sábado, 25 de abril de 2020

Eça & Outras, sábado, 25 de Abril de 2020


Não quero a liberdade das gaivotas
Os tempos pandémicos que correm, as preocupações com a saúde individual e coletiva, com o bem-estar e o futuro imediato, e até o temor da morte a despropósito para cada um, levam-nos ao reequacionar do nosso papel na sociedade e perante nós próprios. Se isso terá consequências e para onde se moverá a agulha da bússola do pensamento e do comportamento, só o tempo o dirá e todo o lançar de búzios de adivinhação será exercício inútil, até porque os países e povos ainda demorarão a recuperar da estupefação que neles criou a arrogância civilizacional da sociedade contemporânea que não estava preparada para se confrontar com uma epidemia viral no nosso tempo, como se ainda estivéssemos no século XIX. Depois de Pasteur, Koch, e dúzias de prémios Nobel em virologia e imunologia ao longo do século XX, da OMS, do SNS e de todos os seguros de Saúde, realmente não dava para acreditar que ela um dia viesse, não obstante as gripes anuais cada vez mais agressivas. E, no entanto, ela aí está. Supostamente tal não devia surpreender-nos se soubéssemos mais um pouco de Biologia e de História. Os vírus e outros microrganismos sempre estiveram aí e com eles, mais do que com as armas de fogo, nós europeus já destruímos, ainda que inconscientemente, civilizações na América do Norte, Centro e Sul e depois disso os estadunidenses no Hawai e outros colonialistas noutras paragens. Como fazem parte da vida e de uma certa maneira de encarar o mundo os vírus e as políticas coloniais vão continuar a existir. E, além do mais, são mutantes. Por isso, acabada a estupefação, preparemo-nos para com eles conviver mais a miúdo. É que a nossa liberdade vai passar por aí, até porque todos os governos terão tendência para administrarem os seus efeitos em proveito das sociedades que representam e não da Humanidade como um todo.
       Nesta hora os profissionais da Saúde, médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica, bem assim como as forças de segurança e militares, foram chamadas ao cumprimento dos seus deveres profissionais. Nos laboratórios os biólogos preparam a cura e a vacina. A indústria farmacêutica investe milhões esperando o exponencial retorno. Aguardemos pois e defendamo-nos, não apenas do vírus, mas também das suas más consequências.
     Mas para procurar passar estes dias com alguma esperança, para além daqueles profissionais para o combate imediato, é aos da cultura que recorremos, não tanto no exercício na hora, mas aos armazéns de conteúdos que eles foram enchendo com as suas produções durante séculos, na maior parte dos casos deixando o proveito para outros, e agora muito mais disponíveis do que os produtos de consumo nas prateleiras dos supermercados. Ele é assim com os historiadores, os filósofos, os ficcionistas, os poetas, os compositores, que sempre poderemos revisitar, reler, discutir. E também com os músicos, atores, bailarinos e outros intérpretes, que sempre poderemos ver e ouvir a protagonizar obras efémeras ou clássicas. As novas tecnologias permitem-nos visitar com segurança e de imediato os arquitetos, os escultores, os artistas plásticos de outros tempos. Os do nosso terão de esperar para ver “se ficam”. E esta facilidade é um dado novo que não existia nas epidemias do passado, onde tal só era possível a muito poucos e de forma restrita e classista. Neste, e noutros casos, a vida humana tem efetivamente melhorado.
    Remetidos nestes dias a um confinamento doméstico ou hospitalar, voluntário ou imposto, não será por acaso que uma das questões que mais se discute é a da liberdade individual e coletiva em volta das comemorações do 25 de Abril, acontecimento militar, político, social e cultural a caminho do meio século de existência, do qual hoje os protagonistas terão em média setenta anos e os mais jovens uma vaga ideia. E tal traz-me à memória uma famosa canção da época chamada “Somos livres” ou “A gaivota, voava, voava”, da autoria e interpretação de Ermelinda Duarte, com arranjos de José Cid. Ela será muito mais um espelho das contradições dos conceitos de liberdade que desde então se vivem do que aquilo que parece, e também da forma empírica e literária, leia-se não crítica e pouco científica, de como tais conceitos foram equacionados desde então para cá. Sempre achei estranho como é que esta cançoneta escolheu como símbolo da Liberdade uma gaivota parasita, uma praga urbana com asas, que se alimenta nas lixeiras, que destrói os ovos e os juvenis de várias espécies marinhas e outras, cujos excrementos são perigosos para a saúde pública e que causa prejuízos em edifícios e dá despesa no seu controle para que as outras espécies de aves marinhas possam ter direito à existência. Provavelmente a autora e quem a promoveu, na euforia do momento, para além de não perceberem nada de gaivotas também não perguntaram a quem sabia, tendo preferido o empirismo literário (não é caso único na Literatura Portuguesa do século XX) e tanto eles como os professores das escolas que punham os meninos a cantá-la, ficaram-se pelo ritmo, pelas boas intenções da letra, pela onda do momento e pelo devaneio poético que nem a vida, nem a ciência, sancionam. Não posso pois, com a arma da minha escrita, pelo menos em nome do conhecimento, deixar de abater esta e outras gaivotas que não quero como símbolos parasitários de uma Liberdade que custou a vida e o bem-estar a muitos que, quantas vezes, nem tiveram tempo para trautear qualquer canção de embalo ou de combate.
Sendo eu um cidadão comum, sobre estas coisas apetece-me apenas lembrar o que alguém também escreveu: «Não sendo pois um sábio, nem um filósofo, não posso con­correr para o melhoramento dos meus semelhantes - nem acrescendo-lhes o bem estar por meio da ciência, que é urna produtora de riqueza, nem elevando­-lhes o bem sentir por meio da metafísica que é uma inspiradora de poesia. ( ... ) Só me resta ser, através das ideias e dos factos, um homem que passa, infinita­mente curioso e atento.» (Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes). E por isso a mim não me apraz a liberdade das gaivotas, ainda que estética e poéticamente sedutora. Não me peçam pois para cantar “A Gaivota” parasita cuja liberdade é o prejuízo da dos outros, nós humanos incluídos.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana


