sábado, 25 de agosto de 2018
Fake
News
Imaginemo-nos numa máquina do
tempo qualquer a ler em julho de 1139 a seguinte notícia no então inexistente
semanário Notícias de Portugal, sediado em Coimbra, de reduzidíssima tiragem,
copiado à mão em pergaminho, mas desde há pouco tempo mais divulgado graças ao
novo método de impressão através de pranchas de madeira com letras móveis sobre
um produto até agora por aqui desconhecido chamado papel, trazido de Bizâncio
através de Veneza por uma família de chineses que aqui aportou com a sua
carroça. Aí se poderia ler: “Grande vitória do Príncipe Alfonso ben Enrik. No
passado dia 25 de julho, em que se celebra o glorioso apóstolo da Hispânia S.
Tiago, o príncipe portucalense ido do Coimbra por Leiria com uma pequena
mesnada, internou-se no território ocupado pelos infiéis, tendo derrotado nos
campos do além Tejo um numeroso exército de islamitas chefiado por cinco reis
mouros, que foram todos mortos e os guerreiros sobreviventes feitos escravos
pelos cristãos combatentes. O príncipe nem sequer hesitou em dar-lhes combate
pois, estando em oração com os seus cavaleiros antes da refrega, apareceu-lhes sobre
as nuvens Jesus Cristo abençoando-os, pelo que os heroicos guerreiros tencionam
vir em penitência ao Mosteiro de Santa Cruz agradecer a intervenção divina que
de forma tão clara protegeu mais esta ação de Alfonso como rei ungido de
Portugal a haver.”
Regressados,
felizmente, aos dias de hoje, facilmente percebemos que acabamos de ler uma bem
antiga fake new, uma notícia falsa,
que hoje qualquer cidadão minimamente letrado desmonta. Provavelmente esta
“batalha” nunca ocorreu, pois ninguém sabe o local certo onde poderá ter
ocorrido, não houve nesta data nenhuma ação de “cinco reis” na fronteira descrita
nas crónicas árabes, nem se lhes sabe o nome. Tudo leva a crer que estamos
perante uma notícia fabricada para ajudar a campanha de marketing de D. Afonso
Henriques na fundação de Portugal como reino independente de Leão e Castela do
ponto de vista político, de Santiago de Compostela no simbólico-religioso, dos
mouros na supremacia militar, para fazer curriculum junto do papado, então
potência supranacional e sancionadora do poder real. E se na época pode muito
bem ter sido redigida com os elementos acima referidos, e até com outros que
não chegaram até nós, na realidade o relato mais antigo que sobre ela
conhecemos data apenas do início do século XV, ou seja cerca de duzentos e
setenta e cinco anos depois da data em que poderia ter ocorrido. Essas narrativas
muito posteriores foram-lhe acrescentando pormenores e significantes: seria por
ali ter visto as cinco chagas de Cristo que D. Afonso Henriques teria inventado
os cinco besantes heráldicos das quinas portuguesas, os quais, como é sabido,
são mais tardios e de outra origem bem mais prosaica, e outros mimos de
fantasia que hoje apenas olhamos com alguma condescendência patriótica para com
as crendices de tão longínquos e simples avós, mas não sem a crítica da razão
que gerações de gente honesta e estudiosa aplicaram às fake news da História nacional. Se nos lembrarmos o que foi na
primeira metade do século XIX o combate de Herculano contra a demagogia
crendeira de “autoridades” da sua época (BUESCU, O Milagre de Ourique…,
1987) e que eu próprio, em menino, ainda ouvi esta versão na escola primária, e
que em tempos muito mais recentes, para estupefação minha, ainda ouvi um jovem
professor de História debitar ingenuamente a versão da origem divina das quinas
sem qualquer sentido crítico, então, mesmo sem “máquinas do tempo”, só nos
resta continuar a refletir sobre o que é a verdade da História na comunicação
social e sobre a possibilidade de perenidade de algumas fake news, se estas não forem de imediato desmentidas ou, pelo
menos, enquadradas num grau de plausibilidade mínimo, tentando descortinar qual
o pérfido objetivo da sua manipulação. Ora, como concluiu Eça de Queirós, que
não era cientista, mas a quem a ciência e o seu exercício não eram
indiferentes, «…fora da observação dos factos e da experiência dos fenómenos, o
espírito não pode obter nenhuma soma de verdade» (colaboração no Distrito de Évora).
