portadores de diploma do curso superior em História, expedido por instituto
regular de ensino» (Art.º 3.º – I), os quais têm como atribuições (Art.º 4.º) o
«I - magistério da disciplina de História…; II - organização de informações
para publicações, exposições e eventos sobre temas de História; III –
planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa
histórica; IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços
de documentação e informação histórica; V – assessoramento voltado à avaliação
e seleção de documentos para fins de preservação; VI – elaboração de pareceres,
relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos»;
(Art.º 5.º) «Para o provimento e exercício de cargos, funções ou empregos de
historiador, é obrigatória a comprovação de registro profissional…»; (Art.º
6.º) «As entidades que prestam serviços em História manterão, em seu quadro de
pessoal ou em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores
legalmente habilitados»; (Art.º 7.º) «o exercício da profissão de Historiador
requer prévio registro perante a autoridade trabalhista competente». Este
diploma, publicado no Diário Oficial, resultou de um parto difícil, pois foi
inicialmente vetado pelo atual presidente da República, o qual, embora se chame
Jair Messias Bolsonaro, não precisará
de ser profeta para adivinhar o que a História dele dirá. Regressado o projeto
de diploma ao Senado voltou a ser votado e desta vez favoravelmente pelo que o
presidente foi obrigado, nos termos da lei e ainda que a contragosto, a
promulgá-lo. É sem dúvida uma grande vitória para os historiadores brasileiros
e, por extensão que se adivinha, para os de todas as nacionalidades dos
PALOP´s, onde, mais tarde ou mais cedo, face ao descalabro existente, a
necessidade da regulamentação da profissão se imporá. A grande mentora deste
regulamento tem sido a ANPUH – Associação Nacional de História do Brasil,
fundada em 1961 e com delegações em todos os estados, a qual representa os
historiadores profissionais das áreas do ensino, arquivo, museologia e
património histórico, e que agora se empenhará na aplicação desta lei. Também desde
17 de dezembro de 2009 que, por decreto-lei, a 19 de agosto se comemora o Dia
do Historiador em homenagem a Joaquim Nabuco (1849-1910), abolicionista e um
dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que nesse dia nasceu em
Pernambuco. Este ano o motivo para festejar foi o estatuto profissional acabado
de publicar, recordando que o historiador é aquele que «veio para ressuscitar o
tempo», como Carlos Drummond de Andrade escreveu num seu poema.
E entretanto em Portugal? Além de não
haver qualquer associação semelhante, mas apenas instituições que, embora se
reclamem da História, têm como sócios muitos indivíduos com outras formações,
profissões e ocupações com as quais, entretanto, se terão zangado ao longo da
vida, achando que podem vir, quantas vezes já na reforma, à profissão de
historiador “fazer uma perninha”, nada contribuindo pois essas associações para
o prestígio do exercício profissional porque na realidade usam a História como
um fait divers decorativo cultural e
social. Até à data apenas os arqueólogos, esses historiadores da cultura
material, talvez pelo facto de terem de lidar no mercado de trabalho com
empreitadas e contratos, despertaram mais cedo para a necessidade da
organização profissional. Tendo sido criada em Lisboa, ainda no século XIX, uma
Real Associação dos Arquitetos Civis e Arqueólogos Portugueses, na época em que
já se sabia que «as ciências históricas são a base fecunda das ciências
sociais» (Eça de Queirós, Prosas Bárbaras),
logo em 1911, com a saída dos arquitetos para associação própria, passou a
denominar-se Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), gerindo o Museu
Arqueológico do Carmo e procurando chamar a atenção para a arqueologia em
Portugal. Mas durante muitos anos não foi seguramente uma associação
profissional, mas sim, tirando algumas exceções, apenas uma agremiação de
amadores de antiguidades. Felizmente hoje já não é assim e esta centenária
instituição tem já uma secção de profissionais da Arqueologia.
Para suprir essa ausência organizativa,
na década de noventa do século passado, no primeiro mestrado em Arqueologia da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto nasceu uma comissão denominada
Pró-APA (Pró-Associação Profissional de Arqueólogos) que após meses de reuniões
e debates em vários locais do país (entre eles o Solar Condes de Resende), em
dezembro de 1992 legalizou esta associação, que viria a prestar um valioso
contributo ao exercício da profissão, publicando um Código de Ética e muitos
outros textos programáticos, graças à notável acção de alguns dos seus então dirigentes,
como António Manuel Silva e Luís Raposo. Passado o testemunho do seu
funcionamento às gerações mais novas, estas não souberam mantê-la. Mas
entretanto foi criado o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia – STARQ, uma
estrutura vertical que engloba não apenas os arqueólogos, mas também os
antropólogos físicos e os técnicos e operários de Arqueologia. Tem pois por
objectivo as questões laborais de todo o setor, não sendo portanto uma
associação profissional.
Neste
momento é este o panorama da falta de organização e de consciência profissional
dos historiadores na atual sociedade portuguesa, frequentemente confundidos com
amadores que invadem as suas atividades ou com profissionais de outras áreas
que as abocanham, por exemplo, encomendas de monografias e de outros estudos
históricos para autarquias ou entidades privadas.
Em
entrevista concedida a João Céu e Silva no Diário
de Notícias de 9 de maio passado, o escritor J. Rentes de Carvalho disse o
seguinte: «Nas universidades e no público os historiadores [portugueses] estão
hoje, o que é um desastre e grande pena, relegados a um lugar menor. Perderam
muito da sua importância e da influência que tinham, as suas opiniões
tornaram-se quase só notas de rodapé que os jornalistas usam quando fingem
querer dar peso ao que escrevem. Há poucos com grande competência e são cada
vez menos os que lhes prestam atenção».
