Eça
& Outras, domingo, 25 de setembro de 2016
Do
Realismo ao pós-Neorrealismo
Eça de Queirós
nasceu em 1845, pouco depois da frequência obrigatória do ensino primário ter
sido estabelecida por decreto, o que demorará décadas a ser verdade. Viveu numa
época em que tudo era interrogado e equacionado, nomeadamente a Literatura.
Escrevia-se para quê? Para entreter ócios? Para "dar brilho à pena"?
Para alardear erudições? Para descarregar frustrações? Para ganhar a vida? Tudo
isto foi questionado pela Geração de 70 saída, com bastante ruido, da
Universidade de Coimbra. Antero escreve A
Dignidade das Letras e as Literaturas
Oficiais em 1865 e no ano seguinte Eça publicará na Gazeta de Portugal os seus primeiros textos "diferentes",
que no ano seguinte largamente praticará no Distrito
de Évora. Buscava então novos caminhos, que ensaia em 1897 em As Farpas e teoriza nas Conferências do
Casino com «A Nova Literatura ou o Realismo como nova expressão de Arte». É
sabido o que veio a seguir com os seus romances O Crime do Padre Amaro, O
Primo Basílio e outros, onde o desespero das classes populares está sempre
presente, ainda que secundarizado pelos "dramas" das classes média e
alta.
Mas no final do
século XIX reaparecem os escritores preocupados com os suspiros das donzelas e
outras banalidades expressas em exotismos, parnasianismos, simbolismos, modernismos
e nacionalismos, que pouco tinham a ver com o quotidiano das pessoas comuns e a
sua luta pela sobrevivência. Este panorama literário estéril, de jogos florais,
que tinha no escritor Júlio Dantas o seu expoente máximo, mas que também
encontramos em muitos outros seus contemporâneos e atuais, alguns deles muito
endeusados pela opinião pública letrada, nos anos trinta do século XX vai mudar
radicalmente quando o sofrimento dos pobres e das classes trabalhadoras em
geral passa a ser objeto literário corrente. Chegou-se assim ao Neorrealismo, e
retomou-se, diferentemente embora, o caminho desbravado por Eça de Queirós, que
por isso alguns intelectuais tentaram “domesticá-lo” no Centenário de 1945. Um
dos precursores deste movimento foi o escritor Afonso Ribeiro, de quem já aqui
falamos, e que hoje importaria reeditar e voltar a ler, quando os pobres, os
refugiados, os migrantes, os desempregados, os excluídos, continuam a ser todos
os dias ameaçados e perseguidos por uma nova e mais perversa organização social
que domina o mundo, em nome do "desenvolvimento", a partir das
grandes capitais ou de pequeníssimas ilhas privadas.
Nascido em 1911
na Vila da Rua, Moimenta da Beira, frequentou o Seminário e a Escola do
Magistério Primário. Em 1937 era colaborador do jornal Sol Nascente do Porto, onde estreava uma nova visão literária sobre
a vida das classes excluídas que em 1938 apresenta no livro Ilusão na Morte, sendo por isso considerado
um dos precursores do neorrealismo português, tendo em conta que naquele mesmo
ano Alves Redol publica Glória e em
1939 Gaibéus, enquanto Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, só
aparecerá em 1941.
Em
1939 vai para o Brasil mas, não tendo conseguido visto de permanência, volta nesse
mesmo ano, pois os tempos por ali também estavam conturbados devido às
tentativas ditatoriais de Getúlio Vargas para a criação de um Estado Novo
brasileiro.
Regressado a
Portugal e ao ensino, fixa-se em Vila Nova de Gaia, tendo lecionado na escola
primária de Vilar do Paraíso, bem assim como sua mulher Otília Leitão, também
ela professora da instrução primária. Em 1946 é um dos signatários de uma
exposição enviada ao ministro da Educação Nacional sobre a «difícil situação
económica do professorado português», subscrita por docentes dos ensinos
particular, técnico, liceal e superior. Em novembro desse mesmo ano é também um
dos muitos signatários de outra exposição, desta feita enviada ao presidente da
República, general Carmona, intitulada «Os intelectuais portugueses protestam»
sobre as condições de repressão e censura de que eram alvo e a liberdade de
expressão e de associação que lhes era negada, na qual encontramos escritores,
jornalistas, artistas, arquitetos e criadores intelectuais, subscrita por
António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Eugénio de Andrade, Fernando Azevedo e
Fernando Lopes Graça, entre muitos outros. No ano seguinte parte com a sua
mulher para Moçambique, onde teve várias profissões e continuou a sua atividade
de escritor, só regressando de novo a Portugal em 1976, fundando em Lisboa a
Editorial Notícias, ligada ao Diário de Notícias, vindo a falecer em Cascais
em 1993. Em 2011 a Câmara Municipal de Moimenta da Beira comemorou o centenário
do seu nascimento, colocando uma lápide na casa onde nasceu.