No que diz
respeito a mitologias antigas, por estranho que pareça, à medida que o
conhecimento científico é cada vez mais divulgado e com ele melhorado o sentido
crítico dos cidadãos escolarizados, muitas vezes as fake news de crendices e obscurantismo com séculos de existência,
em vez de regredirem no seu impacto social e cultural, apresentam-se de novo
muito ampliadas, graças a “romances históricos” (na realidade balelas
literárias pseudo-históricas feitas por não profissionais), à ficção
cinematográfica divulgada acriticamente pelos canais televisivos (mesmo os que
têm o rótulo de “História”) e sobretudo por um certo Turismo, que impinge ao
viajante “balcões de Julieta” não apenas em Verona mas, se for preciso, em Las
Vegas ou em Macau, que o turista de pacote tudo compra e leva à família como recuerdo. Mas quem inventa ou
desfactualiza notícias dos dias de hoje, tenha lá os motivos mais santos que
tiver, presta um mau serviço à sociedade e, no fundo, acha que os destinatários
do que escreve ou divulga são ingénuos facilmente manipuláveis. Talvez as
notícias falsas de hoje não tenham possibilidades de uma vida tão longa como a
da “batalha de Ourique”, mas também sabemos que os objetivos dos seus
promotores não são exatamente os de alcançarem o paraíso depois de mortos, mas
sim o de conseguirem negócios muito palpáveis e rendosos a seu favor a breve
trecho neste mundo.
Já
no seu tempo Eça de Queirós escreveu que «é o grande dever do jornalismo fazer
conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as
garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política
estrangeira, protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos,
nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual
e material em presença das outras nações, pelo progresso que fazem os
espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família,
do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes» (colaboração no Distrito de Évora). Se este ainda hoje é
o grande código de conduta dos bons profissionais da comunicação social, e por
extensão os dos historiadores, esses profissionais da comunicação social de
antanho, também muitos outros historiadores e jornalistas existem ao serviço de
interesses particulares que nos querem fazer crer que a divindade lhes costuma
aparecer nas nuvens. Ora uma forma de distinguirmos uns dos outros, de nos
precavermos contra as fake news é não
as repetirmos de imediato sem passarem pelo contraditório, o procurarmos saber
sempre se a sua fonte é séria e credível, e mesmo assim o tentarmos descortinar
que doutrinação escondida transportam para além dos factos, devendo estes serem
obviamente sempre verdadeiros na origem.
Estamos
também fartos dos órgãos de comunicação social «…que por um lado inflama[m] as
exigências mais vorazes – e por outro fornece[m] pedra e cal às resistências
mais iníquas…, os que não só atiça[m] as questões já dormentes, como borralhos
de lareira, até que delas salte novamente uma chama furiosa…» (Eça de Queirós, Correspondência de Fradique Mendes) .
Face ao
gigantismo comunicativo em que hoje estamos mergulhados, convém termos sempre à
mão um bom e despejado caixote do lixo para tanta fake new, mas também uma boa gaveta sempre arrumada e disponível
para acolhermos o inalienável direito à informação, à crítica das fontes, dos
conteúdos e da qualidade dos seus profissionais, e ao livre debate das ideias.
É o que devemos a todos aqueles que no passado e no presente se bateram em nome
da Verdade honesta e humanamente possível.
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria
Queirosiana
Carta do Brasil
Casa de Verdemilho no estado a que chegou nos dias de hoje; fotografia de Jorge Campos Henriques |
Eça e o solar queiroziano de Aveiro
Não calaremos
ao silêncio da Sociedade Eça de Queiroz, do Recife, no que respeita ao abandono
e indiferença – que aos ecianos de verdade tanto nos incomoda – a que vem sendo
relegado o Solar dos Queirozes, em Verdemilho, Aveiro, Portugal. Tão distante e
perdido no mapa e na memória (dos que não leram o autor de ‘Os Maias’ ou,
apenas, superficial e ligeiramente o fizeram); o sítio onde viveu significativa
parte da infância, nosso patrono literário, José Maria Eça de Queiroz, há de
resistir às intempéries do tempo e ao desinteresse de muitos. Poucos, decerto, os brasileiros que – por
preceito e fidelidade ao grande escritor português e, por consequência, ao
mundo de sua vivência física e intelectual – incluíram em suas vilegiaturas ao
país fundador e irmão, obrigatória e ritual passagem pela eciana (dizemos nós)
casa solarenga da hoje cidade universitária de Aveiro, onde estivemos desde
primeira viagem – e não foram poucas – àquela boa terra. Haja esperança!
O alerta de
risco iminente do patrimônio histórico-literário representado pela casa vem da
Confraria Queirosiana de Vila Nova de Gaia, que não esquece seu ‘Grão Louvado’
no Recife – bondade deles –, em erudito e oportuno editorial do mesário mor J.
A. Gonçalves Guimarães que, do alto de seu saber literário e de historiador,
além de respeitado ‘patrimoniólogo’, a todos nos convoca para a defesa da nobre
causa.
