Nos 150
anos de Eça em Évora:
Roteiro
queirosiano do Alentejo
No presente
ano de 2017 comemoram-se os 150 anos da presença de Eça de Queirós na capital
do Alentejo a dirigir o bissemanário Distrito
de Évora, publicado entre 6 de janeiro e 26 de agosto de 1867, no qual o
escritor, então com apenas 22 anos, deixou páginas ainda hoje admiráveis,
depois recolhidas em “Páginas de Jornalismo” (ed. Lello) e em “Da colaboração
no «Distrito de Évora»”, ed. Livros do Brasil. Mais recentemente estes textos
têm dado origem a trabalhos académicos, como a dissertação de mestrado de Ana
Paula Fernandes Rodrigues, intitulada “Eça de Queirós e as páginas
desconhecidas do Distrito de Évora”, apresentada na Universidade Aberta em
2008, e a novas análises sobre a sua vida e obra naquelas paragens, já muito
distantes de “Eça de Queiroz em Évora” de Celestino David, publicado em 1945.
Um bom pretexto para irmos a Évora, Serpa e Corte Condessa, percorrer o mais
esquecido e desconhecido dos roteiros queirosiano, o qual, como todos os
outros, também deixou mais valias culturais para hoje usufruirmos. É a isso que
chamamos Património: o passado estudado, trabalhado, protegido e explicado por
profissionais, para ensino e deleite dos cidadãos atuais que dele possam obter
algum ganho, espiritual ou material, participando conscientemente na missão, ou
simplesmente na disposição, de o legar em melhores condições às gerações
vindouras, para que sejam mais sábias e mais felizes.
Recordemos
então as circunstâncias que levaram Eça a Évora. Em Junho de 1866, depois de
concluir o bacharelato em Direito na Universidade de Coimbra, veio viver para
Lisboa. Em Outubro inscreve-se como advogado no Supremo Tribunal de Justiça,
mas a vida para o filho de um magistrado sério não estava fácil na capital e
por isso o pai arranja-lhe o emprego de ir dirigir aquele jornal alentejano de
oposição ao governo. Ali chegado, além dessa tarefa, estabelece na redação do
jornal, à praça D. Pedro (hoje Joaquim António de Aguiar) a sua banca de
advogado, mas parece que apenas levou ao foro um único caso de diferendo entre
um inquilino da Casa Pia local e o senhorio. Vivendo na travessa dos Frades
Grilos e absorvido pela tarefa de produzir a totalidade do jornal, parece não
ter prestado muita atenção à realidade circundante para além dos monumentos,
das feiras e dos roubos. A solidão de um jovem daquela idade sem companhias,
num ambiente com o qual não tinha afinidades, segundo João Gaspar Simões na
biografia que dele escreveu, «constitui[u] ensaio decisivo da sua vocação
literária», permanentemente posta à prova nas páginas daquele periódico durante
mais de seis meses. Mas foi ali que Eça se revelou o jornalista consciente da
sua missão e da importante função social e moral da Imprensa, ao escrever no
seu primeiro editorial, precisamente no n.º1 daquele jornal: «É o grande dever
do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os
seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que
toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os actos
culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza
moral, intelectual e material em presença de outras nações, pelo progresso que
fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família,
do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes.» (Eça de Queirós, Da Colaboração no «Distrito de Évora»,
I, LB, p. 9).
Regressado a
Lisboa no final de Agosto, intenta também ali abrir banca de advogado. Pouco se
sabe da sua vida desde então até agosto de 1869, quando está presente na
inauguração da escola primária em Canelas, Vila Nova de Gaia, patrocinada pelo
seu antigo condiscípulo do Colégio da Lapa, D. Luís Benedito, 5º Conde de
Resende, que aí possuía a Casa e Quinta de Costa (Solar Condes de Resende).
Partem depois ambos em outubro em viagem ao Egito e à Terra Santa, para a
inauguração do Canal de Suez, chegando a Lisboa em Janeiro de 1870. Tão cedo
Eça não voltará ao Alentejo, mas apenas em 1898, quando vai a Serpa e à herdade
de Corte Condessa, no concelho de Beja, herança de sua mulher, de sua cunhada
Benedita e de seu cunhado Alexandre.
