terça-feira, 25 de setembro de 2018

Eça & Outras


A minha aldeia

         Quase todos nós temos uma aldeia de estimação. Ainda que citadinos, e até às vezes nascidos numa grande metrópole, por via dos pais, dos avós ou dos sogros, ou por outras razões mais estranhas, todos queremos pertencer a um pequeno mundo perdido entre a possível ruralidade e o abandono do interior, às vezes logo ali numa periferia urbana, atrás de qualquer paisagem cuja janela se tem de abrir. Muitas vezes, os que ainda lá habitam, nem sabem que nos arrogamos o direito de também querer ser um deles, ainda que de passagem ou á distância dos quilómetros da vida que nos separa. A nossa aldeia, pode não ser «a mais bonita de Portugal» - o título já tem dona -, pode até nem ser muito «histórica», ou muito «vinhateira», ou muito sabe-se-lá-que-mais, mas ela tem sempre algo único, que mais nenhuma outra tem seja aqui seja na Patagónia: o sino da igreja com um tlim-tlom único que às vezes ouvimos à distância de continentes; o banco de pedra onde se sentou a rainha D. Tal, o teixo que dá a sombra mais fresca do mundo, a água da fonte que mais ardores desperta, o pão que jamais diabo algum amassou, a mina de ouro que, quando for descoberta, tornará Portugal um emirato do Golfo, enfim, não pensem que apenas uma única exclusividade a carateriza, mas várias, pois quando algum extranho mais veemente nos diz que na aldeia dele isto ou aquilo também é assim, logo tiramos novo trunfo da manga sobre qualquer outra insolitude local que o estatela no chão a sua ignorância, pelo menos enquanto ele não estuda melhor a sua aldeia e a nossa. Com tanto amor por ela, não se compreende muito bem porque é que está neste estado de abandono. Não sabemos de quem é a culpa mas, como é sabido, e já o dizia a locutora do PPM nas eleições de 1975, «só simpatia não chega». Também não é dos que lá ficaram, dos que lá resistem enquanto ardem os eucaliptais em volta e a aldeia no centro, os quais, tendo passado a vida a cultivar aqueles inesquecíveis melões, ainda são acusados de não terem transformado o velho solar, cujos donos vivem em Cascais, num resort de luxo.
Isto é o normal nas nossas aldeias de estimação que já são poucas. Em grande parte das outras passam-se agora incríveis fenómenos de promoção mediática. Quando ali voltamos passado um ano, como quem vai em excursão ao Tibete, e reparamos melhor na sua população na festa anual, ocorre-nos logo o que escreveu Eça de Queirós quando estava um ano sem vir a Portugal: «desola-me a população anémica. Que figuras! O ar desengonçado, o olhar mórbido e acarneirado, cores de pele de galinha, um derreamento de rins, o aspeto de humores linfáticos, a passeata triste de uma raça caquética em corredores de hospital: e depois um ar de vadiagem, de ora aqui vou, sim senhor, de madracice, olhando em redor com fadiga, o crânio exausto, e a unha comprida... (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas, «Ramalho Ortigão»). Ou seja o encanto da aldeia que tínhamos imaginado, esfumou-se. As sadias raparigas de outrora, já não moram cá e quando voltam trazem estranhas roupas habituais no Sri Lanka, pintam o cabelo que supúnhamos juvenil e encavalitam-se agora nuns sapatos de difíceis tacões que brigam com a calçada onde ela ainda não foi alcatroada para os tratores pouparem os pneus subsidiados. Diz-se que algumas já fizeram dez cursos de formação de apanha de romãs, mas o sonho delas é trabalhar na caixa ou na câmara.
