Pode uma criança usar o apelido Eça como
nome próprio?
O
apelido luso-galaico Eça parece provir do latim ersa, de erigere, erguer a
prumo, levantar, construir, instituir. Deveria ter evoluído para essa, mas para
não se confundir com o pronome designativo esse/essa, passou a grafar-se eça,
sendo pois homófonas com grafias e significados diferentes.
Mas
na realidade este apelido em Portugal vem de uma localidade galega chamada Eza,
senhorio concedido a D. Fernando, filho primogénito de D. João, por sua vez
filho de D. Pedro e D. Inês. Tendo saído do país com seu pai, após este ter
assassinado sua mãe, D. Maria Teles de Meneses, por ciúmes, viveu muito tempo
na Galiza e recebeu aquele senhorio de seu primo segundo, D. Fradique de
Castro, duque de Arjona, tomando daí o apelido e passando a designar-se D.
Fernando de Eza, ou Deza, depois aportuguesado para Deça, ou de Eça, nos seus
descendentes.
Ainda
em Portugal, como apelido de família, a mais conhecida foi a dos Pereira de
Eça, da família de D. Carolina Augusta Pereira d´Eça, que por ter casado com o
juiz Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, transmitiram a seus filhos
os sobrenomes Eça de Queirós, que foram usados como nome literário e social
pelo filho primogénito, o escritor José Maria Eça de Queirós, também usados
pelos seus laterais e descendentes, mas com o nome próprio. Mas hoje,
comummente, no mundo da lusofonia e na literatura internacional os apelidos Eça
de Queirós designam apenas e só o grande escritor. Porém, devido à sua
popularidade e impacto da obra na Cultura Portuguesa também costuma ser
coloquialmente designado simplesmente como Eça, “o Eça”, e todos sabemos de
quem estamos a falar.
São
relativamente vulgares alguns gentílicos assumidos como nomes próprios
portugueses, mesmo quando os que os usam, e os seus progenitores que lhos
deram, o não saibam ou o não considerem, quantas vezes atribuídos apenas para
homenagear um antepassado ou um padrinho. Temos assim, por exemplo, os Vasco,
inicialmente os originários do País Basco (Vasco, do latim vascones), mas que
hoje já não o serão; os Albano, que não o serão de Alba Longa, remota cidade
latina, nem da Albânia, país adriático; nem as Alexandrinas, serão de
Alexandria no Egito, mas simples feminino de Alexandre; os Américo, esquecidos
os Amalaricos e os Almericos de onde provem o nome, não o serão tanto pelo
Vespucci, mas pela América, como continente ou país, e quanto às Fátima
portuguesas, nada terão a ver com a filha do Profeta e esposa de Ali, o 4º
califa, de seu nome FaTmâ, a desmamada, mas sim com a povoação perto de Leiria
onde em 1917 ocorreram fenómenos para-religiosos. São pois gentílicos usados
como nome próprio e outros poderíamos acrescentar. Então porque é que o gentílico
Eça, se assim o considerarmos pelos motivos acima expostos, não poderá ser
usado como nome próprio português? Dirão que a povoação de Eza/Eça não é
suficientemente importante para tal. Mas também não o será Alba Longa,
toponimicamente falando, hoje um bairro de Roma. E aí temos os Albano sem
contestação. No facebook encontrei uma Eza Elizabeth, o que é efetivamente
pouco, e poderá ser o mesmo que Elsa, o nome abreviado de Elisabeth/Isabel. Mas
no Brasil, via internet, encontrei um Eça da Silva Canto Júnior, terapeuta
ocupacional em São Gonçalo do Amarante. Poderá haver mais no mundo da
lusofonia.
Parece-me
óbvio que o uso do apelido Eça, se usado como nome próprio, terá hoje a ver, já
não com aquele remoto gentílico galego, mas com o nome do escritor Eça de
Queirós, do mesmo modo que os muitos Herculano existentes desde o século XIX já
nada terão a ver com a cidade de Herculaneum, destruída pelo Vesúvio, mas com o
segundo nome próprio do escritor (Alexandre) Herculano que, tal como Eça é
designado coloquialmente pelo seu primeiro apelido como se fora um nome
próprio, o autor de O Monge de Cister o é pelo seu segundo nome próprio,
simplesmente Herculano. Temos assim “o” Eça, “o” Herculano, “o” Camões, “o”
Pessoa, “o” Saramago, etc., nomes literários usados, a posteriori, é certo,
como se de nomes próprios se tratassem.
