Não
quero a liberdade das gaivotas
Os tempos
pandémicos que correm, as preocupações com a saúde individual e coletiva, com o
bem-estar e o futuro imediato, e até o temor da morte a despropósito para cada
um, levam-nos ao reequacionar do nosso papel na sociedade e perante nós
próprios. Se isso terá consequências e para onde se moverá a agulha da bússola
do pensamento e do comportamento, só o tempo o dirá e todo o lançar de búzios
de adivinhação será exercício inútil, até porque os países e povos ainda
demorarão a recuperar da estupefação que neles criou a arrogância civilizacional
da sociedade contemporânea que não estava preparada para se confrontar com uma
epidemia viral no nosso tempo, como se ainda estivéssemos no século XIX. Depois
de Pasteur, Koch, e dúzias de prémios Nobel em virologia e imunologia ao longo
do século XX, da OMS, do SNS e de todos os seguros de Saúde, realmente não dava
para acreditar que ela um dia viesse, não obstante as gripes anuais cada vez
mais agressivas. E, no entanto, ela aí está. Supostamente tal não devia
surpreender-nos se soubéssemos mais um pouco de Biologia e de História. Os
vírus e outros microrganismos sempre estiveram aí e com eles, mais do que com
as armas de fogo, nós europeus já destruímos, ainda que inconscientemente, civilizações
na América do Norte, Centro e Sul e depois disso os estadunidenses no Hawai e
outros colonialistas noutras paragens. Como fazem parte da vida e de uma certa
maneira de encarar o mundo os vírus e as políticas coloniais vão continuar a
existir. E, além do mais, são mutantes. Por isso, acabada a estupefação,
preparemo-nos para com eles conviver mais a miúdo. É que a nossa liberdade vai
passar por aí, até porque todos os governos terão tendência para administrarem
os seus efeitos em proveito das sociedades que representam e não da Humanidade
como um todo.
Nesta hora os profissionais da Saúde,
médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica, bem assim como as
forças de segurança e militares, foram chamadas ao cumprimento dos seus deveres
profissionais. Nos laboratórios os biólogos preparam a cura e a vacina. A
indústria farmacêutica investe milhões esperando o exponencial retorno.
Aguardemos pois e defendamo-nos, não apenas do vírus, mas também das suas más
consequências.
Mas para procurar passar estes dias com
alguma esperança, para além daqueles profissionais para o combate imediato, é
aos da cultura que recorremos, não tanto no exercício na hora, mas aos armazéns
de conteúdos que eles foram enchendo com as suas produções durante séculos, na
maior parte dos casos deixando o proveito para outros, e agora muito mais
disponíveis do que os produtos de consumo nas prateleiras dos supermercados.
Ele é assim com os historiadores, os filósofos, os ficcionistas, os poetas, os
compositores, que sempre poderemos revisitar, reler, discutir. E também com os
músicos, atores, bailarinos e outros intérpretes, que sempre poderemos ver e
ouvir a protagonizar obras efémeras ou clássicas. As novas tecnologias permitem-nos
visitar com segurança e de imediato os arquitetos, os escultores, os artistas
plásticos de outros tempos. Os do nosso terão de esperar para ver “se ficam”. E
esta facilidade é um dado novo que não existia nas epidemias do passado, onde
tal só era possível a muito poucos e de forma restrita e classista. Neste, e
noutros casos, a vida humana tem efetivamente melhorado.
Remetidos nestes dias a um confinamento
doméstico ou hospitalar, voluntário ou imposto, não será por acaso que uma das
questões que mais se discute é a da liberdade individual e coletiva em volta
das comemorações do 25 de Abril, acontecimento militar, político, social e
cultural a caminho do meio século de existência, do qual hoje os protagonistas
terão em média setenta anos e os mais jovens uma vaga ideia. E tal traz-me à
memória uma famosa canção da época chamada “Somos livres” ou “A gaivota, voava,
voava”, da autoria e interpretação de Ermelinda Duarte, com arranjos de José
Cid. Ela será muito mais um espelho das contradições dos conceitos de liberdade
que desde então se vivem do que aquilo que parece, e também da forma empírica e
literária, leia-se não crítica e pouco científica, de como tais conceitos foram
equacionados desde então para cá. Sempre achei estranho como é que esta cançoneta
escolheu como símbolo da Liberdade uma gaivota parasita, uma praga urbana com
asas, que se alimenta nas lixeiras, que destrói os ovos e os juvenis de várias
espécies marinhas e outras, cujos excrementos são perigosos para a saúde
pública e que causa prejuízos em edifícios e dá despesa no seu controle para
que as outras espécies de aves marinhas possam ter direito à existência.
