sábado, 25 de janeiro de 2020

Eça & Outras

A Arte está na rua
         Nos últimos tempos pode dizer-se que a Arte está a ser debatida na praça pública. Ainda bem. Não é assunto menor, ou escusado, e tem muito mais interesse do que muitos outros que suscitam paixões efémeras na “opinião pública”. Recordemos o já sabido: a arte (vamos lá por a maiúscula para dar credibilidade à divagação…) a Arte é um devaneio muito antigo do sapiens; alguns outros animais têm manifestações comportamentais idênticas mas, se não teorizam sobre elas, também as suas obras não vão à praça por milhares ou milhões. Querem exemplos: as “instalações” vegetalistas dos castores, de fazerem inveja a um Alberto Carneiro; o croché de muitos ninhos de tantas joanas vasconcelos com penas e asas verdadeiras; os gigantescos formigueiros de barro de milhares de artistas da classe insecta, enfim, se quiserem ver mais vão à mãe-natureza e perguntem-se porque é que outros mamíferos, aves e insetos também capricham na utilização artística de materiais nas suas variadas formas, quando para a função imediata podiam gastar muito menos calorias. Alguns, sabe-se já, é apenas para impressionarem a fêmea, ou o macho, e garantirem descendência em melhores condições na competição da sobrevivência. Uns animalescos primários, obviamente atrasados na Teoria da Evolução. No que à humana Arte diz respeito podemos também teorizar sobre as suas componentes e a sua grande dose de inutilidade prática, quase sempre disfarçada, no caso da Arte do passado, por uma maciça incorporação de saber fazer ou maestria oficinal nas suas manifestações, o que a Arte Contemporânea tinha vindo a dispensar, até que, curiosamente, alguma da Street Art agora recupera. Ou também pelo recurso a uma indispensável presença da simbologia, as mais das vezes tão particular que só o próprio artista (chamemos ainda assim ao seu fazedor, que tem agora horror a que lhe chamem pintor, ou escultor…) a “compreende”, ou inventa para ela “compreensões” de “difícil” entendimento para os demais. Muitos destes, para não passarem por ignorantes, iconoclastas, rústicos, démodés, ou pior, apressam-se a extasiar-se perante “a obra”, abanando a cabeça com ar sério e entendido face às hilariantes legendas, que bem poderiam dizer simplesmente o seguinte: «o artista Tal, do alto da sua montanha, diz que isto é uma Obra de Arte; tu, cidadão comum, na pequenez das tuas incapacidades intelectuais, ainda que a não entendas, ou mesmo – oh suprema heresia – a aches um desperdício completamente inútil, deves prostrar-te perante ela e adorá-la como tal, deixando a sua magnificência (aparente ou subjectiva) esmagar as tuas dúvidas».
Não nos esqueçamos nunca que a tal Arte vale, pelo menos, a despesa dos subsídios concedidos à organização que a fotografa, carrega, transporta, expõe, divulga, e a consequente remuneração de carregadores, motoristas, empregados de limpeza, eletricistas, fotógrafos, curadores, texteiros, jornalistas, seguradoras, seguranças, banqueiros… Estes últimos, quando a adquirem, atribuem-lhe um preço que lhes dá jeito para inflacionar junto das instituições de controlo da bondade capitalista os pseudo-ativos dos seus bancos, enquanto apostam os seus saldos verdadeiros em operações especulativas ou fraudulentas. E de um coleccionador de tralha a um “entendido” em Arte, às vezes vai apenas um pequeno passo. Se no inventário da colecção do banco diz que um rail ferrugento mandado entortar “artisticamente” por um certo artista vale umas centenas de euros, é porque sim senhor, vale o que os sábios disserem, mesmo que ninguém depois o queira comprar ao quilo e ao preço da sucata para reciclar. Creio que não serão precisos aqui exemplos de banqueiros entendidíssimos em Artes, com oportuno aplauso de quantos com eles competem nesta filosofia da religião dos novos Olimpos da passerelle social.