Dias Mundiais
    Diversas entidades têm promovido a celebração de dias mundiais, na presente situação através de videoconferências e outros processos audiovisuais, irmanando a Humanidade em ideias e projetos comuns. Assim, no dia 21 de abril foi o Dia Mundial da Terra, que a ONU-Portugal divulgou com um discurso do secretário-geral Eng.º António Guterres sobre as grandes tarefas que os povos têm pela frente na gestão sustentada do planeta; no passado dia 23 foi o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, em Portugal promovido pela Sociedade Portuguesa de Autores.
    No próximo dia 5 de maio será o Dia Mundial da Língua Portuguesa, promovido entre nós pelo Instituto Camões e por outras entidades em todo o mundo lusófono. Para este dia a Confraria Queirosiana recomenda a releitura ou a descoberta do conto S. Cristóvão de Eça de Queirós um hino em admirável prosa à superação das grilhetas que para muitos começam logo no nascimento e depois arrastam pela vida fora, sem se deixarem abater.



Villa Portela – Leiria
     Situada no centro de Leiria, cidade queirosiana por excelência, a Villa Portela foi adquirida pelo município em 2017 e classificada como imóvel de interesse municipal. A sua descrição e história foram contados no livro com o mesmo título, da autoria de Ana Margarida Portela, Francisco Queiroz e Ricardo Charters d’ Azevedo, com o subtítulo “Os Charters d’ Azevedo em Leiria e as suas ligações familiares (século XIX)”, editado em 2007 pela Gradiva. Por recente deliberação da câmara, o edifício e os seus jardins, vão ser objeto de obras de beneficiação para a sua adaptação a equipamento público cultural polivalente.
    Curiosamente esta casa e família estão ligadas a Vila Nova de Gaia através do segundo casamento do conselheiro José de Almeida Cardoso (1820-1891), negociante e filantropo da Casa da Fervença na rua do Pilar, no Centro Histórico de Gaia, esta outra à espera de melhores dias.