Enquanto residiu
em Vila Nova de Gaia, para além de artigos e crónicas dispersas por várias
publicações, escreveu Plano Inclinado,
romance, 1941; Aldeia, romance, 1943;
Trampolim, romance, 1944; Povo, contos, 1947. Ainda em 1946 tinha
aqui iniciado, com o romance Maria, a publicação de uma trilogia intitulada Escada de Serviço, vindo o segundo romance, O Pão da Vida, a ser publicado somente em 1956 em Lourenço Marques,
e finalmente em 1959 O Caminho da Agonia,
também publicado naquela colónia. É assim a década de quarenta o período mais
fecundo deste escritor, hoje pouco recordado, até porque em todas as suas
páginas lembra misérias e condições sub-humanas que ainda hoje existem entre nós
e não são bonitas de ver, de ler ou sequer de se saber que existem. Mas ele é,
inequivocamente, um dos pioneiros do romance social em Portugal. Os cenários e
personagens das suas obras, embora podendo ser colocados em qualquer grande
cidade e nos seus arrabaldes, foram obviamente colhidos na sua vivência local
como o denunciam certos pormenores do texto. A exceção é o romance Aldeia, o qual, com os mesmos cuidados
de universalização, se reporta à sua terra natal na Beira Alta.
Prosa crua e
dura, chocante mesmo na sua crueza, mas tristemente verdadeira nos retratos que
traça da maior parte das crianças, homens e mulheres que viveram no tempo da 2°
Grande Guerra, que as gerações de hoje até talvez tenham dificuldade em
acreditar que existiram, porque os pobres e os excluídos atuais são já muito
diferentes daqueles outros, pois dão entrevistas na televisão e são referidos
em todos os discursos políticos, acabando por originar empregos para a classe
média baixa, tais como polícias, professores, assistentes sociais, psicólogos,
enfermeiros, médicos, advogados, informáticos e outros que fazem a gestão do
seu quotidiano, absorvendo as verbas que eventualmente poderiam contribuir para
que os excluídos mudassem de situação. E, além do mais, os pobres hoje são
numerosos e votam, naturalmente de acordo com os interesses das classes
“dirigentes” que os protegem e os mantêm numa situação da qual, as mais das
vezes, nem sequer querem sair. Para quê? O desemprego é uma realidade incontornável,
pois a agricultura mecanizou-se e a indústria fabrica toneladas de coisas
inúteis e baratas. Competiria à Educação entreter os cidadãos inativos, mas aí
ainda vamos atrasados e temos deixado essas tarefas ao turismo, aos cuidados de
saúde e às religiões. A sociedade vive da procura de equilíbrios, nem sempre os
melhores. Por isso mesmo, talvez sirva para alguma coisa o lembrarmo-nos que os
retratados naqueles romances são os bisavós e avós dos adultos atuais, e que,
entretanto, a maior parte da literatura do nosso tempo voltou a refugiar-se num
onirismo metafórico que ignora a realidade comum, a qual, e salvo muito raras
exceções, divulga e impinge uma elevadíssima dose de sensaboria aos seus
leitores através do marketing das editoras e dos “prémios” literários pré-cozinhados.
Mas, apesar de tudo, oxalá que não tenhamos necessidade de criar um Neo-neorrealismo.
J.
A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
Registo
de trabalhos de investigação
O sítio da Confraria Queirosiana, no
blogue da Academia Eça de Queirós, passou a registar, de acordo com os
interessados, os títulos dos temas em investigação por parte dos sócios e
confrades dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, independentemente
da obrigatoriedade do seu registo noutras instituições, como é o caso dos temas
de teses de mestrado e doutoramento. Os objetivos são, entre outros, a defesa
dos direitos de autor e direitos conexos e o registo da prioridade autoral dos
mesmos.