A casa
construída pelo avô paterno de Eça de Queiroz, Joaquim José de Queiroz (formado
em Direito, por Coimbra, juiz e fidalgo cavaleiro da Casa Real), incorporava à
fachada o brasão que lhe fora concedido em 30 de junho de 1835. Ali viveu o
futuro grande romancista significativa parte da infância, começada por Vila do
Conde. O imóvel que pertenceu à família até 1904 (A. Campos Matos/EQ – Fotobiografia),
perdeu o brasão – ainda bem que recolhido ao Museu de Aveiro – foi
descaracterizado por um primeiro andar. Não podemos compactuar com o abandono
que o ameaça, mesmo discordando do personagem maior do grande Eça, Carlos
Fradique Mendes, o segundo (pois há um primeiro Fradique, poeticamente
coletivo, do tempo lisboeta do Cenáculo); para quem “tudo tende à ruína num
país de ruínas.” Sobretudo, porque Portugal já não é o mesmo dos tempos
fradiqueanos e tem consciência cultural e patrimonial de seus mais caros
valores. A europeização política muito terá contribuído para isso.
Aos aveirenses
deveria bastar e muito honrar (também a todos os portugueses, brasileiros e
demais ‘falantes’ do mesmo idioma), o reconhecimento do próprio Eça, em carta
de 1884, a Oliveira Martins, seu companheiro no mais famoso grupo intelectual
português, a ‘Geração de 70’: “Filho de Aveiro, educado na Costa Nova, quase
peixe de ria, eu não preciso que mandem ao meu encontro caleches e barcaças. Eu
sei ir por meu próprio pé...”.
29 de julho de 2018
Dagoberto
Carvalho Jr.
Carlos Reis no Brasil
Professor Carlos Reis na TV Paranaíba |
No
passado dia 3 de agosto o Professor Doutor Carlos Reis deu uma entrevista à TV
Paranaíba em que falou sobre «A grande arte de Eça: Eça renovou a língua
portuguesa; ele tem graça, tem agilidade, tem sátira, é cómico, é divertido,
sem deixar, ao mesmo tempo, de ser muito sério, sob essa graça que ele tem,
porque é assim que se faz a grande arte.
No Brasil há uma
espécie de meio irmão de Eça de Queirós, chamado Machado de Assis, que, sob a
capa de uma ironia às vezes uma pouco melancólica, também faz passar, como Eça,
mensagens muito importantes sobre a vida, sobre o amor, sobre a morte, sobre a
esperança, sobre a decadência, sobre tudo isso de que se fez a arte destes grandes
escritores do século XIX ».
Feira de Gastronomia
Como
habitualmente a Confraria Queirosiana, a convite da Câmara Municipal de Vila do
Conde, terra queirosina, fez-se representar por alguns elementos dos seus
corpos gerentes na abertura da sua 20.ª Feira de Gastronomia no passado dia 17
de agosto, este ano dedicada aos países da União Europeia. Após a visita aos
diversos stands por parte da
presidente da autarquia, acompanhada pelos responsáveis pela organização, Dr.
António Saraiva Dias, diretor da Casa de Antero de Quental e Carlos Laranja, e
pelos representantes de várias confrarias, seguiu-se um jantar, no início do
qual J. A. Gonçalves Guimarães fez uma breve alusão a aspetos históricos de
Vila do Conde. Também presente a presidente da Federação Portuguesa das
Confrarias Gastronómicas Dr.ª Olga Cavaleiro, e o Dr. Manuel Pinheiro,
chanceler da Confraria do Vinho Verde.
Palestras
No próximo dia
30 de agosto, na habitual palestra da última quinta-feira do mês do Solar
Condes de Resende, o Dr. Rui Ferreira, mestre em Património, Arte e Turismo
Cultural pelo Instituto Politécnico do Porto/ Escola Superior de Educação,
falará sobre “O Núcleo de Armas de Fogo da Coleção Marciano Azuaga”, que tem
vários e curiosos exemplares desde o século XVII até ao século XX. O acervo
desta Casa foi recentemente enriquecido com a oferta à Confraria Queirosiana
pelo escritor J. Rentes de Carvalho da espingarda de caça que pertenceu a seu
avô, uma Tower de carregar pela boca de meados do século XIX, a qual já se
encontra em exposição na mostra evocativa que lhe é dedicada ali patente ao
público.
Jornadas de Balsamão
Nos próximos dias 4 a 7 de
outubro decorrem no Convento de Balsamão, Macedo de Cavaleiros, as XXI Jornadas
Culturais de Balsamão, organizadas pelo Centro Cultural local com o apoio da
autarquia local e de outras entidades. As sessões de apresentação de trabalhos
decorrerão naquele convento e na Casa do Povo de Rio de Onor. Entre os diversos
palestrantes, Fernando Andrade Lemos, do Centro Cultural Eça de Queirós de
Telheiras, falará em colaboração, sobre D. Tomás de Almeida: uma «autopsicografia»
deste antigo cardeal patriarca de Lisboa filho dos Condes de Avintes. Será
também feito o lançamento do livro de Actas das XX Jornadas.
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Eça
& Outras, III.ª série, n.º 120, quarta-feira, 25 de agosto de 2018;
propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB:
0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima
Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração Dagoberto Carvalho J.or.
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