Atividades da ASCR - Confraria Queirosiana

      Nas atuais condições de confinamento, a direção da associação cultural sem fina lucrativos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana continua a atender os seus associados por telefone, e-mail ou outros meios não presenciais, encontrando-se a reequacionar toda a programação em curso ou previstas para 2020-2024. Como foi divulgado, foi temporariamente suspensa a assembleia geral ordinária para apresentação do Relatório e Contas de 2019 e Programa de Atividades e Orçamento para 2020, bem assim como a assembleia eleitoral para os novos corpos gerentes entre 2020 e 2024, as quais serão realizadas logo que as condições o permitam.
       Entretanto, são as seguintes as atividades em curso ou em reapreciação:
         1 - Atividades gestionárias da associação: continuação da atividade de secretaria, tesouraria e contabilidade; gestão do Bar e da Loja; assinatura de contratos para projetos em curso; adaptação dos Estatutos para obtenção do Estatuto de Utilidade Publica; projeto dos sócios juvenis; relações com o Brasil; relações com diversas entidades protocoladas e reequacionamento do capítulo anual; retoma de distribuição seletiva de publicações para venda e vendas online.
         2 – Solar Condes de Resende: prevendo a sua reabertura logo que as condições o permitam, a direção reequaciona o apoio às suas atividades. Para tal vai solicitar um novo refinanciamento do projeto dos investigadores-tarefeiros (que não deixaram de trabalhar na presente conjuntura de encerramento ao público na investigação sobe História e Património de Vila Nova de Gaia), para que continuem a assegurar a abertura dos serviços do Solar aos sábados domingos e feriados e outros horários, a fazer visitas guiadas e a prosseguir naquela investigação com divulgação de resultados. Continuação dos cursos livres, nomeadamente “Revoluções & Constituições (2019-2020)”, (do qual faltam duas aulas para terminar); um outro sobre o Antigo Egito (2020/2021), que deverá começar em Outubro; um outro de pequena duração sobre “Azulejaria de fachada” em data a anunciar, continuando em preparação um curso sobre Artes Sacras para 2021-2022. O grupo cantante Eça Bem Dito deverá retomar os ensaios logo que possível com reforço dos seus componentes; a Feira das Novidades poderá regressar no S. Martinho e no Natal; deverá ser retomado o curso de Pintura com a professora Paula Alves. Está em preparação o Salon d’ Automne 2020 (exposição coletiva de sócios) a realizar em novembro e um primeiro Salon du Printemps 2021 (exposição individual e antológica); continuação do funcionamento do Bar e da Loja do Solar; da colaboração com a permuta de publicações com instituições portuguesas e estrangeiras por parte do Solar através da Revista de Portugal e outras publicações editadas pela ASCR-CQ.
      3 – Meios multimédia: reequacionamento da utilização, nomeadamente os seguintes sítios, blogues e páginas: eca-e-outras.blogspot.com; academiaecadequeiros.blogspot.com; wwwqueirosiana.pt e ASCR Confraria Queirosiana facebook; contatos com a Comunicação Social internacional, nacional, regional e local.
        4 - Publicações e edições: Revista de Portugal, n.º 17 (2020); catálogo do Salon d’ Automne 2020; Página Eça & Outras, depois publicada no jornal As Artes Entre As Letras; retoma da publicação da revista Gaya, segunda série; outras edições de acordo com os objetivos da associação.
        5 – Roteiros Queirosianos: continuação do seu estudo e divulgação, e, sempre que possível com viagens guiadas organizadas, ao Roteiro do Egito e Próximo Oriente e roteiros queirosianos em Portugal e Europa.
      6 – Projetos profissionais: sendo uma associação que reúne todos os tipos de profissionais e tendo várias equipas de trabalho, não admira que, de acordo com os Estatutos, lhe sejam cometidos diversos trabalhos que funcionam também como uma fonte de financiamento da própria associação. Assim estão em execução o projeto PACUG (Património Cultural de Gaia), patrocinado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, o qual reúne uma vasta equipa de profissionais das áreas de História, Arqueologia, História da Arte, Antropologia, Geografia, Ciências do Ambiente, Património e outras, que estão a realizar a publicação de 10 volumes, do qual já saiu o de Património Humano, está para sair o de Património de Gaia no Mundo e a que outros se seguirão. Também o Gabinete de História, Arqueologia e Património (GHAP) está empenhado em vários projetos de acompanhamento arqueológico para a Gaiurb, nomeadamente no Castelo de Gaia, na capela do Senhor d’ Além, e na Avenida Diogo Leite. O projeto sobre Hotéis Queirosianos tem prontos para publicação dois livros sobre um hotel em Sintra e outro no Porto. Tem igualmente procedido à satisfação de encomendas de transcrição paleográfica de documentos históricos para diversos fins.
       7 - Outros projetos: o GHAP e a Academia Eça de Queirós continuam a dar apoio à concretização de diversas dissertações de mestrado e teses de doutoramento, nomeadamente sobre Eça de Queirós, a Geração de 70, e outros temas queirosianos; está em estudo a concretização de um projeto de estudo, conservação e divulgação da Coleção de Cartazes Rocha/Artes Gráficas, sobre a qual será feito um protocolo no próximo capítulo com a entidade proprietária; está em estudo a realização de uma Exposição de chapéus da fábrica Costa Larga; a associação continua empenhada em participar nas Comemorações Magalhãnicas, nas da Revolução de 1820 e nas da Extinção da Inquisição em Portugal (2021).

