A Arte está na rua
Nos últimos
tempos pode dizer-se que a Arte está a ser debatida na praça pública. Ainda
bem. Não é assunto menor, ou escusado, e tem muito mais interesse do que muitos
outros que suscitam paixões efémeras na “opinião pública”. Recordemos o já
sabido: a arte (vamos lá por a maiúscula para dar credibilidade à divagação…) a
Arte é um devaneio muito antigo do sapiens;
alguns outros animais têm manifestações comportamentais idênticas mas, se não
teorizam sobre elas, também as suas obras não vão à praça por milhares ou
milhões. Querem exemplos: as “instalações” vegetalistas dos castores, de
fazerem inveja a um Alberto Carneiro; o croché de muitos ninhos de tantas
joanas vasconcelos com penas e asas verdadeiras; os gigantescos formigueiros de
barro de milhares de artistas da classe insecta,
enfim, se quiserem ver mais vão à mãe-natureza e perguntem-se porque é que
outros mamíferos, aves e insetos também capricham na utilização artística de
materiais nas suas variadas formas, quando para a função imediata podiam gastar
muito menos calorias. Alguns, sabe-se já, é apenas para impressionarem a fêmea,
ou o macho, e garantirem descendência em melhores condições na competição da
sobrevivência. Uns animalescos primários, obviamente atrasados na Teoria da
Evolução. No que à humana Arte diz respeito podemos também teorizar sobre as
suas componentes e a sua grande dose de inutilidade prática, quase sempre
disfarçada, no caso da Arte do passado, por uma maciça incorporação de saber
fazer ou maestria oficinal nas suas manifestações, o que a Arte Contemporânea
tinha vindo a dispensar, até que, curiosamente, alguma da Street Art agora recupera. Ou também pelo recurso a uma
indispensável presença da simbologia, as mais das vezes tão particular que só o
próprio artista (chamemos ainda assim ao seu fazedor, que tem agora horror a
que lhe chamem pintor, ou escultor…) a “compreende”, ou inventa para ela
“compreensões” de “difícil” entendimento para os demais. Muitos destes, para
não passarem por ignorantes, iconoclastas, rústicos, démodés, ou pior, apressam-se a extasiar-se perante “a obra”,
abanando a cabeça com ar sério e entendido face às hilariantes legendas, que bem
poderiam dizer simplesmente o seguinte: «o artista Tal, do alto da sua montanha,
diz que isto é uma Obra de Arte; tu, cidadão comum, na pequenez das tuas
incapacidades intelectuais, ainda que a não entendas, ou mesmo – oh suprema
heresia – a aches um desperdício completamente inútil, deves prostrar-te
perante ela e adorá-la como tal, deixando a sua magnificência (aparente ou
subjectiva) esmagar as tuas dúvidas».
Não
nos esqueçamos nunca que a tal Arte vale, pelo menos, a despesa dos subsídios concedidos
à organização que a fotografa, carrega, transporta, expõe, divulga, e a
consequente remuneração de carregadores, motoristas, empregados de limpeza,
eletricistas, fotógrafos, curadores, texteiros, jornalistas, seguradoras,
seguranças, banqueiros… Estes últimos, quando a adquirem, atribuem-lhe um preço
que lhes dá jeito para inflacionar junto das instituições de controlo da bondade
capitalista os pseudo-ativos dos seus bancos, enquanto apostam os seus saldos
verdadeiros em operações especulativas ou fraudulentas. E de um coleccionador
de tralha a um “entendido” em Arte, às vezes vai apenas um pequeno passo. Se no
inventário da colecção do banco diz que um rail ferrugento mandado entortar “artisticamente”
por um certo artista vale umas centenas de euros, é porque sim senhor, vale o
que os sábios disserem, mesmo que ninguém depois o queira comprar ao quilo e ao
preço da sucata para reciclar. Creio que não serão precisos aqui exemplos de
banqueiros entendidíssimos em Artes, com oportuno aplauso de quantos com eles
competem nesta filosofia da religião dos novos Olimpos da passerelle social.
Nos últimos tempos dei conta de
vivíssimos debates de Filosofia da Arte em torno de várias exposições dos
gatafunhos de alguns arquitetos-artistas; de uma obra de serralharia colocada
em Leça da Palmeira, que entretanto foi corrigida na sua pintura por um graffiter anónimo, o que lhe deu alguma
da notoriedade que ainda não tinha; das reluzentes nádegas de bronze da senhora
que Camilo homenageia na estátua colocada em frente da Cadeia da Relação no
Porto, sobre a qual li sugestões de expurgo por parte de indignados
facebokeiros que apelavam à possível colaboração dos ladrões de metal, isto
enquanto não se cria uma comissão de censura de Arte pública; de “instalações”
de caixotes de madeira com lâmpadas fluorescentes, as quais, tal como os
mata-moscas dos talhos e restaurantes, se destinam a atrair a atenção dos tótós com ar entendido para os
esturricarem, em sentido nietzscheniano. Já para não falar dos que,
embevecidos, fotografam a várias horas do dia e da noite, de vários ângulos, um
grande sifão de cano de esgoto em ferro fundido pintado de vermelhão, existente
numa praia da nossa costa, pensando tratar-se de mais uma das obras de arte que
têm vindo a ser colocadas no litoral, e que com esse estatuto o colocam nas
redes sociais por acharem que até é das obras mais bem conseguidas que ali têm
sido plantadas, mesmo sem sequer atingirem o seu útil e verdadeiro interesse.