Livros,
revista e outros
Quinto – Lisbon to Aberford, de Alan Carrick
O autor esteve
no Solar Condes de Resende em 1996 à procura de dados sobre o bispo do Porto
filho dos condes de Resende e de outras personalidades que se destacaram na
região, no país e na Europa no início do século XIX. Produziu agora esta
narrativa que parte da existência concreta de uma lápide no adro da igreja
de Aberford de Henry van Zeller, nascido no Porto a 15 de
outubro de 1787 e ali falecido a 31 de janeiro de 1810, com 23 anos. Este livro
procura explicar como é que este jovem português, nascido numa das mais
importantes famílias de negociantes da região do Porto, foi morrer naquela
povoação de New Yorkshire na época em que Portugal, entalado pelos interesses
imperialistas da Inglaterra contra a França napoleónica, sofreu invasões
francesas, inglesas e espanholas no seu território. Utilizando documentos
verdadeiros o autor coloca-nos no palco da época em que todos aqueles
interesses estão presentes, em cenários que ainda hoje existem. Escrevemos
negociantes e não “negociantes de Vinho do Porto” como ali se escreve,
mitologia que essas famílias e os seus cronistas recentes efabulam, pois os Van
Zeller, e outros, eram negociantes de “tudo” o que aportava ou saía da barra do
Douro, neste caso em maior quantidade os cereais importados de Norte da Europa.
O negócio do Vinho do Porto, à época Vinho de Feitoria estava nas mãos dos
ingleses anglicanos, pois o seu maior ciente era a Armada Britânica. Em todo o
caso um livro fascinante onde o percurso individual se confunde com a História da Europa da época.
The Horse and the Bull agora em papel
Coordenadas por
Fernando Augusto Coimbra foram agora disponibilizadas em edição em papel as Actas do I Congresso Internacional o Cavalo
e o Touro, que teve lugar na Golegã e na Chamusca em 2013, intituladas The Horse and the Bull in Prehistory and in
History, as quais contêm, entre muitos outros, os textos de ARAÚJO, Luís
Manuel de – O cavalo no Egito faraónico:
uma avalizadora semiótica do poder, e idem
– Kanakht, “touro poderoso”: um expressivo título da realeza egípcia; COIMBRA,
Fernando A. – A possible horse hunting
scene in the rock art from Philippi (Grece); idem, O cavalo como animal
psicopompo na Europa do I milénio a. C.; idem com SOUSA, Rosário – 30.000
anos de história do cavalo: sua divulgação através da pintura contemporânea;
GUIMARÃES, J. A. Gonçalves; GUIMARÃES, Susana - Aprestos e representações equestres da Coleção Marciano Azuaga.
Cursos,
palestras, colóquios, jornadas e outros
História
da Educação
No passado dia 8 de setembro
decorreu em Lugo, Espanha, o VIII Encontro Ibérico de História da Educação, o
qual teve a presença de muitos investigadores desta área oriundos de Espanha,
Portugal e de outros países lusófonos e castelhanistas. A investigadora no
Solar Condes de Resende, Eva Baptista, apresentou a comunicação «A educação em
Vila Nova de Gaia (município do noroeste de Portugal), entre 1880 e 1930:
escolas, associações e personalidades».
Jornadas
Europeias do Património 2016
Eduardo Vitor Rodrigues nas JEP2016 |
No passado sábado, dia24 de
setembro decorreram no Solar Condes de Resende as Jornadas Europeias de
Património 2016, promovidas pelo Concelho da Europa e em Portugal pela Direção
Geral do Património Cultural, este ano sob o tema “Comunidades e Culturas”. Esteve
presente como palestrante Eduardo Vitor Rodrigues, professor de Sociologia na
FLUP e presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e ainda Gonçalves
Guimarães, António Manuel Silva, Paulo Costa, José Vaz, Eva Baptista, Fátima
Teixeira e Joana Ribeiro que apresentaram as suas mais recentes investigações
nos domínios do património destinadas ao PACUG (Projeto de levantamento do
Património Cultural de Gaia).
Estas
Jornadas decorreram por todo o país, tendo nelas participado diversos confrades
queirosianos, como foi o caso das que se realizaram no Museu Municipal de
Penafiel, coordenadas, entre outros, pelo Prof. Doutor Nuno Resende da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Iniciação
à escrita hieroglífica
A partir de 28
de setembro decorre na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa este curso
organizado pelo seu Centro de História, o qual se prolongará até 14 de dezembro,
com a coordenação científica do egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo.