Autores, Livros e Revistas


        
         Enquanto não aparecem no mercado novos livros e revistas com novos estudos e artigos dos nossos amigos e confrades, e bem no dia de hoje, 25 de Abril de 2020, porque não voltar a ler Portugal. A Flor e a Foice, de J. Rentes de Carvalho, que na edição de 2014, a primeira que se publicou em língua portuguesa, tem escrito na capa: «Um olhar heterodoxo sobre os dias da Revolução». E sobre o que se lhe seguiu, pois então. Começando por uma revisitação do que era a doutrinação dos portugueses na escola primária e nos liceus do Estado Novo, onde se ministrava uma História de Portugal mitológica e infantilizada, o autor conta com inegável ironia e preocupação o que foi a sua observação direta dos acontecimentos revolucionários de 1974/1975 e de como neles uma apressada negação da herança estadonovista, sem grande ponderação nem preparação dos novos protagonistas, levaram ao aparecimento rápido de novos mitos e novas ilusões coletivas. O autor, que no próximo dia 15 de Maio fará noventa anos que nasceu em Vila Nova de Gaia, assume-se como um discípulo tardio de Eça de Queirós, continuando a viver entre Amsterdam e Estevais do Mogadouro, agora temporariamente retido na Holanda pela pandemia.


D. Nondina de Castro

Falecimento
       No passado dia 5 de Abril faleceu com 100 anos D. Nondina de Castro, nascida a 6 de agosto de 1919 na família dos Condes de Resende e de Eça de Queirós, pois foi casada com um sobrinho-neto da mulher do escritor. Enquanto a vida lhe permitiu era visita assídua do Solar Condes de Resende, sócia e confrade da ASCR – Confraria Queirosiana e presença regular nos seus capítulos gerais.
        À Família a direção apresenta as suas condolências.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 140, sábado, 25 de abril de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio Santos.

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