Os Direitos do
Homem na obra de Eça de Queirós
Celebra-se a 10 de dezembro o dia da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, evocativo da data de 1948 em que a
assembleia geral das Nações Unidas proclamou os seus princípios destinados
então a evitar que voltassem a ocorrer os horrores da 2.ª Grande Guerra. Este
documento foi o corolário de uma longa caminhada iniciada com o Código de
Hamurábi no século XVIII antes da era corrente, a que se seguiu o Cilindro de
Ciro II de 539 a. C., os códigos de cidadania e o conceito de direito natural
romano, os princípios filosóficos igualitários do Cristianismo desde a Alta
Idade Média, a Magna Carta inglesa de 1215, os princípios filosóficos de Locke,
Hobbes e Rousseau, a Declaração da Virgínia (EUA) de 12 de junho de 1776; a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão saída da Revolução Francesa em
1789 e, já depois daquela primeira declaração, a Convenção Europeia do Direitos
Humanos de 1950. Mas ainda hoje estes princípios são pontualmente postos em
causa ou violados nas suas tendências de liberdade, igualdade e fraternidade e
na protecção da pessoa humana contra prepotências várias exercidas pelos
diversos poderes um pouco por todo o mundo.
Sendo conhecido que Eça de Queirós
retratou nos seus romances muitas questões sociais em volta dos ambientes
domésticos ou das sociedades urbanas e rústicas do seu tempo, onde as mudanças
chegavam devagar e a mundividência era uma miragem, mas onde mesmo aí espelha a
situação dos mais pobres e dos marginalizados, noutros escritos não ficcionais
aborda claramente a situação das crianças, dos doentes, dos inválidos, dos
deficientes, dos velhos, dos incapazes, dos pobres e carenciados, dos
escravizados, dos famintos, dos presos, dos desempregados, dos espoliados, dos
perseguidos. Não será difícil encontrar em algumas das suas obras – e porventura
mais exemplos nas menos conhecidas – alusões diretas ao drama humano da falta
de direitos, havendo mesmo uma delas – o conto S. Cristóvão – que é uma
verdadeira e genial metáfora à capacidade individual de superação do sofrimento
físico e social através da contínua redenção contra todas as adversidades.
Escrita na última década da sua vida, e publicado a primeira vez em edição
póstuma, dirão alguns: uma bela metáfora literária, um belo conto de natal, mas
longe das realidades da vida. Mas para que servirá a Literatura se não para ser
a síntese admirável, artística e universal das duras prosas da vida, capaz de
ser entendida por todos os que lêem, quando o tema é grande e a linguagem é
bela? Só a Arte trata a miséria humana em imagens que nos impulsionam, não a
aceitá-la como inevitável e irresolúvel, mas antes a querer dirimi-la como má
memória a abater. Os “realismos”, contraditoriamente, banalizam-na, podendo
levar-nos a virar-lhe a cara na hora de agir ou ao engano de a considerar
alheia quando ela nos é irmã.
Num outro texto da mesma época - «A
Rainha», publicado em 1898 - escreveu
claro e direto sobre os direitos humanos remetendo à compassividade esmoler de
D. Amélia «a presença angustiosa das misérias humanas, tanto velho sem lar,
tanta criancinha sem pão, e a incapacidade ou indiferença de monarquias e
repúblicas para realizar a única obra urgente do mundo – a “casa para todos, o
pão para todos”». Dir-me-ão que são textos da maturidade, do final da vida,
quando Eça se dizia um «…vago anarquista entristecido, idealizador, humilde,
inofensivo», a dois anos de distância da sua morte física. Mas estas suas
convicções de profunda e verdadeira preocupação pelos direitos humanos vinham
já desde a juventude, ou pelo menos do início da vida adulta, certamente pelas
suas próprias vivências e convicções, mas também pelas reflecções sobre a
leitura de textos de Augusto Comte, Victor Hugo, Proudhon, Renan, Taine, e
ainda Darwin, Bakunin e Marx.
