Nos 90 anos de
J. Rentes de Carvalho
J. Rentes de Carvalho no Centro Histórico de Gaia em 2018; fotografia de Fátima Teixeira |
No meio do atual
cafarnaum informativo sobre a pandemia apareceram algumas notícias que nos
remetem para fora desse universo mórbido até à náusea em que alguma comunicação
social se transformou. Outras realidades que não surfam apenas na onda do
momento. Uma delas foi o facto de algumas revistas, jornais e blogues se
lembrarem – ou alguém lhes lembrou – que a 15 de maio o escritor J. Rentes de
Carvalho fazia noventa anos lúcidos e rebeldes, como se pode comprovar nas
entrevistas que foram publicadas. Aborrecido por estar ainda na Holanda quando
gostaria de estar já em Estevais do Mogadouro, foi retido pelo encerramento das
fronteiras, pois o seu trajeto entre Amsterdam e Trás-os-Montes ainda é feito
por estrada durante três dias. Um contratempo que não esperava; se adivinhado
teria feito as malas mais cedo.
Não
sei exatamente quantas entrevistas deu, ou quantos textos, fotografias e
comentários o seu aniversário suscitou. Chegou-me às mãos a entrevista
concedida a Vanda Marques da Sábado,
publicada a 7 de maio onde alerta para a possibilidade de aí virem «outras
proibições e impedimentos…porque eles [os políticos] lhe tomaram o gosto,
descobriram que nada põe o Zé Povinho tão depressa de joelhos, calado, sem
vontade de refilar, como o medo da infeção». No dia 9 saiu uma outra conduzida
por João Céu e Silva no Diário de
Notícias, na qual, entre outras abordagens, refere que «por volta dos anos
1960, a nossa literatura deixou de se interessar pelo país e passou a ser a
expressão dos desejos, dos sonhos e das aflições lisboetas, com tudo o que isso
pode ter de mesquinho, pequeno-burguês, de autossatisfação e sobranceria. A
literatura portuguesa não conhece nem se interessa por Portugal… o que espera e
precisa é de um Balzac que aproveite o manancial de personagens bizarros e
exemplares de corrupção, de pulhice, madraçaria, baixeza, falta de vergonha e
maus costumes, que de longe ultrapassam os que antes estiveram no poder.
Verdadeira mina de ouro, merece que um grande talento a saiba aproveitar».
Quando o entrevistador entrou pelas questões mais pessoais, o desassombro não
foi menor: perguntando-lhe, se caso pudesse renascer, o faria como holandês,
respondeu: «acho que não, porque se renascesse holandês iria ter menos razões
para me rebelar, por isso tenho a intenção de recomeçar por Vila Nova de Gaia e
fazer um caminho que, pelo menos, seja tão interessante e variado como este que
percorro há 90 anos».
No
dia 14 de maio o Professor Vítor Serrão publica na sua página do Facebook uma
série de imagens nordestinas, a fotografia do escritor e a capa da recente edição
de “Ernestina”, acompanhadas da seguinte frase de JRC: «a nossa língua é um
extraordinário, melodioso, rico e refinado instrumento que necessita de mais e
melhor atenção», dizendo-o Vitor Serrão «um fabuloso autor de romances,
crónicas e ensaios, na esteira do melhor Eça, senão de Camilo… Autor cáustico,
impulsivo, com uma virulência que não raras vezes nos choca…». Outros sítios,
outros blogues, parabenizaram este nonagenário com quem o vírus, que o rondou,
parece nada ter querido. Ainda bem.
Mas
muito melhor teria sido ir visitá-lo a Estevais, levar-lhe notícias da sua Vila
Nova de Gaia de menino e moço, agora tão deserta de turistas como o Sahara, e
como na primeira vez que aí o visitamos, ficarmos naquele seu pátio a chalrar
sobre as eternidades do momento e as efémeras certezas dos donos das ciências
feitas. Tenho para lhe levar notícias fantásticas destes nossos estranhos dias,
como a da existência de máscaras faciais com pormenores de obras de Arte dos
museus, que também terá visto na Holanda, mas não aquela que vi na cara de uma
jovem que tinha estampada as partes pudendas da Maja desnuda de Goya, que assim a transformou numa temporária Santa
Liberata de milagreira pilosidade facial. Ou contar-lhe da minha convicção de
que a moda feminina deste verão vai já aceitar o triquini, em que a terceira peça será a máscara a condizer com as
outras duas, mas a masculina na próxima primavera-verão 2021 em Paris e
Hong-Kong, em vez da estafada gravata croata, aliás cada vez mais renegada por
estadistas, estilistas e cidadãos comuns, será substituída por máscaras em
seda, veludo ou cheviote colocadas, não nos colarinhos da camisa e muito menos
a tapar a fuça, mas pendurada das orelhas sob o queixo, escondendo barbelas
inoportunas, na melhor afirmação unisex. E tal como se diz da gravata, que os
soldados croatas a usavam como talismã contra os tiros do inimigo, este novo e
inútil adereço de vestuário, se comprado na loja certa, será eficiente contra
mau olhados víricus e outros.