Entretanto,
talvez em Lisboa e antes de 1884, vem a conhecer Francisco Manuel de Mello
Breyner, Conde de Ficalho, professor da Escola Politécnica, botânico e biógrafo
de Garcia da Orta e de Pero da Covilhã, autor de contos e de livros sobre
plantas e um dos Vencidos da Vida, proprietário em Serpa, que o acompanha e hospeda,
fazendo-lhe «as honras do seu solar!», constatando Eça no dia seguinte que estava
em «terra lindamente pitoresca». Parte então para a herdade que fora dos Condes
de Resende, onde «o monte está[va]
muito habitável, restaurado de novo, com agradáveis quartos, e tudo da quase
inverosímil limpeza alentejana. Estive ali três dias. Vida de lavrador.
Passeios de léguas, através da herdade, sob soalheiras violentas. Madrugadas.
Comezainas enormes (e deliciosas). Cenas pitorescas. E sobretudo a satisfação
de ver a herdade admiravelmente tratada. Parece outra. Já tem largos montados
limpos; tem hortas, vai ter vinha; há cinco poços abertos; e já se caminha
durante horas ao longo de campos de trigo e centeio…». Depois de
impressionantes descrições gastronómicas, as quais, «logo pela manhã, às 10
horas os almoços eram temerosos – porque o prato mais insignificante era sempre
um imenso peru», escreve que «quase dá vontade de ali viver – se não fosse a
imensa solidão, a melancolia da paisagem, e a insalubridade do sítio. O
Guadiana faz sezões», que os rendeiros pensavam combater plantando um grande
bosque de eucaliptos. «Mas a eficácia do eucalipto é problemática – e malária
do Guadiana é certa», sabia já então o escritor (Eça de Queirós. Correspondência, coordenação de A. Campos Matos,
2008-II, p. 406/4079.
Por todos
estes motivos a Câmara Municipal de Évora fez um programa comemorativo que
começou no passado dia 6 de Janeiro e que se prolongará ao longo do ano com
diversas manifestações culturais. A Confraria Queirosiana prepara uma viagem ao
roteiro queirosiano do Alentejo para o próximo mês do Maio para assinalar com a
sua presença esta data jubilar do universo queirosiano.
J. A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
Livros
& Revistas
Entre 13 de
junho e 30 de outubro do ano passado estiveram patentes ao público na Casa
Museu Marta Ortigão Sampaio no Porto, e no Museu da Quinta de Santiago em
Matosinhos, duas exposições comemorativas dos150 anos do nascimento de Aurélia
de Sousa (1866-1922) das quais resultou o livro “Aurélia, mulher artista
(1866-1922)”, editado pelas câmaras de ambos os municípios. Entre os diversos
estudos publicados que analisam a sua vida, obra e época encontra-se o de
Susana Moncóvio, intitulado “Mulheres artistas antes de Aurélia de Sousa: a
lenta metamorfose de uma condição no espaço da Academia Portuense de
Belas-Artes”, p. 125-135. Esta investigadora do Gabinete de História,
Arqueologia e Património tem vindo a publicar diversos trabalhos sobre as
mulheres artistas do século XIX que foram teimando para terem lugar no mundo da
Arte por mérito próprio, bem evidente em algumas das obras que foram
produzindo.
Está em
distribuição o boletim “O Amigo dos Museus”
n.º 25, propriedade da Federação de Amigos dos Museus de Portugal referente
a dezembro de 2016, que apresenta com especial destaque uma viagem ao Japão
organizada pelo Grupo de Amigos do Museu do Oriente. A Federação, que
representa em Portugal a World Federation of Friends of Museums (WFFM) tem como
associada, entre os seus aderentes nacionais, os Amigos do Solar Condes de
Resende – Confraria Queirosiana.
Também em
distribuição o n.º 59 da revista “Islenha – Temas Culturais das Sociedades
Insulares Atlânticas”, referente a julho-dezembro de 2016 e publicada pela
Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura da Região Autónoma da
Madeira. Este número, entre outros artigos, apresenta o de João Medina
intitulado “Os Judeus e a Questão Judaica na obra de Eça de Queiroz”, uma
leitura do que o escritor equacionou à luz dos acontecimentos do passado e da
sua época, com notável equidistância em relação ao que é humanamente aceitável
e ao que é oportunismo mascarado de religião. Curiosamente, Eça de certo modo
profetizou as tragédias que haveriam de acontecer com os judeus na primeira
metade do século XX e no nosso tempo. O escritor não teria certamente poderes
divinatórios, mas como cidadão conhecedor e atento à política internacional, “adivinhou”,
sobre este e outros assuntos, o que os tempos seguintes trariam. Este artigo
suscita pois uma profunda análise que agora se não fará, mas que merece desde
já alguns reparos em relação a pequenos erros impressos, que depois outros
repetem e perpetuam, como, por exemplo, o de se escrever que Eça foi ao Egito
«em companhia do futuro cunhado Luís, conde de Resende». Ora o 5º conde de
Resende efetivamente acompanhou o escritor naquela viagem, mas nunca foi seu
cunhado, pois morreria novo e antes do casamento. Cunhado do escritor foi seu
irmão mais novo, Manuel, o 6º conde de Resende. Erros destes são hoje
desnecessários pois a família de Emília está suficientemente bem estudada e
divulgada nas biografias credíveis do próprio Eça e no Dicionário, organizado por A. Campos Matos.