Os que tiveram que emigrar, com o dinheiro que entretanto se lhes começou a crescer, transferiram a arquitetura tradicional da Alsácia-Lorena para a Beira Alta. Uma comissão local de melhoramentos, que promove a festa de verão com um programa “cultural”, onde constam caminhadas e jogos de futebol, despediu o velho S. Gregório, cuja evocação era a 9 de maio sem concorrência de emigrantes, substituindo-o pela Nossa Senhora do Bom Sucesso, celebrada a 15 de agosto, dantes o dia das “sete senhoras” mas agora de muitas mais. O largo da aldeia, onde dantes se erguia alto um frondoso carvalho que entretanto secou por junto dele assarem os porcos para as sandes vendidas para ajudar a paróquia, está em vias de ter monumento. Se noutros tempos se chamou do Marechal Carmona, e depois do Povo, vai passar agora a ostentar o nome de Artur Botelho, o autor de A Europíada, um calhamaço em versos pretensamente camonianos sobre a 1.ª Grande Guerra, mas com XXV cantos, que para o bate-cu dos serranos deixados à sua sorte lá na Flandres os dez de Os Lusíadas não chegavam. O presidente da comissão promotora da homenagem, o Senhor Calhorda, condecorado com a medalha da Ordre Nationale du Mérite e já muito esquecido das suas primeiras e únicas letras, quando se refere à obra pronuncia o título como “A europiada”. Não se apercebendo da razão do efeito hilariante que tal provoca nuns doutores da CCRC que estudaram para padres, mas agora são gestores de verbas comunitárias, também não percebe as reticências que eles têm posto à concessão do subsídio para verem ali gravado num monumento de uma aldeia portuguesa a velha rivalidade franco-alemã, pela qual dois mancebos dali naturais deram a vida nos idos de 1918. Sendo certo que agora somos todos amigos e europeus, então nada impede une jumelage avec une mairie de França e uma outra da Alemanha. E com tudo isto, reportagem na CMTV garantida, talvez até telenovela na RTP, como diz o presidente da União de freguesias da Aldeia de Cima com a Aldeia de Baixo, que já sonha com visitas reciprocas. Mas tirando esta hipótese de progresso, a aldeia manterá o seu sossego, ainda que arqueológico, por mais quinhentos anos, apenas mudando a paisagem do cimo dos montes onde vão passar a zunir uns gigantíssimos vira-ventos que produzem eletricidade e matam as grandes aves que voam distraídas.
Tenho alguns amigos, verdadeiros d. quixotes, que têm lutado serena e discretamente ao longo da vida pela melhoria sensata das suas aldeias de estimação, tentando manter-lhes, ou até acrescentar-lhes, mais-valia à dignidade que sempre possuíram. Creio que continuam a pensar sobre o assunto como ouviram em meninos na lição da catequese: no início das suas vidas a sua aldeia era como o paraíso na Terra; depois uma vontade superior expulsou-os de lá, certamente por terem comido as maçãs que não deviam. Não se sabe muito bem o que entretanto aconteceu, mas quando a vida lhes permitiu voltar a dar-lhe atenção já ali alguma coisa tinha mudado para sempre. Mas eles continuam a ir lá, a la recherche du temps perdu. É uma teimosia como outra qualquer, mas esta quase épica nos tempos que correm: a derrota é certa mas a causa é nobre.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Palestras
Na habitual palestra da última quinta-feira do mês no Solar Condes de Resende, no próximo dia 27 de setembro, pelas 21,30 horas o Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-Confraria Queirosiana promove mais uma palestra sobre uma incontornável figura pública oitocentista, desta feita o Marechal Duque de Saldanha, um herói romântico de quem no seu tempo se disse “Ele poderia ter sido um rei”. Será palestrante o historiador J. A. Gonçalves Guimarães.

