Ano do Centenário do “Vencido da Vida” e diplomata Luís Maria Pinto de Soveral, Marquês de Soveral (1851-1922)
Professor José Mattoso: a perenidade da
História
No passado dia 8
de julho faleceu o Professor Doutor José Mattoso, um dos historiadores
portugueses mais conhecidos, mais respeitados e mais lidos do nosso tempo, não
apenas no meio académico, mas também fora dele. A imprensa, e de um modo geral
os diversos órgãos de comunicação social, além de colegas, amigos, antigos
alunos, discípulos, instituições e coletividades, todos noticiaram o infausto
acontecimento relembrando e comentando a sua biografia e sobretudo a sua
bibliografia. Medievalista, reequacionou como nenhum outro a fundação e a
consolidação da nacionalidade e mesmo os fundamentos da portugalidade, onde a
permanente remembrança da História, ainda que de forma acrítica, é uma das suas
mais vigorosas caraterísticas. José Mattoso era um clerc: sobrinho-neto de um bispo da Guarda e filho de um
profissional da História – seu pai foi professor do ensino liceal e autor de um
célebre “livro único” usado durante anos no ensino secundário, ingressou jovem
na vida religiosa como frade da Ordem de São Bento, tendo-se doutorado na
Universidade Católica de Lovaina com uma tese sobre Le monachisme ibérique et Cluny.
Les monastéres du diocese de Porto de l’an mille à 1200, publicado em
1968. Em 1970 deixa a vida religiosa, vindo a ser docente na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa e mais tarde professor catedrático da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi
ainda presidente do Instituto Português de Arquivos e diretor da Torre do
Tombo. Tendo estado em Timor-Leste na hora da consolidação da independência da
última colónia portuguesa, aí colaborou na recuperação do Arquivo Nacional e no
Arquivo da Resistência. Entre muitas outras ações como historiador
profissional, professor e cidadão recordemos a sua presença em Mértola a dar
apoio à ação de Cláudio Torres na revisão da ação das populações moçárabes no
todo nacional. Das suas obras mais conhecidas, destacaria D. Afonso Henriques (2006),
uma vigorosa biografia do Rei Fundador, e a monumental síntese História
de Portugal (1992), as quais ficarão imprescindíveis por muito tempo, o
mesmo devendo acontecer a muitos de outros dos seus ensaios, pesem embora os
bons discípulos que, entretanto, foi motivando ao longo da sua vida académica e
profissional.
Tive o gosto de privar com o Professor
Mattoso em 1988 durante as 1.as Jornadas
de Estudo sobre a Terra de Santa Maria organizadas pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, durante as quais
trocamos impressões sobre a investigação dos tempos medievais no Entre-Douro-e-Vouga,
e tempos depois no lançamento de O Castelo e a Feira. A Terra de Santa Maria
nos séculos XI a XIII, que escreveu com Luís Krus e Amélia Andrade
(1989), a que se seguiu, pelos mesmos autores, A Terra de Santa Maria no século
XIII. Problemas e Documentos (1993) e, desse mesmo ano e sua única
autoria, a conferência A Terra de Santa Maria na Idade Média.
Limites Geográficos e Identidade Peculiar. Estas obras suscitaram aplauso,
mas também debate: o medievalista A. de Almeida Fernandes, geógrafo de
formação, tinha polemizado alguns aspetos contidos no primeiro destes livros
numa série de artigos que reuniu no livro Faria e Não Feira (1127-1128)
editado em 1991. Para além do valor intrínseco de cada uma das referidas obras,
sendo certo e sabido que a História Medieval é ela própria também uma sucessão
de acontecimentos regionais, algumas instituições de Santa Maria da Feira e de
Guimarães quiseram captar estes dois autores para defenderem as suas mais
embandeiradas tradições, aspeto de que se foram obviamente demarcando, até de
uma forma algo inesperada e hilariante: tendo uma instituição vimaranense
contratado A. de Almeida Fernandes para escrever uma biografia de D. Afonso
Henriques que exponenciasse a sua ligação ao “berço da nacionalidade”, ao
reavaliar as fontes e os testemunhos da época, rapidamente este autor concluiu
que aquele rei teria nascido em Viseu, e não em Guimarães, aspeto que o seu
criticado e suposto “inimigo académico” veio a corroborar em nome da procura da
verdade histórica.
Para além daqueles acutilantes ensaios
e grandes sínteses, também a metodologia e a função social do historiador
mereceram ao Professor Mattoso reflexões e proposições como A
Escrita da História. Teoria e Métodos (1988) e o exercício da profissão
mereceu-lhe o ensaio A Função Social da História no Mundo de Hoje,
editado pela Associação de Professores de História em 1999. Aí se encontram
explanadas as suas mais imediatas preocupações, como professor e como
profissional, sobre o devir dos seus alunos no mercado de trabalho para os
licenciados nesta área do saber, não apenas como docentes dos diversos graus de
ensino, mas também como «historiadores a exercer uma variada gama de
profissões», nomeadamente em «centros de investigação em ciências humanas»,
«…mesmo em cidades do Interior, e ocupam-se a investigar o passado de todos os
lugares e de todas as regiões, em paralelo, de resto, com os arqueólogos, cujo
conhecimento do território português é hoje muito mais completo e sistemático».