Creio bem que dificilmente se poderia
dizer melhor sobre a actual situação dos historiadores em Portugal. Mas todos
os dias raia uma nova aurora, até neste distraído setor profissional.
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
Juiz Desembargador Jubilado
Dr. António Alberto do Amaral Coutinho Calheiros Lobo
No passado dia 23 de agosto faleceu em Espinho o Juiz Desembargador jubilado Dr. António Alberto do Amaral Coutinho Calheiros Lobo. O ilustre finado desempenhou relevantes cargos ao longo da sua carreira no Ministério da Justiça, tendo passado por diversos tribunais em Portugal, Guiné. Angola e Moçambique, até á sua jubilação como juiz desembargador da Relação do Porto. Além de sócio e confrade dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, era também membro de várias instituições nacionais. As cerimónias fúnebres decorreram hoje, terça-feira dia 25 de agosto, pelas 10 horas da manhã na Igreja Católica de Espinho, tendo-se a Confraria feito representar por vários membros dos corpos gerentes e outros associados e confrades.
Revolução de 24 de Agosto de 1820
Professor Doutor Jorge Fernandes Alves
Passaram ontem, duzentos anos sobre a Revolução Constitucional. O que ela representou para a tentativa de modernização de Portugal e do reassumir da sua posição no concerto das nações está a ser reequacionado por muitos historiadores no aprofundamento de aspectos inéditos, pouco conhecidos ou em trabalhos de síntese. É o caso do Professor Doutor Jorge Fernandes Alves que acaba de publicar no Público um artigo intitulado «De 24 de Agosto à Aurora da Liberdade», e ainda um outro sobre «José Ferreira Borges. Um liberal entre as leis e os exílios» os quais fazem parte de uma série de trabalhos sobre a efeméride intitulada «200 Anos da Revolução Liberal» que este jornal, de que é diretor o jornalista e historiador Manuel Carvalho, publicados entre os dias 15 e 27 deste mês e da autoria de vários historiadores.
Entretanto
irá em breve prosseguir no Solar Condes de Resende o curso livre sobre
Revoluções & Constituições, organizado pela Academia Eça de Queirós da
Confraria Queirosiana, o qual foi interrompido pelo estado de emergência
motivado pela pandemia, faltando apenas duas sessões para a sua conclusão.
Também alguns investigadores do Gabinete de História, Arqueologia e Património da mesma associação têm desenvolvido trabalhos nesta área, alguns já apresentados, outros a serem divulgados em congressos que decorrerão até ao final do ano, bem assim como apresentados em provas académicas.
Observatório do Vinho do Porto
Professor Doutor Carlos Melo Brito
Foi recentemente criado em Vila Nova de Gaia o Observatório do Vinho do Porto que tem como funções a defesa da sua genuinidade e incentivo à sua divulgação e exportação. Dos corpos gerentes fazem parte, entre outros, Albino Jorge da Silva e Sousa, profundo conhecedor do sector, e Carlos de Melo Brito, doutorado em Marketing, vice-reitor da Universidade Portucalense e autor do livro Estrutura e Dinâmica do sectordo Vinho do Porto (1997) entretanto eleito seu presidente. Uma das primeiras acções desta agremiação tem sido a campanha para a reposição do «selo à cavaleiro» no gargalo das garradas pelo qual o IVDP atesta a genuinidade do produto e que várias gerações de consumidores se habituaram a identificar como tal.
Santeiros de S. Mamede do Coronado
Prof. Doutor José Manuel Alves Tedim
No concurso da RTP
sobre as 7 Maravilhas da Cultura Popular estão a participar diversas
candidaturas, entre elas a dos Santeiros de S. Mamede do Coronado, Trofa, que
se evidenciou como uma das mais votadas. Nesta freguesia concentraram-se
durante gerações os escultores de imagens religiosas em madeira, depois
policromadas, existentes em igrejas, santuários e capelas católicas, mas também
em museus e coleções particulares e, um pouco por todo o mundo, onde existem
emigrantes e descendentes de portugueses. Pujante nos séculos XVIII e XIX, esta
actividade tem vindo a decair sobretudo a partir dos anos setenta do século
passado.
O padrinho desta candidatura é o investigador e docente de História da Arte, Prof. Doutor José Manuel Alves Tedim, ele próprio descendente de uma das mais prestigiadas famílias destes criadores de Arte devocional católica. A declaração oficial das 7 Maravilhas da Cultura Popular será feita na RTP1 no dia 3 de setembro.
Doutor Adrião Pereira da Cunha
Em
entrevista ao Diário de Notícias de
25 de junho passado, o Doutor Adrião Pereira da Cunha, autor de Humberto Delgado no Portugal de Salazar.
Porto: Afrontamento, 2018, explicou aos leitores porque, após uma carreira de
décadas a trabalhar em empresas nacionais e internacionais, decidiu aos 65 anos
retomar os seus estudos universitários na Faculdade de Letras da Universidade
do Porto, onde concluiu uma licenciatura, depois o mestrado e o doutoramento em
História Contemporânea, o qual esteve na origem da publicação da obra acima
referida, continuando hoje ligado aos seus centros de investigação. Mas
entretanto também por esta Universidade, entre avós, netos e outros membros da
Família Pereira da Cunha, passaram em tempos recentes dez dos seus membros, que
obtiveram vários graus académicos nas faculdades de Belas Artes, Engenharia,
Letras e Medicina. Nas palavras do entrevistado, a sua experiência e o seu
sucesso deram-lhe a sensação de «como ser jovem outra vez», pois não se sente
com vocação para ser um daqueles «que morreram ontem e não deram fé».
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Eça & Outras,
III.ª série, n.º 144, terça-feira, 25 de agosto de 2020; propriedade dos Amigos
do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 6285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN:
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www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras. blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.
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