Num extenso e bem fundamentado
relatório que elaborou em 1874 (aos vinte e nove anos) para o seu chefe, o
ministro dos Negócios Estrangeiros, termina com as seguintes palavras
«discutida a emigração assalariada nas suas correntes e nos seus resultados
sociais, eu julgo terminado este trabalho, que é a afirmação, e direi mesmo a
apologia, da emigração como força civilizadora». Ainda hoje é um texto muito
pouco conhecido, pois só foi publicado em 1979 por Raúl Rego, que o intitulou
justamente com as últimas palavras atrás citadas: «A Emigração como Força
Civilizadora», tendo depois mais duas edições preparadas por Isabel Pires de
Lima Se é certo que o tema central é o resultado da sua experiência consular em
Havana entre 1872 e 1874, onde teve um papel ativo na defesa dos direitos dos
emigrantes chineses escravizados pelos fazendeiros espanhóis, os princípios que
o informam são muito mais universalizantes e intemporais, considerando-os
«criadora ciência e, pelos seus movimentos grandiosos e fecundos, uma força
civilizadora na humanidade», concluindo e prognosticando que «A liberdade
política sincera, o derramamento da instrução, a moderação dos impostos, a
acessibilidade à propriedade, a desamortização da terra, a liberdade
industrial, a criação fecunda da vida comercial – eis o que fixa o homem ao seu
solo». Ou seja, preconizando a aplicação concreta da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, não apenas para os da sua etnia, credo ou tradição cultural,
mas para todos os habitantes do planeta, os atuais descendentes dos hominídios
que nele deambulam desde remotas eras em busca de um concreto e inadiável
paraíso terrestre.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
da Confraria Queirosiana
Eventos
passados
Honoris Causa
Recentemente
foram agraciados com o grau de Doutor honoris
causa dois ilustres queirosiano. Assim, no dia 26 de novembro na Aula Magna da Universidade de Sófia
Kliment Ohridski (Bulgária), por proposta da sua Faculdade de Filologia
Clássica e Moderna foi distinguida Isabel Pires de Lima, Professora Emérita da
Universidade do Porto e convidada de diversas outras universidades europeias,
africanas, americanas e asiáticas, que no ato dissertou sobre «O poder das Humanidades:
o lugar da Literatura». No dia 11 de dezembro, no salão nobre da reitoria da
Universidade do Porto, no encerramento das comemorações do seu primeiro centenário
e por proposta da sua Faculdade de Letras, foi outorgado aquele grau ao
escritor Mário Cláudio, autor de mais de 60 títulos publicados nos seus 50 anos
de vida literária, tendo estado presente ao ato o presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa.
No
dia 27 de novembro celebraram-se no Porto na sede da Obra Vicentina de Auxílio
aos Reclusos (O.V.A.R.) os 50 anos desta instituição com um dia aberto à
comunidade subordinado ao tema «Diálogo sobre o sistema prisional» e uma sessão
solene de homenagem aos fundadores com a edição de uma publicação alusiva, que
procura dar a conhecer esta problemática de tão transcendente importância na
sociedade portuguesa atual, bem assim como as dificuldades com que se deparam
os voluntários visitadores e ainda alguns testemunhos sobre a reinserção social
dos detidos. A esta sessão estiveram presentes vários confrades queirosianos,
nomeadamente o presidente da O.V.A.R., Eng. Manuel Hipólito Almeida dos Santos,
o mesário-mor J. A. Gonçalves Guimarães e o presidente da Obra Diocesana de
Promoção Social, Dr. Manuel Maria Moreira.
A delegação da Confraria Queirosiana (fotografia de Susana
Moncóvio)
No passado dia 1 de dezembro decorreu em
Arouca o capítulo anual da Confraria Gastronómica da Raça Arouquesa, tendo estado
presente uma delegação da Confraria Queirosiana composta pelo mesário-mor J. A.
Gonçalves Guimarães, os membros da direcção Susana Moncóvio e António Pinto
Bernardo e os confrades Ricardo Haddad e António Pinto. As cerimónias
decorreram no Convento de Arouca e o almoço foi servido no restaurante de uma
quinta deste concelho adaptada ao Turismo Gastronómico. Da ementa, para além da
vitela, foram servidos outros mimos do cardápio arouquense.
Museu do Douro
No dia 3 de
dezembro, Manuel de Novaes Cabral, presidente do conselho de fundadores do
Museu do Douro entre 2011 e 2018, recebeu naquela instituição duriense o título
de fundador honorário, materializado numa escultura de Norberto Jorge.