Começando por se interrogar e interrogar-nos sobre «a função social da História
no mundo de hoje», concluindo que «é útil e necessária… neste país em que
vivemos», dá conta do seu «alargamento de projeção cultural…», de tal modo que
«a História está presente, pois, em toda a parte» e que o seu exercício
«prepara para considerar questões complexas» e que «sem ela não se pode
compreender o mundo em que vivemos», devendo o historiador «considerar o país
como um todo, e não apenas como a capital», para quem «os verdadeiros problemas
que a investigação deve prioritariamente resolver são os colocados pelos
problemas da atualidade». Mas também que o seu exercício profissional, para ser
sério e fecundo, deve «ter uma perceção clara da relação possível entre os
conhecimentos históricos e as necessidades do mundo em que vivemos», devendo
«informar-se cuidadosamente acerca da vida social», tendo em conta que «a
História exige uma enorme amplidão de conhecimentos das ciências humanas».
O Professor José Mattoso morreu aos
noventa anos após uma vida serena, mas intensa, de estudo, reflexão e partilha
que deixou plasmada nas suas obras. Virá a propósito deixar-lhe aqui este
singelo epitáfio pedido emprestado a Eça de Queirós «”A história é a
consciência escrita da Humanidade”, disse um homem que teve, quando lutava, o
segredo das palavras que ficam.» (Uma
Campanha Alegre). Ou ainda, voltando às suas próprias palavras no ensaio
atrás citado, concluir que «recordar o passado coletivo é, portanto, uma forma
de lutar contra morte». Quer a sua quer a do nosso Portugal como ente coletivo.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Historiador
Presenças da Confraria
Junho
Dia 19: para o programa de Joel Cleto no Porto Canal,
o historiador Paulo Costa gravou um programa sobre a molinologia do vale do
Febros.
Dia 23, noite de São João: para o Porto Canal e numa
colaboração que já vai sendo habitual neste dia e hora, o historiador J. A.
Gonçalves Guimarães falou sobre alguns aspetos dos festejos sanjoaninos durante
o Cerco do Porto.
Dia 26: em representação dos corpos
sociais da associação, o presidente da direção Prof. Doutor José Manuel Tedim e
o dirigente Dr. António Pinto Bernardo estiveram presentes nas comemorações do
94.º aniversário da Misericórdia de Gaia, de que é provedor o confrade Dr.
Manuel Moreira.
Julho
Dia
1: tiveram início no Clube Fenianos Portuenses o início das comemorações dos
100 anos da Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e
Desporto onde foi orador o Dr. Manuel Moreira, membro dos corpos sociais da
Confederação e tesoureiro da ASCR-CQ.
![]() |
Löeckie, J. A. Gonçalves Guimarães; J. Rentes de Carvalho; Paula Carvalhal, Francisco Olazabal; fotografia de Maria de Fátima Teixeira |
Neste
mesmo dia uma delegação de confrades composta por J. A. Gonçalves Guimarães,
Maria de Fátima Teixeira, Paula Carvalhal, vereadora da Cultura da Câmara
Municipal de Vila Nova de Gaia e Francisco Olazabal da Quinta do Vale Meão
visitaram em Moncorvo o confrade escritor J. Rentes de Carvalho quase de
partida para a Holanda, que na ocasião ofereceu à associação mais uma caixa de
espólio pessoal a adicionar ao já existente. Houve ainda oportunidade para
falar com o Dr. Nelson Campos do Projeto Arqueológico da Região de Moncorvo
sobre um roteiro rentesiano em
elaboração e uma visita à famosa Quinta do Vale Meão, por cortesia do seu
proprietário.
Dia
14: uma delegação do Gabinete de História, Arqueologia e Património composta
pelo arqueólogo J. A. Gonçalves Guimarães e a patrimonióloga Maria de Fátima
Teixeira visitou as escavações que decorrem pelo terceiro ano consecutivo no
Castro da Madalena, Vila Nova de Gaia, um programa organizado pelo Centro de
Arqueologia de Arouca dirigido pelo arqueólogo Prof. Doutor António Manuel S.
P. Silva, coordenador da nova série da revista Gaya. Estudos de História,
Arqueologia e Património recentemente apresentada. As escavações têm
vindo a revelar a existência de várias casas redondas, construídas em barro,
mas também algumas delas com paramentos em pedra, além de espólio indicador de
atividades de fiação e moagem, mas nenhum indício de romanização, o que
contrasta com a vizinha necrópole do Sameiro. Os mesmos membros do GHAP
estiveram ainda no jantar final com a equipa que realizou esta campanha e que
decorreu num restaurante local com a presença do Dr. Miguel Almeida, presidente
da Junta de Freguesia da Madalena e o Sr. António Silva, presidente da direção
dos Bombeiros Voluntários de Valadares, proprietários do terreno onde decorrem
as escavações, as quais deverão prosseguir no próximo ano.
