O velho cilindro
compressor
Lembro-me que quando era menino e
ia pela mão de minha avó Dioguina ou minha tia Lucinda até à escola
pré-primária à entrada do Bairro das Pedras ficar fascinado com o gigantismo dos
caterpillars e a eficiência dos
“cilindros” compressores que “passavam a ferro” quaisquer materiais até ficarem
lisos. E tal era verdade para amontoados de brita e saibro postos por cima das
valas abertas nas ruas para o saneamento e a água encanada, mas também para as
latas de sardinha vazias ou quaisquer outros objetos, metálicos ou não, com que
nos divertíamos atirando-os para debaixo do cilindro e esperando pelo resultado
nas traseiras depois da máquina passar, e também, diga-se em abono da verdade,
do olhar cúmplice ou mesmo divertido do condutor da máquina com a demonstração
do seu poder, que reduzia volumes a folhas fininhas. Tão fascinado com o facto fiquei
que, apanhando-me logo depois mais ou menos sozinho em casa, ou com minha avó a
dormir, desenhei a toda a volta nas paredes do quarto de meus pais toda uma
banda desenhada a representar estas máquinas. Fiquei sem saber se ficaram
embasbacados com a asneirada ou com a habilidade do menino. Lembro-me de terem
andado a mostrar a “capela sistina” improvisada e, além do mais, não eram de
bater no desconcertante, mas pacífico, rebento. Mas esta imagem ficou-me pela
vida fora, não tanto o velho cilindro compressor da infância, mas uma máquina
muito mais subtil e poderosa que é, e continua a ser, o cilindro compressor
institucional do dia-a-dia sobre a vida, o trabalho, os afetos, as convicções e
a sua partilha em liberdade, igualdade e fraternidade, essa velha máxima nunca
alcançada e já hoje esquecida. E este outro, não só reduz a qualquer coisa
fininha, insignificante e medíocre tudo o que é nosso, quer seja importante ou
mero objeto banal, como continua inexorável no seu peso, na sua direção, no seu
objetivo de cilindrar-nos, exigindo que abandonemos de vez a pretensão de ter,
e pior ainda, de querer manter e afirmar, os “relevos” que vamos construindo,
ainda que úteis ou sensatos. Lembro-me de como o ar vagamente filosófico do
condutor do cilindro se transformava em esgar de fúria quando, em vez da lata
de folheta cuja planificação absoluta o divertia, atirávamos para aquela frente
niveladora qualquer outra coisa capaz de resistir ao previsível esmagamento,
como por exemplo, uma pedra com algum volume e dureza. Tal não estava previsto
e contrariava sumamente o efeito circense habitual. A seguir, tal como agora,
vinham os impropérios, as ameaças, as nossas possíveis fugas.
Desde então este segundo, e muito
mais terrível “cilindro compressor” tem-me acompanhado ao longo da vida, e,
embora tal me não conforte por aí além, suponho que cada um terá o seu, ainda
que de tal não tenha dado conta. Esse cilindro existia com certeza na minha
infância lá em casa, como aplanador do “parece bem” e do “tem de ser assim” e,
ainda que afetuoso pela sabedoria de gerações de boa gente, cada qual também
com o seu “cilindro” de que já conhecia o regulamento, quantas vezes terminava,
ainda que a contragosto, no “porque sim” e ponto final. Tive depois mais
algumas destas máquinas na escola primária, na catequese, no liceu, no primeiro
curso, na tropa, no 25 de Abril a cilindrarem os cravos da esperança e o “The
Times They Are a-Changin” de Bob Dylan, na profissão, na vida adulta, no
empenhamento artístico, sindical, cívico e político, no segundo curso, na
segunda profissão, na trajetória de vida até hoje, mesmo nestes escritos que
aqui deixo, com a convicção assumida, mas cilindrada,
de que estou a publicar as minhas opiniões e “latas de folheta” num blogue de
uma instituição felizmente poliédrica, onde eu sou apenas, e não quero ser
jamais qualquer outra coisa, que não seja a inevitabilidade plana e simples que
fica depois de o cilindro passar. E creio bem que esta é a única aspiração a
que um cidadão que não cultiva a sua horta, que não apascenta o seu gado, que
não pesca o seu peixe, que não sabe nem treinou a pontaria à possível caça, que
não teceu a sua roupa, que não moldou o seu prato, que não construiu a sua casa,
que não inventou a língua com que se faz entender aos mais próximos, que não
firmou nenhum dos totens que a sua comunidade tomou como símbolo, que não
fundou o seu país, que ainda o não conduziu ao paraíso terreal nem à glória
eterna, depois da frustração de não ter participado por aí além em qualquer
destas grandezas, pode desejar. Dir-me-ão que outros não são assim, que o banal
é vermos e ouvirmos cidadãos que nada criaram para o bem comum, que pouco ou
nada fizeram na vida, que nem sequer a sua profissão exerceram com seriedade,
que viveram à custa dos outros vendendo-lhes – quantas vezes por bom preço –
monumentais aldrabices, futilidades, inutilidades, prejudicialidades, pestes, fomes
e guerras, ainda que não as que matam logo, mas as que cilindram a existência e
tornam o cidadão um permanente dependente dos aclamados mantenedores do “porque
sim”, dos vendedores de “banha da cobra”, dos “iluminados”, dos exploradores
das infinitas orfandades humanas que gostaríamos de ver aplacadas no dia que
passa e não quando formos “pó, cinza e nada”, e todos eles a exigirem benesses,
prebendas, lugares de destaque para si, sua família e membros dos clubes que os
protegem e promovem.