Jornadas Europeias de Património

No próximo dia 27 de setembro, pelas 18 horas, decorrerá no Palácio Nacional da Ajuda em Lisboa a apresentação do Programa Nacional das Jornadas Europeias do Património, este ano subordinadas ao tema “Partilhar Memórias” e de que é coordenador Guilherme d’ Oliveira Martins. Em Vila Nova de Gaia, como habitualmente, o Solar Condes de Resende, em colaboração com a associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana acolherá uma sessão integrada nestas Jornadas que decorrerá no dia 29 de setembro, sábado, a partir das 15 horas, durante a qual serão oradores os historiadores J. A. Gonçalves Guimarães, Susana Guimarães e Susana Moncóvio.

Em Avintes, no Trilho do Febros, no mesmo dia e à mesma hora, o historiador Paulo Jorge Sousa Costa irá falar sobre «Se a água falasse… Memórias da toponímia ribeirinha».
Em Lamego, também integrado nestas Jornadas, no Teatro Ribeiro Conceição decorrerá o lançamento do livro Um Rico Pano: Antologia de Verso, Prosa e Imagem de Lamego da autoria de Nuno Resende, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, apresentado por José Pacheco Pereira.


Curso sobre Património Musical
A partir de 10 de novembro próximo vai decorrer no Solar Condes de Resende o seu 26 curso livre desta vez sobre Música & Músicos: aspetos do Património Musical Português. Pela primeira vez um curso sobre aspetos inéditos ou pouco conhecidos com especial incidência em compositores de Gaia e do Norte de Portugal, mas com a dimensão universal da Música. As aulas recorrerão à audição de excertos das obras referidas e ao complemento da indicação de concertos ao vivo onde as mesmas sejam tocadas durante o período em que decorre o curso.
O Solar Condes de Resende assinala assim o centenário do nascimento do compositor César Morais, num curso que falará de Scarlatti em Portugal, Artur Napoleão, Armando Leça, Jorge Fontes, Pedro Freitas Branco e muitos outros compositores e intérpretes desde a música antiga até à contemporânea, da música popular à erudita. Serão professores Cesário Costa, Daniel Cunha, Eduardo Vítor Rodrigues, Elisa Lessa, Helena Lourosa, Henrique Luís Gomes de Araújo, J. A. Gonçalves Guimarães, Jorge Castro Ribeiro, José Manuel Tedim, Mário Mateus, Rodrigo Teodoro e Rosário Pestana. Aos inscritos será passado um certificado de participação e entregue um CD com textos dos professores sobre os diversos temas das aulas.

Livros

No âmbito das comemorações dos 150 anos da Igreja e Escola do Torne (ver baixo) foi lançada a 2.ª edição do livro Diogo Cassels 1844-1923. A praxis ao serviço da fé de Fernando Peixoto, versão sintetizada da sua dissertação de mestrado apresentada na FLUP em 1995, publicada em versão integral em 2001 e a primeira edição desta síntese em 2005. Publicada na série Biografias pela editora Iniciativas Criativas, esta edição apresenta-se com um prefácio de D. Jorge Pina Cabral, bispo da Igreja Lusitana, e um posfácio de Helena Peixoto e de José António Afonso sobre o percurso biográfico, académico e profissional do autor falecido em 2008. Este livro foi também apresentado na Feira do Livro do Porto no passado dia 22 de setembro na Galeria Municipal com a presença de Gaspar Martins Pereira.

Governadores civis de Leiria
No dia 21 de setembro no Centro de Diálogo Intercultural de Leiria, na igreja da Misericórdia local, foi lançado o n.º 17 dos Cadernos de Estudos Leirienses que, entre vários outros estudos, apresenta o de Ricardo Charters d’Azevedo sobre “Os governadores civis de Leiria”.

No dia 22 de setembro, no salão nobre da Junta de Freguesia de Vermoim, Maia, foi lançado a obra coletiva A Mulher da Maia – da periferia à urbe portuense (final do século XIX – início do século XX), editada pelo Clube UNESCO da Maia. Entre os temas apresentados, o Dr. Gabriel Gonçalves escreveu um capítulo sobre “As Pinheireiras” e um sobre “As Leiteiras”, este em co-autoria.


No próximo dia 7 de outubro em Pereiros, S. João da Pesqueira, vai ser lançado um novo livro de A. da Silva Fernandes intitulado Singularidades e Curiosidades da Aldeia (devidamente desordenadas). Depois da publicação de outros títulos seus e alheios sobre este pequeno mundo duriense que tem ajudado a permanecer e a reabilitar para transmitir às gerações vindouras, este livro privilegia a linguagem fotográfica, de tal modo que o autor recusou-se a sobrecarregar a imagem da capa com o título e o seu nome, que apenas figuram na lombada e no rosto. Editado pela Associação dos Amigos de Pereiros, esta edição tem o apoio da ASCR-Confraria Queirosiana e será apresentada por J. A. Gonçalves Guimarães.