Também
presente o n.º 83 do Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, referente a
dezembro de 2016 o qual, entre outros artigos, insere “Plano de Intervenção na
Salvaguarda do Património. Plano 3P – o Património Edificado do Centro
Histórico de Vila Nova de Gaia”, por Salvador Almeida; “O escultor Joaquim
Gonçalves da Silva (1863 – 1912): a propósito da escultura funerária «A Dor»,
no Cemitério de Mafamude (2ª parte)”, por Susana Moncóvio; e “ O Cemitério
Paroquial de Santa Marinha e a sua Capela (1873 – 1931)”, por Virgília Braga da
Costa.
Entre 24 de julho e 27 de
setembro de 1870 o Diário de Notícias publicou uma série de cartas dirigidas ao
diretor do jornal dando conta de estranhos acontecimentos que prefiguravam uma
estória de crime e suspense, que os deixou expetantes ao longo de semanas. Os
autores da invenção eram Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, e assim nasceu o
primeiro romance policial português, depois publicado em 1884 em livro com o
título “O Mistério da Estrada de Sintra”. Para recordar essa primeira edição em
folhetins, aquele jornal lançou agora uma nova composta por 20 folhetins e uma
capa colecionáveis desde 22 de janeiro passado.
Cursos, palestras, colóquios, jornadas…
Curso
sobre História Naval do Noroeste de Portugal
No Solar Condes
de Resende continuam aos sábados à tarde, entre as 15 e as 17 horas e de quinze
em quinze dias, as aulas do curso livre sobre História Naval do Noroeste de
Portugal, organizado pela Academia Eça de Queirós com a colaboração da Câmara
Municipal de Gaia e do Solar Condes de Resende. Assim, no passado dia 7 de
janeiro, J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre “Memórias marinheiras do
Noroeste de Portugal” e no dia 21, a Prof. Doutora Teresa Soeiro sobre “A pesca
no Noroeste de Portugal”. No próximo dia 4 de fevereiro, o Dr. César da Fonseca
Veloso falará sobre “Percursos do direito comercial marítimo em Portugal”, e no
dia 18 o Comandante Hugo Bastos sobre “Turismo Fluvial e Marítimo”.
Palestras
e colóquios
No passado dia 13 de janeiro, na
sede da associação gaiense Os Mareantes do Rio Douro e na antevéspera da
primeira romaria do ano, o historiador J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre “
A Festa de S. Gonçalo em Gaia: origens e evoluções de um culto de mareantes”,
no início da sessão solene anual desta coletividade, cujas raízes remontam ao
século XVII, quando os mamposteiros recolhiam esmolas e donativos para a
beatificação de S. Gonçalo de Amarante.
No
próximo dia 24 de Fevereiro este historiador do Gabinete de História,
Arqueologia e Património apresentará num colóquio sobre o Cerco do Porto,
organizado pela Universidade Infante D. Henrique, pela Ordem da Lapa e pelo
Ministério da Defesa, na sala dos retratos da igreja da Lapa, o tema “A outra
margem do Cerco do Porto”.
No
dia anterior, às 21,30 horas, nas habituais palestras das últimas
quintas-feiras do mês do Solar Condes de Resende, o Professor Doutor Gonçalo de
Vasconcelos e Sousa, coordenador do volume do Património Humano do Projeto de
Levantamento do Património Cultural Gaiense (PACUG), apresentará a conferência
“ O Conde de Burnay e a sua época”
Estatuária
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 98 – quarta-feira, 25 de
janeiro de 2017; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria
Queirosiana; C.te. n.º 506285685 ;
IBAN: PT50001800005536505900154;
email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.
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