Muitos desses não têm de se
preocupar com o “cilindro”, pois tudo lhes vai nas asas do vento, pelo menos
enquanto ele está de feição. Terá sido a pensar neles que certamente Eça de Queirós
escreveu em “A Ilustre Casa de Ramires”,
o seguinte «…o Homem só vale pela Vontade – só no exercício da Vontade reside o
gozo da Vida. Porque se a Vontade bem exercida encontra em torno submissão –
então é a delícia do domínio sereno; se encontra em torno resistência – então é
a delícia maior da luta interessante. Só não sai gozo forte e viril da inércia
que se deixa arrastar mudamente, em silêncio e macieza de cera…». Contra o
exercício da nossa vontade teremos sempre de contar com a ronceirice niveladora
do “cilindro” social. A única hipótese de lhe escapar é desviando-nos do seu
trajeto, quase sempre bastante previsível. E arcar com as consequências. É esse
o gozo da vida.
J. A Gonçalves
Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
Honoris
Causa
Guilherme d’ Oliveira Martins |
No passado dia
21 de setembro, no auditório do Centro Cultural de Belém em Lisboa, tomou o
grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade Aberta o confrade de honra da
Confraria Queirosiana, Doutor Guilherme Valdemar Pereira d’ Oliveira Martins,
tendo como padrinhos o Professor Doutor Roberto Carneiro e o nosso confrade
Professor Doutor Carlos Reis. O texto da sua oração de sapiência intitulada
«Serviço público da Língua Portuguesa» ficou impresso no jornal Público do dia
26 de setembro passado.
No
dia 12 de outubro foi o mesmo também agraciado com o mesmo grau pelo Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas na sua Aula Magna no Alto da Ajuda também
em Lisboa.
Tendo
sido deputado em várias legislaturas, secretário de estado e ministro em vários
governos, presidente do Tribunal de Contas, além de presidente do Centro
Nacional de Cultura, foi distinguido com várias condecorações. O ilustre
doutorado é presentemente administrador executivo da Fundação Calouste
Gulbenkian.
Cursos,
palestras, colóquios, jornadas e outros
Curso
de História Naval do Noroeste de Portugal
Como
anteriormente noticiamos, no passado dia 3 de outubro decorreu no auditório do Palácio
da Bolsa no Porto mais uma conferência da série “Atlântico Mais”, desta vez
sobre “A evolução das operações portuárias”, na qual, entre outros
profissionais convidados, falou J. A. Gonçalves Guimarães, investigador de
História Naval e coordenador do curso sobre a mesma temática no Solar Condes de
Resende, sobre “Os portos do Porto (Matosinhos, Gaia, Porto): o porto por excelência”,
a qual pode ser escutada em https://youtube. com/watch?v=NuSiPZeSJz4.
Também como previsto teve início no dia 15 de outubro a abertura daquele curso
com a presença do presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Prof.
Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, do presidente dos Amigos do Solar Condes de
Resende – Confraria Queirosiana, Prof. Doutor José Manuel Tedim, do Dr. Carlos
Sousa, em representação da diretora do Centro de Formação de Associação de
Escolas Gaia Nascente, Dr.ª Maria Virgínia Barroso, do diretor do Solar e de
representantes de várias instituições. Após a entrega dos certificados do curso
anterior, e na qualidade de professor de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade
do Porto, Eduardo Vítor Rodrigues apresentou uma aula sobre «Uma política
marítima para a frente atlântica».
No dia 22 de outubro, o Prof. Doutor Luís
Manuel de Araújo, egiptólogo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
apresentou «Navios e navegações antigas no Mediterrâneo». Seguir-se-á no
próximo dia 5 de novembro «Navios romanos na rota atlântica», pelo Prof. Doutor
Rui Morais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto» e no dia 12 de
novembro «As origens medievais da Marinha Portuguesa» pelo Prof. Doutor Luís
Miguel Duarte também daquela faculdade.