Por
todos estes motivos, e outros idênticos que poderiam ser aduzidos, tenho como
válido para a Cultura Portuguesa, nomeadamente para a sua onomástica, numa
perspetiva da sua tradição, inovação e perpetuidade, que tal como outros se
chamam Vasco, Albano, Américo, Fátima ou Herculano, que a uma criança possa ser
atribuído o nome próprio Eça. Em Portugal a entidade competente na matéria é o Instituto
dos Registos e do Notariado, que todos os anos publica uma lista dos nomes
aceites e dos recusados, mas que prevê que as pretensões para estes últimos
sejam revistas desde que devidamente fundamentadas. O que acima escrevi é o meu
contributo para essa fundamentação, para que Eça possa ser usado como nome
próprio por crianças portuguesas. Para além de todas as razões
histórico-linguísticas, será com certeza uma homenagem muito própria a um dos
maiores vultos da Cultura Portuguesa de todos os tempos. Como é sabido, nas
relações humanas, os purismos linguísticos, as gramáticas, os acordos
ortográficos e outros regulamentos que tais são ótimos como códigos da estrada
da vida mas, só por si, não nos levam a lado nenhum que valha a pena.
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria
Eleições
No
próximo dia 1 de outubro haverá eleições para as autarquias portuguesas. Muitos
dos nossos sócios e confrades queirosianos apresentam-se ao sufrágio popular
nas listas de diversos partidos e coligações, mostrando assim o seu
empenhamento na administração local e na melhoria das condições de vida das
populações, nomeadamente nas áreas primordiais de apoio social aos mais
carecidos; da defesa do ambiente e do fomento de um urbanismo sustentável; da
criação de emprego e de atividades para os desocupados; de apoio às condições
de vida com ausência de doenças, acidentes ou agressões, ou, quando tal não é
possível, aos cuidados de saúde adequados; ao ensino livre, universal,
positivista e humanista em todos os graus; ao apoio a atividades profissionais
e amadoras nas áreas da Cultura, Desporto, Lazer e Espetáculo, capazes de
criarem cidadãos livres, críticos, esclarecidos e empenhados na sua
contemporaneidade e nos dias do futuro. Os que não são candidatos deverão
participar com o seu voto, evitando assim que outros escolham por si aquilo que
efetivamente diz respeito a todos e a cada um. Votai, com amor ou com raiva,
mas votai!
Livros
Ricardo
Nicolau de Almeida (RNA), um homem da Foz do Douro descendente de uma família
gaiense de há muito ligada ao mundo dos vinhos, acaba de publicar as suas
memórias possíveis num interessantíssimo livro intitulado “Setenta à hora”.
Memórias e ajustes de contas com o passado e o futuro, muitos são os que os
escrevem: a diferença estará no interesse daquilo que têm para contar e da
forma como o fazem. Ora aqui temos duas mais valias incontornáveis: RNA é por
natureza um aventureiro de todas as latitudes, ainda que na vida tenha
realizado as mais sérias atividades comerciais e de marketing ao serviço de
conhecidas empresas de vinhos de Gaia com grande profissionalismo e sucesso.
Mas, como ele próprio escreveu, «sou um passageiro do meu corpo». Depois o
livro não foi escrito com a preocupação de erudições, o que o transformou num
relato fresco, vivo, que se lê por uma noite adentro, não apenas para sabermos como
é que uma caravana maluca atravessa desertos perdidos pelas áfricas adentro,
nas para ver como é que RNA escapou a situações que Júlio Verne não teria
desdenhado de pôr nos livros escritos pela sua empresa de copywriters (não copyrigthers).
E tudo isso com um notável humor, às vezes triste, às vezes ácido, que a vida é
uma brincadeira pegada muito séria. Apenas um senão, um reparo ao autor: eu
conheço muitas mais estórias impagáveis que têm RNA como protagonista que não
estão neste livro, vá lá saber-se porquê. Autocensura? Sendo o autor um homem
amigo da família, dos companheiros de viagem, dos desconhecidos, talvez não tenha
querido melindrar ninguém com elas. Lembro-me, por exemplo, daquela vez em que
teve de oficiar uma missa em latim para resolver um problema difícil de
logística. Fiquei também intrigado com o facto de não falar das suas pinturas,
sendo ele o segundo de uma sequência de tês pintores muito interessantes na
família. Mas, no fundo, a despeito destas lacunas, é bem possível que a sua
vida, como na antiga Grécia, esteja já a ser tocada pela Mitologia de Gaia, da
Foz, do Douro, de África, do Brasil e de muitos outros locais, em volta deste
Ulisses atual. Tive a sorte de ser brindado com um exemplar de seu livro à
cause do Gabinete de História e Arqueologia, dos Afons’eiros, das escavações de
Ervamoira e de outras situações em que nos encontramos e partilhamos vivências.