Entretanto, e para ajudar à festa, no orçamento recentemente negociado na
Assembleia da República, o governo anuncia que vai disponibilizar mais dinheiro
para comprar Arte contemporânea, o que levou a uma frenética agitação no meio
artístico parecida com a entrada da saca do milho no galinheiro (peço desculpa aos
metropolitanos artistas e seus agentes por esta metáfora rural, mas não me
ocorreu nada de mais cosmopolita).
Se
é certo que os filósofos portugueses andam por aí apagaditos, tendo sido
substituídos na comunicação social pelos tudólogos, têm agora nesta onda
opiniática uma boa oportunidade para nos brindarem com novas e atualíssimas
lucubrações sobre a importância do uso artístico do Viarco n.º1; da capacidade estética
da barra de ferro de 20 polegadas pintada de branco; das consequências públicas
da exibição de glúteos femininos ainda que literários, ou sobre a instalação de
rampas artísticas em madeira que nem nos levam ao céu nem a lado nenhum.
Podia aqui chamar em meu socorro os
textos de Eça sobre Arte, mas não sei se sabem que ele, além de não ser
filósofo encartado, não passou de um artista frustrado, que também ousou
pinturas e até modelações passadas ao bronze (coisa que uma doméstica que eu
conheço também faz…), mas que nem sequer chegou à categoria de amateur. Ainda por cima escreveu: «Tudo
neste século é toilette…O apreço
exterior pela arte é a sobrecasaca da inteligência. Quem quererá apresentar-se
diante de seus amigos com uma inteligência nua? (Eça de Queirós, Cartas de Paris).
Convém pois que continuemos a debater,
acaloradamente, a Arte dos nossos dias, sem tabus nem preconceitos, mas também
sem salivações escusadas. Sobre o saber-se o seu real valor, sobre a sua
previsível nulidade ou o seu contributo para a civilização como mais-valia da
sociedade do nosso tempo, a questão é triste, mas não tem remédio: teremos de
esperar que passem, pelo menos, duas gerações, cinquenta anos, esse maldito
tempo que goza continuamente com as mais elaboradas idealizações humanas. Não
sei se então já haverá uma comissão nacional para o abate e descarte de obras
de Arte inúteis, as quais, ainda que tenham sido caras e pagas por todos nós, para
além do seu preço, dos megafones da fama e da mise-en-scène a que foram submetidas por parte de opinion makers, nomeadamente banqueiros,
jornalistas, curadores, galeristas e outros que tais, nem a nossa geração nem
as seguintes à nossa, conseguiram ver nelas qualquer interesse cultural, para
além de mais uma repetição, com novos formatos, da antiga estória infantil “O
Rei Vai Nu”, com várias versões intituladas ”A Rainha Vai Nua” ou “O Nu Não
Reina, A Não Ser Vestido Seja Lá Do Que For”.
J. A. Gonçalves
Guimarães
Mesário-mor
da Confraria Queirosiana
Eventos
passados
FORAL DA MAIA
No passado dia
14 de dezembro, nas comemorações dos 500 anos do Foral da Maia, o Professor
Doutor Francisco Ribeiro da Silva proferiu aí uma conferência subordinada ao
tema «Forais Manuelinos do Porto e seu Termo»
O PRIMO BASÍLIO BAILADO
Com coreografia
de Solange Melo e Fernando Duarte, música de Fernando Lopes-Graça e Luís de
Freitas Branco e figurinos de José António Tenente estreou no Teatro Circo de
Braga um espectáculo intitulado «O Primo Basílio – Bailado em II Actos»
S. GONÇALO
No passado dia 11
de janeiro, a propósito da romaria gaiense a S. Gonçalo, realizou-se no
Mosteiro de Corpus Christi um colóquio integrado nas II Jornadas Culturais
Festas Velhas? Novos Tempos?, onde foram palestrantes, entre outros, Paula
Carvalhal e Gonçalves Guimarães.
PAIVA FREIXO
No
passado dia 17 de janeiro, numa sessão do III Encontro Indústria, História e
Património realizado no complexo museológico da Torre Oliva em S. João da
Madeira, Maria de Fátima Teixeira, mestra em História Contemporânea pela FLUP e
investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património da
ASCR-Confraria Queirosiana, apresentou em formato comunicação “Os Paiva Freixo
e a indústria de fundição de ferro em Crestuma” o seu mais recente trabalho
sobre a industrialização do vale do Uíma, a qual repetirá em formato
conferência no Solar Condes de Resende dia 30 de janeiro.