Mas
do que mais falaríamos seria certamente de todos aqueles magos, videntes,
bruxos, feiticeiros. xamãs, corretores de bolsa e de ratings, profetas, adivinhos, curadores de divindades várias,
comentadores políticos, deitadores de cartas e de búzios, manobradores de mesas
pé-de-galo e bolas de cristal, administradores de call centers celestiais, intérpretes de língua marciana, os que
falam com os faraós, e mais alguns outros, que em dezembro passado afirmaram
com o ar mais sério deste mundo que 2020 ia ser o paraíso na terra, e particularmente
em Portugal. Ouvi dizer que, entretanto, corre abaixo-assinado para fazer
queixa à Deco por esta despudorada venda de produto a enganar o consumidor
desprevenido.
Por
fim, na hora da despedida, lá iríamos por vela acesa no busto de Eça, cantando em
gregoriano para que nos ajude a esconjurar estes dias e a acreditar num futuro
que tarda: Deus nobis haec otia fecit in
umbra Lusitaniae pulcherrimae (Foi Deus que nos preparou esta felicidade à
sombra da lindíssima Lusitânia, da Bucólica
de Virgílio, in Eça de Queirós, A
Correspondência de Fradique Mendes).
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
da Confraria Queirosiana
11 Anos de As Artes Entre As Letras
No próximo dia 27 de maio o jornal As Artes Entre As Letras, que já
publicou 140 páginas Eça & Outras, fará 11 anos de existência. Ao contrário
da habitual e festiva sessão que costuma juntar a direcção, conselho editorial,
colaboradores especiais, parceiros institucionais, funcionários e colaboradores
eventuais, assinantes, leitores, interessados e curiosos em volta da diretora Nassalete
Miranda que tem “comandado o barco” com notável sucesso, o qual transformou
esta publicação cultural num veículo de qualidades, afetos e amizades, desta
feita a comemoração será expressa no também habitual número evocativo da
efeméride. Mas haverá mais anos para festejar esta publicação única no Norte do
país. A direcção da associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria
Queirosiana cumprimenta e felicita a sua directora, funcionários e colaboradores,
augurando muitos anos de existência pela frente para esta imprescindível
publicação.
Atividades da ASCR - Confraria Queirosiana
Não tendo, na
realidade, interrompido a sua actividade, mas sido forçada pelas circunstâncias
a adiar as suas ações públicas, observando as recomendações sanitárias em
vigor, a associação vai retomando a sua agenda habitual. Assim, a direcção e a
mesa da assembleia geral reuniram no passado dia 14 de maio, tendo remarcado a
assembleia geral para apresentação do Relatório e Contas de 2019, bem assim
como a assembleia geral eleitoral para os corpos gerentes 2020-2024, para o
próximo dia 30 de junho. Entretanto prosseguem já alguns trabalhos públicos de
acompanhamento arqueológico e de levantamento de Património no Centro Histórico
de Gaia, bem assim como trabalhos de leitura paleográfica oficiosa de
documentos históricos por parte de membros do seu Gabinete de Historia,
Arqueologia e Património. O Solar Condes de Resende deverá em breve abrir ao
público com a observação dos procedimentos adequados devendo então a Confraria
retomar paulatinamente as suas actividades públicas.
Autores &
Livros
Recentemente o Museu de Lamego publicou
o catálogo dedicado ao mecenato artístico da Misericórdia da cidade
(1519-2019), que ficou a perpetuar a exposição temporária com o mesmo título
que ali esteve patente, organizada em parceria com a Santa Casa local que assim
comemorou os seus cinco séculos de existência. Entre vários colaboradores este
catálogo contou com a participação de Nuno Resende, professor da Faculdade
Letras da Universidade do Porto. Esta obra pode ser adquirida por via
electrónica.
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Eça &
Outras, III.ª série, n.º 141, segunda-feira, 25 de maio de 2020; propriedade
dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB:
0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A.
Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral.
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