Palestras
Palestras das últimas
Quintas-feiras do mês: no assado dia 29 de junho, pelas 18,30 horas, no Solar
Condes de Resende e via Zoom, na habitual palestra promovida pela Confraria
Queirosiana, a investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e
Património, Mestre Cristiana Borges Ferreira, falou
sobre «Iconografia da História de Portugal em painéis azulejares: o caso
da Estação de S. Bento no Porto», aludindo ainda à produção deste tipo de
painéis produzidos por fábricas gaienses e pintados pelos seus artistas cujo levantamento
está por fazer.
No
próximo dia 27 de julho a palestra terá como tema «Eutanásia. Busca da correta
impostação do problema» e será proferida pelo juiz-conselheiro jubilado do
Supremo Tribunal de Justiça, Dr. José Pereira da Graça, com os seguintes tópicos:
«Numa primeira parte, revisita-se o texto inicial da lei, tal como a
Assembleia da República o produziu e o texto final que, forçadamente, foi
promulgado. Procura-se perceber a razão pela qual a questão andou a saltitar
entre os protagonistas interventores, restando, para o cidadão comum, uma
justificada perplexidade. Numa segunda parte, faz-se uma análise
crítica da lei que vai ser publica, após a regulamentação governamental em
curso e propõe-se uma solução essencialmente jurídica para o futuro. Denuncia-se o erro contido no texto constitucional “o
direito à vida é inviolável”, subalternizando o direito à dignidade. O
referendo».
Livros
Acaba
de ser disponibilizado aos autores a luxuosa obra em três volumes da autoria de
MORAIS, Rui; CENTENO, Rui M. Sobral e FERREIRA, Daniela, intitulada Myths,
Gods and Heroes; Greek Vases in Portugal, elaborada pelo designer
Miguel Teixeira e com desenhos de capa de Álvaro Siza Vieira feitos para esta
edição, publicada no final de 2022 pela Câmara Municipal de Santa Maria da
Feira - Museu Convento dos Loios, em colaboração com a Reitoria da Universidade
do Porto e a sua Faculdade de Letras e a Imprensa da Universidade de Coimbra.
Trata-se da obra que regista uma exposição temporariamente adiada devido à
epidemia de Covide e que deverá brevemente ser aberta ao público naquele museu.
Tendo a Coleção Marciano Azuago depositada no Solar Condes de Resende uma «Lêkythos
bojuda de figuras vermelhas» do século V, figura a mesma no III volume (ARF
22), p. 142. Para o seu enquadramento museográfico, J. A. Gonçalves Guimarães e
Susana Guimarães escreveram o capítulo «Archaeology in Marciano Azuaga’s
Collection», muito ilustrado, e publicado no I volume, p. 132- 138.
Publicado
pelo FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, acaba
de ser disponibilizado aos seus associados e publico em geral o livro A
felicidade é uma árvore?, Ditos e escritos, 1970-2022, da autoria do
biólogo Doutor Nuno Oliveira, uma coletânea de textos sobre a sua atividade em
variadíssimos projetos de estudo, divulgação e proteção do ambiente e das
espécies vegetais e animais em lugares tão diversos como a Barrinha de Esmoriz, Mata de São
Jacinto (Aveiro), Parque Biológico de Gaia, Gerês, Serras de Santa Justa, Pias
e Castiçal, estuário do Rio Douro, Serra de Canelas, litoral de Gaia, Rio
Douro, Porto, Quinta Marques Gomes, Avintes, Serra da Malcata, Parque Botânico
do Outeiro, São Tomé e Príncipe, Afurada, Quinta das Devesas, Quinta da
Telheira, Mindelo, Vale do Febros, Dunas da Aguda e Monte da Virgem. Por estes
textos passam também nomes como Santos Júnior, William Tait, Hoffmannsegg,
Link, José Bonifácio de Andrada e Silva, e Alfred Smith, os antecedentes
enciclopédicos deste meio século de luta em devesa da biodiversidade e o
crescimento sustentável.
Feiras
No World of Wine (WOW) em Vila Nova de
Gaia, com a colaboração da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas,
vai decorrer entre 10 e 15 de agosto uma mostra de produtos tradicionais e de Cultura
Portuguesa através da participação de várias confrarias, entre as quais a
Confraria Queirosiana.
_________________________________________________________
Eça
& Outras, III.ª série, n.º 179, terça-feira, 25 de julho de 2023;
propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende -
Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública); C.te n.º 506285685; NIB:
0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e
publicação no jornal As Artes Entre As
Letras: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira;
inserção: Amélia Cabral.
Sem comentários:
Enviar um comentário