Este curso é
organizado pelo Solar Condes de Resende com a colaboração da Academia Eça de
Queirós e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia
Nascente do Ministério da Educação.
Encontro
anual da FAMP
No
passado dia 8 de outubro decorreu em Barcarena, Oeiras, o Encontro Anual da
Federação dos Amigos de Museus de Portugal, no qual a associação Amigos do
Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana está filiada, tendo aí sido
representada pelo seu vice-presidente, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo.
Centenário
da Banda de Coimbrões
No passado dia 9 de outubro na
sede da Junta da União de Freguesias de Santa Marinha e Afurada decorreu a
sessão solene do centenário da Sociedade Musical 1.º de Agosto, localmente mais
conhecida como “Banda de Coimbrões”, com o lançamento de um livro sobre a
memória da sua existência. Na ocasião, entre outros, falou J. A. Gonçalves
Guimarães sobre a história da localidade e dos grandes músicos de Gaia do
passado ao presente. À cerimónia compareceram diversos confrades queirosianos
em representação da Câmara Municipal e de outras instituições, ficando aí definido
o tema do curso do Solar para o ano de 2017/2018, que será sobre Música &
Músicos da região norte, numa perspetiva da História da Música e da
Musicologia.
“Por uma sociedade decente”
500
anos do Foral de Gaia
No próximo dia 27 de novembro,
quinta-feira, pelas 21,30 horas nas habituais palestras das últimas
quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, J. A. Gonçalves Guimarães irá
falar sobre “O Foral Manuelino de Vila Nova de Gaia (1518): 500 anos de
História” para sensibilizar os ouvintes para a importância das comemorações
deste documento estruturante do município que decorrerão em 2018.
Tertúlia
Educação 2016
No próximo dia 29 de outubro,
sábado, 21,30 horas, decorrerá no auditório da Assembleia Municipal de Vila
Nova de Gaia uma tertúlia subordinada aos temas: “Qual o estado da Educação?
Evolução histórica e novos desafios” promovida pelo MCG. Serão conferencistas,
entre outros, o Prof. Doutor José António Afonso, da Universidade do Minho e
dos corpos gerentes da ASCR-Confraria Queirosiana; a Dr.ª Eva Baptista, do
Gabinete de História, Arqueologia e Património, ASCR-CQ; tendo como moderador o
Dr. Albino Almeida, presidente da Assembleia Municipal e confrade de honra dos
ASCR-CQ.
Regresso
das Tesserae Hospitales
Depois
de terem sido mostradas em Mérida, Lisboa e Madrid na Exposição “Lvsitania
Romana – Origem de dois povos”, promovida pelos museus nacionais de Arqueologia
e pelos governos de Portugal e de Espanha, que terminou na capital espanhola a
16 de outubro, vão regressar ao Solar Condes de Resende as duas Tesserae Hospitales encontradas em 1983
no Monte Murado, Vila Nova de Gaia, datadas dos anos 7 e 9 d. C., estudadas e
publicadas pelo Professor Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva na revista Gaya, vol. I, 1983.
Entretanto
a Junta da União de Freguesias de Pedroso e Seixezelo adquiriu ao Gabinete de
História, Arqueologia e Património duas réplicas em bronze destas notáveis
peças romanas para figurarem em exposição permanente na sede cívica da terra
onde foram encontradas e arqueologicamente enquadradas.
Feira
de S. Martinho
Nos dias 12 e 13
de novembro vai decorrer no Solar Condes de Resende a tradicional Feira de S.
Martinho, com produtos do Douro e de Gaia. No sábado às 21,30 horas haverá uma
serenata e o lançamento de um CD pelo grupo de fados dos Antigos Estudantes da
Universidade do Porto, intitulado “Fados de Coimbra”. No domingo de tarde
atuará o grupo coral do Solar “Eça Bem Dito”, interpretando antigas canções
portuguesas e europeias.
Errata:
A propósito do
livro “Quinto – Lisbon to Aberford”, de Alan Carrick, que divulgamos no blogue anterior, temos de fazer as
seguintes correções: o autor esteve no Solar em Abril de 2004 e não em 1996; onde se escreveu erradamente New
Yorkshire, leia-se West Yorkshire; e
já agora onde aparece “ciente” leia-se cliente.
E sobretudo leia-se este interessantíssimo livro sobre mais um português que
foi morrer longe.
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Eça
& Outras, IIIª. Série, n.º 95 – terça-feira, 25 de outubro de 2016;
propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154 ;
IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração:
Susana Guimarães.
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