         Nos últimos tempos dei conta de vivíssimos debates de Filosofia da Arte em torno de várias exposições dos gatafunhos de alguns arquitetos-artistas; de uma obra de serralharia colocada em Leça da Palmeira, que entretanto foi corrigida na sua pintura por um graffiter anónimo, o que lhe deu alguma da notoriedade que ainda não tinha; das reluzentes nádegas de bronze da senhora que Camilo homenageia na estátua colocada em frente da Cadeia da Relação no Porto, sobre a qual li sugestões de expurgo por parte de indignados facebokeiros que apelavam à possível colaboração dos ladrões de metal, isto enquanto não se cria uma comissão de censura de Arte pública; de “instalações” de caixotes de madeira com lâmpadas fluorescentes, as quais, tal como os mata-moscas dos talhos e restaurantes, se destinam a atrair a atenção dos tótós com ar entendido para os esturricarem, em sentido nietzscheniano. Já para não falar dos que, embevecidos, fotografam a várias horas do dia e da noite, de vários ângulos, um grande sifão de cano de esgoto em ferro fundido pintado de vermelhão, existente numa praia da nossa costa, pensando tratar-se de mais uma das obras de arte que têm vindo a ser colocadas no litoral, e que com esse estatuto o colocam nas redes sociais por acharem que até é das obras mais bem conseguidas que ali têm sido plantadas, mesmo sem sequer atingirem o seu útil e verdadeiro interesse. Entretanto, e para ajudar à festa, no orçamento recentemente negociado na Assembleia da República, o governo anuncia que vai disponibilizar mais dinheiro para comprar Arte contemporânea, o que levou a uma frenética agitação no meio artístico parecida com a entrada da saca do milho no galinheiro (peço desculpa aos metropolitanos artistas e seus agentes por esta metáfora rural, mas não me ocorreu nada de mais cosmopolita).
Se é certo que os filósofos portugueses andam por aí apagaditos, tendo sido substituídos na comunicação social pelos tudólogos, têm agora nesta onda opiniática uma boa oportunidade para nos brindarem com novas e atualíssimas lucubrações sobre a importância do uso artístico do Viarco n.º1; da capacidade estética da barra de ferro de 20 polegadas pintada de branco; das consequências públicas da exibição de glúteos femininos ainda que literários, ou sobre a instalação de rampas artísticas em madeira que nem nos levam ao céu nem a lado nenhum.
         Podia aqui chamar em meu socorro os textos de Eça sobre Arte, mas não sei se sabem que ele, além de não ser filósofo encartado, não passou de um artista frustrado, que também ousou pinturas e até modelações passadas ao bronze (coisa que uma doméstica que eu conheço também faz…), mas que nem sequer chegou à categoria de amateur. Ainda por cima escreveu: «Tudo neste século é toilette…O apreço exterior pela arte é a sobrecasaca da inteligência. Quem quererá apresentar-se diante de seus amigos com uma inteligência nua? (Eça de Queirós, Cartas de Paris).
         Convém pois que continuemos a debater, acaloradamente, a Arte dos nossos dias, sem tabus nem preconceitos, mas também sem salivações escusadas. Sobre o saber-se o seu real valor, sobre a sua previsível nulidade ou o seu contributo para a civilização como mais-valia da sociedade do nosso tempo, a questão é triste, mas não tem remédio: teremos de esperar que passem, pelo menos, duas gerações, cinquenta anos, esse maldito tempo que goza continuamente com as mais elaboradas idealizações humanas. Não sei se então já haverá uma comissão nacional para o abate e descarte de obras de Arte inúteis, as quais, ainda que tenham sido caras e pagas por todos nós, para além do seu preço, dos megafones da fama e da mise-en-scène a que foram submetidas por parte de opinion makers, nomeadamente banqueiros, jornalistas, curadores, galeristas e outros que tais, nem a nossa geração nem as seguintes à nossa, conseguiram ver nelas qualquer interesse cultural, para além de mais uma repetição, com novos formatos, da antiga estória infantil “O Rei Vai Nu”, com várias versões intituladas ”A Rainha Vai Nua” ou “O Nu Não Reina, A Não Ser Vestido Seja Lá Do Que For”.
          