No dia 9 de dezembro ocorreu em
Lisboa, no Teatro da Trindade do Inatel, a estreia da longa-metragem de
Francisco Manso intitulada «O Nosso Cônsul em Havana», anteriormente passada em
série televisiva na RTP. Nesta versão, para além do tema, salientemos a rara
beleza das imagens encantatórias, filmadas em Portugal e em Cuba, já habitual
nos filmes deste realizador, mas também uma melhor afinação de aspectos
biográficos de Eça de Queirós que tinham sido demasiadamente ficcionados nos
episódios da série. Este filme aborda a acção humanitária do escritor em prol
dos escravos chineses que trabalhavam para os fazendeiros espanhóis da cana do
açúcar, tendo como base o relatório que elaborou em 1874, mas que apenas foi
divulgado por Raúl Rego em livro em 1979 e intitulado “A Emigração como Força
Civilizadora”, um dos poucos escritos não ficcionais de Eça, para além dos de
índole epistolar e jornalística.
Com
casa cheia, festejando o realizador, os atores e a equipa técnica, entre muitos
outros convidados, estiveram presentes vários confrades queirosianos: para além
do próprio realizador, assistiram a esta estreia o mesário-mor J. A. Gonçalves
Guimarães, o vice-presidente da direcção Luís Manuel de Araújo, o ex-Secretário
de Estado das Comunidades José Luís Carneiro, e o chefe da Casa Real portuguesa
D. Duarte Pio.
Caminhos de Santiago
No dia 10 de
dezembro decorreu na Universidade Portucalense um seminário sobe “O Porto nos
Caminhos de Santiago: cidade de partida e de passagem”, realizado em parceria
com o Albergue de Peregrinos do Porto. Foram palestrantes, entre outros, José
Manuel Tedim sobre “O Porto nos Caminhos de Santiago” e Joel Cleto sobre “Da
intolerância à construção de uma unidade europeia: o longo Caminho de
Santiago”.
Árvore de Jessé
No
dia 14 de dezembro, pelas 18 horas, a convite da Câmara Municipal do Porto e do
provedor da Ordem Terceira de São Francisco, Professor Doutor Gonçalo de
Vasconcelos e Sousa, o professor e teólogo Doutor Abel Canavarro e o professor
e historiador da Arte, Doutor Nuno Resende, falaram sobre o retábulo que
representa a Árvore de Jessé existente na igreja de S. Francisco, «um dos seus
exemplares mais exuberantes» de quantos se conhecem, no programa “Um objecto e
seus discursos por semana», organizado pela Casa do Infante / Câmara Municipal
do Porto.
Prémio Virgílio Ferreira
Na passada
sexta-feira 20 de dezembro o júri do Prémio Literário Virgílio Ferreira 2020,
instituído pela Universidade de Évora, distinguiu Carlos Reis, professor
catedrático da Universidade de Coimbra, onde leciona Literatura Portuguesa,
Teoria da Literatura e Estudos Queirosianos, coordenador do Centro de
Literatura Portuguesa e conhecido ensaísta especializado em Literatura
Portuguesa dos séculos XIX e XX e Teoria da Narrativa, além de professor
convidado de várias universidades estrangeiras. O prémio será entregue em
cerimónia a convocar para o efeito para 1 de março, dia da morte do seu patrono.
Autores e Livros
Vindo
do Recife, chegou-nos um novo livro de Dagoberto Carvalho J.or
intitulado «Posta-Restante». Como outros da sua safra anual de recordações,
vivências e afetos, este apresenta muitos dos passos das suas deambulações
queirosianas, lembrando «Noventa anos de Campos Matos»; «Eça e o solar
queiroziano de Aveiro»; «No capítulo da Confraria Queirosiana de Vila Nova de
Gaia, Portugal» (com fotografia de Dagoberto na mesa que presidiu a 24 de
novembro de 2018); «Outras notícias queirosianas: Campos Matos e “Eça de
Queiroz segundo Fradique Mendes”»; «Na “Estação de Caldas de Aregos” com Eça de
Queiroz»; de novo «Eça de Queiroz segundo Fradique Mendes» e «António Alberto
de Amaral Coutinho Calheiros Lobo». Como escreveu num dos textos deste livro de
bela capa – outra constante das suas obras - «que todos os outros - e são
muitos – se deixem por eles representar nesta página». Na contracapa a sua foto
com Cristina Carvalho no Solar Condes de Resende, sorrindo cúmplices a Eça e
Emília na casa onde estes se enamoraram.