Património
de Gaia no Mundo
No dia 29 de setembro, quinta-feira, decorrerá
no Solar Condes de Resende pelas 21,30 horas a palestra sobre o título em epígrafe
proferida pelo Prof. Doutor Francisco Queirós, coordenador do respetivo volume
do PACUG, o projeto dirigido pelo Gabinete de História, Arqueologia e
Património dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana para a
Câmara Municipal de Gaia, com um coordenador geral, dez coordenadores de volume
e largas dezenas de investigadores profissionais nas diversas áreas do Património.
Curso
de História Naval no Solar
No próximo dia 3
de outubro decorrerá no Palácio da Bolsa no Porto mais uma conferência sobre os
desafios do Mar, intitulada “Atlântico Mais – A evolução das operações
portuárias”, para a qual foi convidado J. A. Gonçalves Guimarães como
investigador de História Naval e coordenador de um curso sobre a mesma temática
no Solar Condes de Resende, o qual terá início no próximo dia 15 de outubro,
sábado, com uma aula sobre «Uma política marítima para a frente atlântica» pelo
sociólogo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Prof. Doutor Eduardo
Vitor Rodrigues, a que se seguirá no dia 22 de outubro «Navios e navegações
antigas no Mediterrâneo» pelo egiptólogo da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, lembrando o berço da marinha
europeia e norte-africana. Este curso é organizado pelo Solar Condes de Resende
com a colaboração da Academia Eça de Queirós e certificado pelo Centro de
Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente do Ministério da Educação.
XIX
Jornadas Culturais de Balsamão
Nos próximos
dias 6 a 9 de outubro decorrem estas jornadas no Centro Cultural de Balsamão,
Macedo de Cavaleiros, este ano subordinadas ao tema “O contributo do
associativismo para a defesa do património”, as quais terão como
conferencistas, entre outros, o Dr. Andrade Lemos do Centro Cultural de
Telheiras/Centro Cultural Eça de Queirós, o qual, em colaboração, falará sobre
«A Irmandade de Nossa Senhora da Porta do Céu».
X
Edição dos Colóquios do Porto “Encontros com o Tempo”
Nos dias 4 e 5
de novembro decorrerá na Fundação Eng. António de Almeida no Porto uma nova edição
destes colóquios, que têm como presidente honorário o Dr. Jaime Milheiro, desta
feita subordinado ao tema “Psicanálise e Cultura”. O referido médico
psiquiatra, psicanalista e escritor, membro da Sociedade Portuguesa de
Psicanálise, participará ainda como comentador na conferência de abertura e
apresentará o tema «Medicina Desportiva, “Anti-aging”».
Prémio
No passado dia
23 de setembro decorreu na Fundação Eça de Queiroz em Baião a entrega do seu
prémio literário patrocinado pela respetiva Câmara Municipal. O júri, de que
fez parte, como presidente, o Dr. Guilherme de Oliveira Martins, galardoou a
obra «As atualizações dos romances de Eça de Queirós para o pequeno ecrã» de
Filomena Antunes Sobral.
Outros
eventos
Marca
“GAIA Todo um Mundo”
No passado dia
19 de setembro, no Auditório Municipal de Gaia foi apresentado o projeto “Gaia
Todo um Mundo”, como citymark e conjunto
de conteúdos e propósitos de identificação da comunidade gaiense e as suas
características voltadas para o exterior: o ambiente e os parques naturais; o
mar atlântico e o Rio Douro, os Vinho do Porto e do Douro, a indústria cerâmica
e metalomecânica, o turismo e as unidades hoteleiras; os eventos populares e o
património. Do painel de comentadores do projeto faziam parte, além do
anfitrião, Eduardo Vitor Rodrigues, presidente da câmara municipal, e Albino
Almeida presidente da assembleia municipal, Manuel de Novaes Cabral, presidente
do IVDP e Sebastião Feyo de Azevedo, reitor da Universidade do Porto, além de
outros.
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Eça
& Outras, IIIª. Série, n.º 95 – domingo, 25 de setembro de 2016;
propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte.
n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154 ;
IBAN: PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral; colaboração: Susana Moncóvio.
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