Provavelmente a autora e quem a promoveu, na euforia do momento, para além de
não perceberem nada de gaivotas também não perguntaram a quem sabia, tendo
preferido o empirismo literário (não é caso único na Literatura Portuguesa do
século XX) e tanto eles como os professores das escolas que punham os meninos a
cantá-la, ficaram-se pelo ritmo, pelas boas intenções da letra, pela onda do
momento e pelo devaneio poético que nem a vida, nem a ciência, sancionam. Não
posso pois, com a arma da minha escrita, pelo menos em nome do conhecimento, deixar
de abater esta e outras gaivotas que não quero como símbolos parasitários de
uma Liberdade que custou a vida e o bem-estar a muitos que, quantas vezes, nem
tiveram tempo para trautear qualquer canção de embalo ou de combate.
Sendo eu um cidadão comum, sobre estas coisas
apetece-me apenas lembrar o que alguém também escreveu: «Não sendo pois um
sábio, nem um filósofo, não posso concorrer para o melhoramento dos meus semelhantes -
nem acrescendo-lhes o bem estar por meio da
ciência, que é urna produtora de riqueza, nem elevando-lhes o bem sentir por meio da metafísica que é uma inspiradora de
poesia. ( ... ) Só me resta ser,
através das ideias e dos factos, um homem que passa, infinitamente
curioso e atento.» (Eça de Queirós, A Correspondência
de Fradique Mendes). E por isso a mim não me apraz a liberdade das gaivotas,
ainda que estética e poéticamente sedutora. Não me peçam pois para cantar “A
Gaivota” parasita cuja liberdade é o prejuízo da dos outros, nós humanos
incluídos.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da
Confraria Queirosiana
Dias
Mundiais
Diversas entidades têm promovido a
celebração de dias mundiais, na presente situação através de videoconferências
e outros processos audiovisuais, irmanando a Humanidade em ideias e projetos
comuns. Assim, no dia 21 de abril foi o Dia Mundial da Terra, que a
ONU-Portugal divulgou com um discurso do secretário-geral Eng.º António
Guterres sobre as grandes tarefas que os povos têm pela frente na gestão
sustentada do planeta; no passado dia 23 foi o Dia Mundial do Livro e dos Direitos
de Autor, em Portugal promovido pela Sociedade Portuguesa de Autores.
No próximo dia 5 de maio será o Dia
Mundial da Língua Portuguesa, promovido entre nós pelo Instituto Camões e por
outras entidades em todo o mundo lusófono. Para este dia a Confraria
Queirosiana recomenda a releitura ou a descoberta do conto S. Cristóvão de Eça
de Queirós um hino em admirável prosa à superação das grilhetas que para muitos
começam logo no nascimento e depois arrastam pela vida fora, sem se deixarem
abater.
Villa
Portela – Leiria
Situada no centro de Leiria, cidade
queirosiana por excelência, a Villa Portela foi adquirida pelo município em
2017 e classificada como imóvel de interesse municipal. A sua descrição e
história foram contados no livro com o mesmo título, da autoria de Ana
Margarida Portela, Francisco Queiroz e Ricardo Charters d’ Azevedo, com o subtítulo
“Os Charters d’ Azevedo em Leiria e as suas ligações familiares (século XIX)”,
editado em 2007 pela Gradiva. Por recente deliberação da câmara, o edifício e
os seus jardins, vão ser objeto de obras de beneficiação para a sua adaptação a
equipamento público cultural polivalente.