150 anos do Torne
        

Fundada em 1868 por Diogo Cassels, um industrial de origem britânia nascido no Porto e estabelecido em Vila Nova de Gaia, comemora-se este ano os 150 anos da Igreja e Escola do Torne, localizada no lugar deste nome em Vila Nova de Gaia, instituição pertencente à Igreja Lusitana, mas que desde sempre acolheu alunos na sua parte educativa sem discriminações confessionais. As comemorações são organizadas pela paróquia de S. João Evangelista e pela Associação das Escolas do Torne e do Prado, e do programa consta a mostra documental Torne (1868-2018), um lugar na história, aberta ao público no passado dia 20 no Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, a qual encerrará ao público no dia 20 de outubro com a reedição da obra de Diogo Cassels A Reforma em Portugal, pela primeira vez publicada em 1908. Nesse mesmo dia haverá um almoço de confraternização de membros daquela congregação religiosa e de antigos alunos das escolas do Torne e do Prado, muitos dos quais são hoje cidadãos empenhados na vida local e nacional.

Prémio Villa Portela
Instituído por Ricardo Charters d’Azevedo e promovido pela Câmara Municipal de Leiria e pelo Centro de Património da Estremadura (CEPAE) está a decorrer até ao dia 15 de outubro o prazo para entrega de trabalhos candidatos à 4.ª edição do Prémio de História Local Villa Portella, que incide sobre projetos de investigação que abranjam a área do Distrito de Leiria e Concelho de Ourém. A entrega do prémio será feita em cerimónia a realizar pela Câmara Municipal de Leiria

Viagem ao Egito faraónico
         Regressaram recentemente de mais uma viagem cultural ao Egito faraónico, conduzida pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, um grupo de alunos e outros interessados, que visitaram com particular agrado uma boa parte do trajeto percorrido em 1869 por Eça de Queirós e o Conde de Resende. Para o próximo ano já estão programadas duas viagens guiadas pelo mesmo egiptólogo, a primeira entre 18 de abril e 1 de maio (Férias da Páscoa) e a segunda no verão. A organização das viagens é da agência Novas Fronteiras.

Port Wine Day
No passado dia 10 de setembro decorreu no Cais de Vila Nova de Gaia, na Loja de Informação Turística, o Port Wine Day organizado pela divisão de Turismo da Câmara Municipal local. Para além do produto de referência, de que foram abertas várias garrafas segundo o método da tenaz aquecida que quebra o gargalo, o espaço apresentava uma mostra de trajos das confrarias gaienses, tendo estado presentes a Confraria da Broa de Avintes e uma delegação da Confraria Queirosiana que apreciou a mostra de doçaria e chocolates, tendo o Rancho Folclórico de Mafamude interpretado várias danças e cantares do Entre-Douro-e-Vouga.
A Confraria Queirosiana festejou este dia com o seu Porto 20 ANOS, produzido pela Quinta da Boeira, Vila Nova de Gaia.

Exposição sobre Mário Cláudio
            No Centro Mário Cláudio em Paredes de Coura está patente ao público desde 8 de setembro a exposição “Anos 60 – A Juventude de um Escritor”, que apresenta uma mostra documental biográfica sobre o autor de As Batalhas do Caia. Nos painéis, textos e ilustrações sobre a Guerra Fria, os Hippie e outros movimentos contestatários, a Sociedade de Consumo, as motivações da Juventude, os Beatles, e a canção-hino de Wellington Almeida Pinto “Para não dizer que não falei de flores”, cantada em 1968 por Geraldo Vandré contra a ditadura brasileira e, por extensão, contra todas as ditaduras da época, mais conhecida por “Caminhando e cantando…”.

Convívios
              No próximo dia 3 de outubro decorrerá no restaurante Monte Aventino no Porto um novo almoço convívio dos antigos alunos do Liceu Alexandre Herculano daquela cidade. Estes encontros regulares, para além de alimentarem o espírito de camaradagem, servem para trocar impressões sobre a situação daquela antiga e prestigiada escola de ensino secundário e de memorabilia a ela referente, nomeadamente fotografias e números do jornal Prelúdio.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 121, terça-feira, 25 de setembro de 2018; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685;
NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154;
email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

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