JOSÉ RÉGIO
No dia 23 de
janeiro, integrado no ciclo de roteiros literários e conferências Foz Literária
e a propósito dos 50 anos da morte de José Régio (1901-1969), decorreu no Forte
de S. João Baptista da Foz do Douro uma tertúlia e uma exposição documental
apresentadas por José Valle de Figueiredo com a participação de Isabel Cadete
Novais e Isabel Ponce e Leão.
Autores e Livros
O
n.º 7 da revista Douro – Vinho, História
e Património – Wine, History and Heritage, referente a 2018 e editado pela
Associação Portuguesa da História da Vinha e do Vinho (APHVIN/GEHVID), foi
lançado no passado dia 9 de janeiro pelas 17,30 horas na sede do Instituto dos
Vinhos do Douro e do Porto na cidade do Porto, tendo esta edição sido
apresentada pelo Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva. Entre outros, apresenta
os seguintes estudos: «A origem da “Real Companhia Velha” revisitada através de
alguns documentos», por António Barros Cardoso; «Produção de vinhos de marca em
contexto urbano: o caso dos Nicolau de Almeida em Vila Nova de Gaia» por J. A.
Gonçalves Guimarães e Licínio Santos; «”Vinho e medo descobrem o segredo”. O
vinho e a vinha no discurso intra e interfamiliar em casas do Douro (séculos
XVI – XIX)», por Nuno Resende. A APHVIN/GEHVID e a ASCR-Confraria Queirosiana
celebraram um protocolo de colaboração no capítulo de novembro passado.
No
número 23 da Sarmiento: revista
galego-portuguesa de História da Educação, referente a 2019, publicação das
três universidades galegas, acabado de ser divulgado, entre outros artigos,
«Património educativo edificado gaiense. Um primeiro ensaio de sistematização»,
de José António Afonso, Eva Baptista e Ana Vaz. Neste mesmo número é publicada
uma nota de leitura do livro escrito por Eva Baptista, Associação das Creches de Santa Marinha. Espaço de Modernidade
Educativa (2018), da autoria de Luís Alberto Marques Alves e Francisco
Diogo Mota Soares Pereira, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
No passado dia 23 de Janeiro decorreu na
Sociedade Histórica da Independência de Portugal, no Palácio da Independência
em Lisboa, o lançamento do livro Capitão
Jerónimo de Azevedo e seus descendentes, da autoria de Ricardo Charters d’
Azevedo, João Figueiredo Pereira e Eduardo Martins Zúquete. O referido militar,
que viveu entre 1624 e 1699, participou em muitas das campanhas e batalhas da
Guerra da Independência.
No próximo dia 30 na Galeria Fernando
Pessoa, no Largo do picadeiro, em Lisboa, será apresentado o novo livro de
Guilherme d’Oliveira Martins intitulado Património
Cultural: Realidade Viva, numa sessão onde será orador, além do autor, Luís
Raposo, presidente do Conselho Internacional de Museus na Europa, com moderação
do jornalista Henrique Monteiro do Expresso.
Próximos eventos
LEVI GUERRA E JÚLIO DINIS
Hoje dia 25 de
janeiro, a partir das 16 horas, terá lugar no Museu Júlio Dinis em Ovar uma
«Conversa à Volta do Tanque» entre Levi Guerra, cientista, artista plástico e
humanista, e Salvato Trigo, reitor da Universidade Fernando Pessoa, a qual terá
como moderador Paulo Sá Machado. Do programa consta ainda uma visita orientada
à exposição de pintura “Levi Guerra e Júlio Dinis”.
FUNDIÇÃO EM CRESTUMA
No próximo dia 30 de janeiro, nas
habituais palestras das últimas quintas-feiras do mês no Solar Condes de
Resende, será apresentada a conferência “Os Paiva Freixo e a indústria de
fundição de ferro em Crestuma”, por Maria de Fátima Teixeira, investigadora do
Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-Confraria Queirosiana,
autora de Companhia de Fiação de
Crestuma. Do fio ao pavio, com prefácio de Jorge Fernandes Alves e editado
pela confraria em 2017.
Curso sobre Revoluções e Constituições
Prossegue no Solar
Condes de Resende o curso sobre Revoluções e Constituições comemorativo dos 200
anos da Revolução de 1820. Assim, a 25 de janeiro terá lugar a 7.ª sessão
sobre: «O outro lado das Revoluções (1820-1919)» por Nuno Resende Mendes,
professor da Faculdade de letras da Universidade do Porto e no dia 1 de
fevereiro a 8.ª sessão sobre «A Revolução Russa» pelo Prof. Doutor Pedro Aires
Oliveira, do Departamento de História da Universidade Nova de Lisboa – FCSH e
diretor do seu Instituto de História Contemporânea.
Eça &
Outras, III.ª série, n.º 137, sábado, 25 de janeiro de 2020; propriedade dos
Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB:
0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
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www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio
Santos.
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