Curiosamente esta casa e família estão
ligadas a Vila Nova de Gaia através do segundo casamento do conselheiro José de
Almeida Cardoso (1820-1891), negociante e filantropo da Casa da Fervença na rua
do Pilar, no Centro Histórico de Gaia, esta outra à espera de melhores dias.
Atividades
da ASCR - Confraria Queirosiana
Nas atuais condições de confinamento, a
direção da associação cultural sem fina lucrativos Amigos do Solar Condes de
Resende – Confraria Queirosiana continua a atender os seus associados por
telefone, e-mail ou outros meios não presenciais, encontrando-se a reequacionar
toda a programação em curso ou previstas para 2020-2024. Como foi divulgado,
foi temporariamente suspensa a assembleia geral ordinária para apresentação do
Relatório e Contas de 2019 e Programa de Atividades e Orçamento para 2020, bem
assim como a assembleia eleitoral para os novos corpos gerentes entre 2020 e
2024, as quais serão realizadas logo que as condições o permitam.
Entretanto, são as seguintes as
atividades em curso ou em reapreciação:
1 - Atividades
gestionárias da associação: continuação da atividade de secretaria,
tesouraria e contabilidade; gestão do Bar e da Loja; assinatura de contratos
para projetos em curso; adaptação dos Estatutos para obtenção do Estatuto de
Utilidade Publica; projeto dos sócios juvenis; relações com o Brasil; relações
com diversas entidades protocoladas e reequacionamento do capítulo anual;
retoma de distribuição seletiva de publicações para venda e vendas online.
2 – Solar
Condes de Resende: prevendo a sua reabertura logo que as condições o
permitam, a direção reequaciona o apoio às suas atividades. Para tal vai
solicitar um novo refinanciamento do projeto dos investigadores-tarefeiros (que
não deixaram de trabalhar na presente conjuntura de encerramento ao público na investigação
sobe História e Património de Vila Nova de Gaia), para que continuem a
assegurar a abertura dos serviços do Solar aos sábados domingos e feriados e
outros horários, a fazer visitas guiadas e a prosseguir naquela investigação
com divulgação de resultados. Continuação dos cursos livres, nomeadamente “Revoluções
& Constituições (2019-2020)”, (do qual faltam duas aulas para terminar); um
outro sobre o Antigo Egito (2020/2021), que deverá começar em Outubro; um outro
de pequena duração sobre “Azulejaria de fachada” em data a anunciar,
continuando em preparação um curso sobre Artes Sacras para 2021-2022. O grupo
cantante Eça Bem Dito deverá retomar os ensaios logo que possível com reforço
dos seus componentes; a Feira das Novidades poderá regressar no S. Martinho e
no Natal; deverá ser retomado o curso de Pintura com a professora Paula Alves.
Está em preparação o Salon d’ Automne
2020 (exposição coletiva de sócios) a realizar em novembro e um primeiro Salon du Printemps 2021 (exposição
individual e antológica); continuação do funcionamento do Bar e da Loja do
Solar; da colaboração com a permuta de publicações com instituições portuguesas
e estrangeiras por parte do Solar através da Revista de Portugal e outras
publicações editadas pela ASCR-CQ.
3 – Meios multimédia: reequacionamento da utilização, nomeadamente os
seguintes sítios, blogues e páginas: eca-e-outras.blogspot.com; academiaecadequeiros.blogspot.com;
wwwqueirosiana.pt e ASCR Confraria Queirosiana facebook; contatos com a
Comunicação Social internacional, nacional, regional e local.
4 - Publicações e edições: Revista
de Portugal, n.º 17 (2020); catálogo do Salon
d’ Automne 2020; Página Eça & Outras, depois publicada no jornal As Artes Entre As Letras; retoma da
publicação da revista Gaya, segunda série; outras edições de acordo com os
objetivos da associação.
5 – Roteiros Queirosianos: continuação do seu estudo e divulgação, e,
sempre que possível com viagens guiadas organizadas, ao Roteiro do Egito e
Próximo Oriente e roteiros queirosianos em Portugal e Europa.