Sendo uma edição pessoal e limitada, vai-vos ser difícil lê-lo, mas olhem que
iriam dar o vosso tempo por bem empregue. JAGG.
Palestras, cursos e eventos culturais
Roteiro de Soares dos Reis
No
passado dia 4 de setembro, integrada no programa do IV Congresso Concelhio de
Educação de Vila Nova de Gaia organizado pela Escola Básica de Soares dos Reis,
J. A. Gonçalves Guimarães conduziu uma visita guiada sobre “Um percurso de
Turismo pela vida e obra de Soares dos Reis”, com paragens e dissertação sobre
o tema junto da sua estátua no jardim que tem o seu nome e junto da sua casa
atelier na rua Luís de Camões, atualmente fechada e degradada, mas que um
protocolo recentemente assinado entre a Câmara de Gaia e a Universidade do
Porto, proprietária do imóvel, vai reabilitar para memória deste escultor
gaiense do século XIX.
No
passado dia 21 de setembro decorreu no Museu de Arte Popular, em Lisboa, a
apresentação do programa nacional das Jornadas Europeias do Património 2017 em
Portugal, coordenadas pela DGPC, nas quais, como habitualmente e como
anunciado, participou a Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ) com a realização de
umas jornadas no Solar Condes de Resende no passado dia 23. Foi também aí lançado
o programa do Ano Europeu do Património Cultural 2018, pelo ministro da Cultura
Luís Filipe Castro Mendes, pelo coordenador nacional Guilherme d’ Oliveira Martins
e pela diretora geral do Património Cultural. Também neste projeto participará
a Academia Eça de Queirós, através da realização de um curso livre sobre
Património Cultural de Gaia, com início no próximo dia 28 de outubro, e de
outras iniciativas, nomeadamente a continuação da concretização editorial do
projeto do Património Cultural de Gaia (PACUG).
Com a realização das Jornadas
Europeias do Património, este ano subordinadas ao tema “Património e Natureza”
e que decorreram no passado dia 23 no Solar Condes de Resende, reiniciou-se
assim a saison cultural nesta casa municipal de cultura e da própria Confraria
Queirosiana. Numa sessão presidida por José Manuel Tedim, presidente da direção
da ASCR-CQ, falaram Nuno Oliveira sobre “Aspetos do Património Natural de
Gaia”; Paulo Rocha sobre “O Geomonumento da Praia de Lavadores”; Susana
Moncóvio sobre “O Desenho Científico como instrumento de conhecimento”; Susana
Guimarães sobre “O Solar Condes de Resende e a Natureza – equilíbrios
centenários a preservar”; Maria de Fátima Teixeira sobre “O Património Natural
na Indústria têxtil” e J. A. Gonçalves Guimarães sobre “Património Natural na
Coleção Marciano Azuaga”. Devido ao facto destas apresentações estarem
limitadas nesta apresentação a um quarto de hora cada, serão posteriormente
rentabilizadas nas palestras das últimas quinta-feira do mês ou noutros fóruns.
Júlio Dinis
No
próximo dia 27 de setembro no Forte de São João Baptista da Foz no Porto,
integrado no Ciclo de Roteiros Literários e Conferências Foz Literária
organizadas por José Valle de Figueiredo, haverá um jantar com palestra
subordinada ao tema “Quem se lembra d’ As Pupilas do Sr. Reitor?”.
Músicos de Gaia
No
dia 28 de setembro, pelas 21,30 horas, na habitual palestra das últimas
quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, J. A. Gonçalves Guimarães
falará sobre “Músicos gaienses: do lembrar ao escutar”, conferência
complementada com a audição de obras escolhidas da autoria dos músicos
compositores ou interpretadas por cantores e intérpretes referidos pelo
palestrante.
Jornadas Culturais de Balsamão
Nos
dias 5 a 8 de outubro decorrerão no Convento de Balsamão em Macedo de
Cavaleiros as XX Jornadas Culturais 2017, este ano sob o tema “Património
Natural e Desenvolvimento Regional”, nas quais será conferencista Fernando
Andrade Lemos do Centro Cultural Eça de Queiroz, Lisboa, que falará sobre “Balsamão
– 10.000 a. C.” (em colaboração).