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Eventos passados
FORAL DA MAIA
            No passado dia 14 de dezembro, nas comemorações dos 500 anos do Foral da Maia, o Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva proferiu aí uma conferência subordinada ao tema «Forais Manuelinos do Porto e seu Termo»

O PRIMO BASÍLIO BAILADO
            Com coreografia de Solange Melo e Fernando Duarte, música de Fernando Lopes-Graça e Luís de Freitas Branco e figurinos de José António Tenente estreou no Teatro Circo de Braga um espectáculo intitulado «O Primo Basílio – Bailado em II Actos»

S. GONÇALO
            No passado dia 11 de janeiro, a propósito da romaria gaiense a S. Gonçalo, realizou-se no Mosteiro de Corpus Christi um colóquio integrado nas II Jornadas Culturais Festas Velhas? Novos Tempos?, onde foram palestrantes, entre outros, Paula Carvalhal e Gonçalves Guimarães.

PAIVA FREIXO
No passado dia 17 de janeiro, numa sessão do III Encontro Indústria, História e Património realizado no complexo museológico da Torre Oliva em S. João da Madeira, Maria de Fátima Teixeira, mestra em História Contemporânea pela FLUP e investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-Confraria Queirosiana, apresentou em formato comunicação “Os Paiva Freixo e a indústria de fundição de ferro em Crestuma” o seu mais recente trabalho sobre a industrialização do vale do Uíma, a qual repetirá em formato conferência no Solar Condes de Resende dia 30 de janeiro.
JOSÉ RÉGIO
            No dia 23 de janeiro, integrado no ciclo de roteiros literários e conferências Foz Literária e a propósito dos 50 anos da morte de José Régio (1901-1969), decorreu no Forte de S. João Baptista da Foz do Douro uma tertúlia e uma exposição documental apresentadas por José Valle de Figueiredo com a participação de Isabel Cadete Novais e Isabel Ponce e Leão.

Autores e Livros


O n.º 7 da revista Douro – Vinho, História e Património – Wine, History and Heritage, referente a 2018 e editado pela Associação Portuguesa da História da Vinha e do Vinho (APHVIN/GEHVID), foi lançado no passado dia 9 de janeiro pelas 17,30 horas na sede do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto na cidade do Porto, tendo esta edição sido apresentada pelo Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva. Entre outros, apresenta os seguintes estudos: «A origem da “Real Companhia Velha” revisitada através de alguns documentos», por António Barros Cardoso; «Produção de vinhos de marca em contexto urbano: o caso dos Nicolau de Almeida em Vila Nova de Gaia» por J. A. Gonçalves Guimarães e Licínio Santos; «”Vinho e medo descobrem o segredo”. O vinho e a vinha no discurso intra e interfamiliar em casas do Douro (séculos XVI – XIX)», por Nuno Resende. A APHVIN/GEHVID e a ASCR-Confraria Queirosiana celebraram um protocolo de colaboração no capítulo de novembro passado.


No número 23 da Sarmiento: revista galego-portuguesa de História da Educação, referente a 2019, publicação das três universidades galegas, acabado de ser divulgado, entre outros artigos, «Património educativo edificado gaiense. Um primeiro ensaio de sistematização», de José António Afonso, Eva Baptista e Ana Vaz. Neste mesmo número é publicada uma nota de leitura do livro escrito por Eva Baptista, Associação das Creches de Santa Marinha. Espaço de Modernidade Educativa (2018), da autoria de Luís Alberto Marques Alves e Francisco Diogo Mota Soares Pereira, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.



No passado dia 23 de Janeiro decorreu na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, no Palácio da Independência em Lisboa, o lançamento do livro Capitão Jerónimo de Azevedo e seus descendentes, da autoria de Ricardo Charters d’ Azevedo, João Figueiredo Pereira e Eduardo Martins Zúquete. O referido militar, que viveu entre 1624 e 1699, participou em muitas das campanhas e batalhas da Guerra da Independência.


No próximo dia 30 na Galeria Fernando Pessoa, no Largo do picadeiro, em Lisboa, será apresentado o novo livro de Guilherme d’Oliveira Martins intitulado Património Cultural: Realidade Viva, numa sessão onde será orador, além do autor, Luís Raposo, presidente do Conselho Internacional de Museus na Europa, com moderação do jornalista Henrique Monteiro do Expresso.

Próximos eventos
LEVI GUERRA E JÚLIO DINIS
            Hoje dia 25 de janeiro, a partir das 16 horas, terá lugar no Museu Júlio Dinis em Ovar uma «Conversa à Volta do Tanque» entre Levi Guerra, cientista, artista plástico e humanista, e Salvato Trigo, reitor da Universidade Fernando Pessoa, a qual terá como moderador Paulo Sá Machado. Do programa consta ainda uma visita orientada à exposição de pintura “Levi Guerra e Júlio Dinis”.
FUNDIÇÃO EM CRESTUMA
            No próximo dia 30 de janeiro, nas habituais palestras das últimas quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, será apresentada a conferência “Os Paiva Freixo e a indústria de fundição de ferro em Crestuma”, por Maria de Fátima Teixeira, investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-Confraria Queirosiana, autora de Companhia de Fiação de Crestuma. Do fio ao pavio, com prefácio de Jorge Fernandes Alves e editado pela confraria em 2017.
Curso sobre Revoluções e Constituições
Prossegue no Solar Condes de Resende o curso sobre Revoluções e Constituições comemorativo dos 200 anos da Revolução de 1820. Assim, a 25 de janeiro terá lugar a 7.ª sessão sobre: «O outro lado das Revoluções (1820-1919)» por Nuno Resende Mendes, professor da Faculdade de letras da Universidade do Porto e no dia 1 de fevereiro a 8.ª sessão sobre «A Revolução Russa» pelo Prof. Doutor Pedro Aires Oliveira, do Departamento de História da Universidade Nova de Lisboa – FCSH e diretor do seu Instituto de História Contemporânea.

Eça & Outras, III.ª série, n.º 137, sábado, 25 de janeiro de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio Santos.

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