Roteiro Literário da Foz
No
dia 1 de dezembro na capela de Nossa Senhora da Conceição na Foz do Douro,
Manuel de Novaes Cabral apresentou a 2.ª edição do “Roteiro Literário da Foz”
de José Valle de Figueiredo e do “Mapa Literário da Foz” de Joaquim Pinto da
Silva, numa iniciativa da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e
Nevogilde.
Gravuras de Leiria
No
dia 8 de dezembro, no Celeiro da Casa do Terreiro em Leiria decorreu o
lançamento do magnífico álbum editado por “Hora de ler” intitulado «Leiria. O
século XIX em gravuras» de Ricardo Charters d’Azevedo, que à sua terra natal
tem dedicado várias publicações que dão a conhecer o seu passado e as suas
potencialidades nos domínios do Património Cultural, como é o caso de um outro
livro anterior intitulado «Leiria e as Invasões Francesas» também apresentado
na ocasião.
No passado dia
21 de dezembro teve lugar no auditório do Solar Condes de Resende o lançamento
de um novo livro da autoria de Francisco Barbosa da Costa, intitulado “Retalhos
da Minha Vida”. Assumidamente autobiográfico, o autor percorre com o olhar das
lembranças a sua terra natal e muitos dos seus familiares e conterrâneos desde
a infância, passando pelo seu percurso profissional como professor, o serviço
militar, a dedicação autárquica, a missão política de deputado, o dirigente
associativo e o homem público presente em todas estas valências.
Exposições
Prato comemorativo da
inauguração da Ponte da Arrábida (fotografia de Susana Guimarães)
No Solar Condes de Resende, nas
salas de exposições temporárias, encontra-se patente ao público desde 23 de
novembro uma exposição de oito dezenas de Pratos-Souvenir em faiança e porcelana da Coleção de Fernando de Oliveira
Pinho (1910-1996), vindos de
várias cidades de países da Europa, América, Ásia e Oceânia, com representação
de paisagens, monumentos, instituições, figuras, heráldica, acontecimentos e
comemorações. Para além dos motivos que fazem deles Pratos-Documento, podem
ainda ser constatadas as produções de fábricas famosas, como a Vista Alegre, e
as diferentes técnicas de pintura ou estampagem dos motivos, monocromáticos e
em policromia. A curadoria da exposição é de Susana Guimarães.
Próximos eventos
Vidros
tardo-romanos
Amanhã, quinta-feira, dia 26 de dezembro, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês, o arqueólogo e mestre em Arqueologia, Joaquim F. Ramos, dando seguimento aos estudos que têm vindo a ser realizados sobre os materiais recolhidos em escavações arqueológicas no Castelo de Gaia, apresentará publicamente o seu mais recente trabalho sobre «O Vidro Tardo-Romano da Igreja do Bom Jesus de Gaia.O vidro foi sempre um elemento presente no quotidiano do homem desde as primeiras notícias da sua descoberta até aos dias de hoje. Em época tardo-romana não era diferente: depois da invenção do processo de soflagem (vidro soprado), tornou-se um material versátil, de acesso fácil e com várias utilidades, acumulando principalmente a função de utensílio de cozinha e serviço de mesa.
Este espólio vítreo é bastante diferenciado, tendo sido recolhidos fragmentos de vários tipos de objetos com diferentes formas e particularidades. Assim sendo, esta apresentação focar-se-à nos fragmentos da Antiguidade tardia, apresentando o trabalho desenvolvido até ao momento no Solar Condes de Resende.
Curso sobre Revoluções e Constituições
No próximo mês de janeiro, no sábado dia
4, prossegue no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Revoluções e
Constituições com a 6.ª sessão sobre «A Revolução de Setembro (1836/1837) no
Portugal liberal», por Jorge Fernandes Alves, professor da FLUP, seguindo-se a
18 a 7.ª sessão sobre: «O outro lado das Revoluções (1820-1919)» por Nuno
Resende Mendes, também professor daquela faculdade.
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Eça & Outras, III.ª
série, n.º 136, quarta-feira, 25 de dezembro de 2019; propriedade dos Amigos do
Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º
506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio Santos; colaboração : ,
Joaquim Ramos, Susana Guimarães; Susana Moncóvio.
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