6 – Projetos
profissionais: sendo uma associação que reúne todos os tipos de
profissionais e tendo várias equipas de trabalho, não admira que, de acordo com
os Estatutos, lhe sejam cometidos diversos trabalhos que funcionam também como
uma fonte de financiamento da própria associação. Assim estão em execução o projeto
PACUG (Património Cultural de Gaia), patrocinado pela Câmara Municipal de Vila
Nova de Gaia, o qual reúne uma vasta equipa de profissionais das áreas de
História, Arqueologia, História da Arte, Antropologia, Geografia, Ciências do
Ambiente, Património e outras, que estão a realizar a publicação de 10 volumes,
do qual já saiu o de Património Humano, está para sair o de Património de Gaia
no Mundo e a que outros se seguirão. Também o Gabinete de História, Arqueologia
e Património (GHAP) está empenhado em vários projetos de acompanhamento
arqueológico para a Gaiurb, nomeadamente no Castelo de Gaia, na capela do Senhor
d’ Além, e na Avenida Diogo Leite. O projeto sobre Hotéis Queirosianos tem
prontos para publicação dois livros sobre um hotel em Sintra e outro no Porto.
Tem igualmente procedido à satisfação de encomendas de transcrição paleográfica
de documentos históricos para diversos fins.
7 - Outros projetos: o GHAP e a Academia Eça de Queirós continuam a dar
apoio à concretização de diversas dissertações de mestrado e teses de
doutoramento, nomeadamente sobre Eça de Queirós, a Geração de 70, e outros
temas queirosianos; está em estudo a concretização de um projeto de estudo,
conservação e divulgação da Coleção de Cartazes Rocha/Artes Gráficas, sobre a
qual será feito um protocolo no próximo capítulo com a entidade proprietária;
está em estudo a realização de uma Exposição de chapéus da fábrica Costa Larga;
a associação continua empenhada em participar nas Comemorações Magalhãnicas, nas
da Revolução de 1820 e nas da Extinção da Inquisição em Portugal (2021).
Autores,
Livros e Revistas
Enquanto não aparecem no mercado novos
livros e revistas com novos estudos e artigos dos nossos amigos e confrades, e
bem no dia de hoje, 25 de Abril de 2020, porque não voltar a ler Portugal. A Flor e a Foice, de J. Rentes
de Carvalho, que na edição de 2014, a primeira que se publicou em língua portuguesa,
tem escrito na capa: «Um olhar heterodoxo sobre os dias da Revolução». E sobre
o que se lhe seguiu, pois então. Começando por uma revisitação do que era a
doutrinação dos portugueses na escola primária e nos liceus do Estado Novo,
onde se ministrava uma História de Portugal mitológica e infantilizada, o autor
conta com inegável ironia e preocupação o que foi a sua observação direta dos
acontecimentos revolucionários de 1974/1975 e de como neles uma apressada
negação da herança estadonovista, sem grande ponderação nem preparação dos
novos protagonistas, levaram ao aparecimento rápido de novos mitos e novas
ilusões coletivas. O autor, que no próximo dia 15 de Maio fará noventa anos que
nasceu em Vila Nova de Gaia, assume-se como um discípulo tardio de Eça de
Queirós, continuando a viver entre Amsterdam e Estevais do Mogadouro, agora
temporariamente retido na Holanda pela pandemia.
D. Nondina de Castro
Falecimento
No passado dia 5 de Abril faleceu com
100 anos D. Nondina de Castro, nascida a 6 de agosto de 1919 na família dos
Condes de Resende e de Eça de Queirós, pois foi casada com um sobrinho-neto da
mulher do escritor. Enquanto a vida lhe permitiu era visita assídua do Solar
Condes de Resende, sócia e confrade da ASCR – Confraria Queirosiana e presença
regular nos seus capítulos gerais.
À Família a direção apresenta as suas
condolências.
____________________________________________________________.
Eça
& Outras, III.ª série, n.º 140, sábado, 25 de abril de 2020; propriedade
dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB:
0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio Santos.
Sem comentários:
Enviar um comentário