As Cidades na História
Nos
dias 18 a 20 de outubro decorrerá em Guimarães o II.º Congresso Histórico
Internacional – Cidades na História, onde o Gabinete de História, Arqueologia e
Património (GHAP) da ASCR-CQ estará presente com as seguintes comunicações:
Sessão 9: Cidade Industrial, dia 19: Eva Baptista, “ Pela Creche! As dinâmicas
sociais em torno da proteção da prole infantil na sede de concelho de Vila Nova
de Gaia, na viragem para o século XX”; J. A. Gonçalves Guimarães, “Vila Nova de
Gaia, a «Southwark do Porto» nos primórdios da época industrial”; Licínio
Manuel Moreira dos Santos e Maria de Fátima Teixeira, “O centro urbano de Vila Nova
de Gaia em finais de oitocentos: uma área industrial num município agrícola”.
No dia 20, na Sessão 7 – Cidade Industrial, Jorge Fernandes Alves apresentará,
em colaboração, o tema “Porto: a cidade industrial e o sistema portuário”.
Sepulturas escavadas na rocha
A
19 e 20 de outubro, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e
organizado pelo CITCEM e DCTP decorrerá o Congresso Internacional sobre
“Sepulturas escavadas na Rocha na fachada atlântica da Península Ibérica”, no
qual os membros do GHAP, António Manuel Silva, Laura Sousa e outros
investigadores do projeto CASTR’UÍMA do Gabinete de História, Arqueologia e
Património (ASCR-CQ), apresentaram a comunicação «As sepulturas escavadas na
rocha do Castelo de Crestuma (Vila Nova de Gaia, Norte de Portugal): contextos
e problemática»
(Re)usar o Douro da Antiguidade
Entre
26 e 29 de Outubro na Casa Allen no Porto, no Mosteiro de Corpus Christi em
Gaia e em Tiermes (Sória, Espanha), decorrerá o Encontro “Construir, navegar,
(re)usar o Douro da Antiguidade”, organizado pela FLUP/CITCEM, com a
colaboração da FAUP/CEAU, do ISPGaya, da DRN/MC, da Câmara Municipal de Gaia e
da Dirección
General de Patrimonio de la Junta
de Castilla y Léon. Entre muitos dos conferencistas inscritos no programa
falarão António Manuel S. P. Silva sobe “Cale Callaecorum locus? Lugares e
povos pré-romanos do Baixo Douro à luz da história e da arqueologia” e Lino
Tavares Dias sobre “Ano Zero, ano 100, no territorium de Tongobriga”. O
encontro terminará com um debate sobre o desafio “Investir em Património na
bacia do Douro. Porquê?”
Curso de Património
A partir de 28 de outubro
próximo, o Solar Condes de Resende e a Academia Eça de Queirós, grupo de
trabalho dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana, com o
patrocínio da Câmara Municipal de Gaia e a colaboração de outras entidades, vão
levar a efeito o seu 24.º curso, desta feita sobre Património Cultural de Gaia certificado
pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente e enquadrado nas
ações do Ano Europeu do Património Cultural que se celebrará em 2018, a cujas
realizações assim desde já se associam. Como habitualmente as sessões serão
apresentadas por professores e investigadores que neste caso são também coordenadores
dos volumes do projeto em curso sobre O Património Cultural de Gaia (PACUG),
nomeadamente António Manuel S. P. Silva, Barbosa da Costa, Eduardo Vitor
Rodrigues, Francisco Queiroz, Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, J. A. Gonçalves
Guimarães, José A. Rio Fernandes, José Manuel Tedim, Nuno Oliveira, Nuno
Resende e Teresa Soeiro.
Destinado ao público em geral, é
particularmente interessante para professores e estudantes das diversas áreas
do Património e também para os profissionais de Turismo e de Gestão de
Património Cultural. O curso decorrerá ao longo de 13 sessões, à média de duas
tardes de sábado por mês no Solar Condes de Resende, entre as 15 e as 17 horas.
A todos os participantes será entregue no final um certificado de frequência e
um CD com textos dos professores sobre a matéria dada. Aos docentes para tal
inscritos será passado um certificado de formação credenciada.
A frequência do Curso implica a
inscrição prévia e o respetivo pagamento. O programa definitivo poderá ser
visto em confrariaqueirosiana.blogspot.com
______________________________________________________
Eça
& Outras, III.ª série, n.º 106 – segunda-feira, 25 de setembro de 2017;
propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te.
n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral.
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