Juízos ligeiros
Numa época em que a informação nos é
dada em tempo real, confirma-se o que já em 1878 o físico português Adriano de
Paiva, pioneiro do princípio da televisão e professor da Academia Politécnica
do Porto, preconizara ao escrever «A ubiquidade deixará de ser uma utopia para
tornar-se perfeita realidade. Então, por toda a parte à superfície da terra se
cruzarão fios condutores, encarregados de importantíssima missão … [que] testemunharão por sem dúvida o grau de
civilização do grande organismo que se chama – a humanidade» (PAIVA, O Instituto, II série, n.º 9, Março de
1878).
A ideia, sendo certa, era então também
boa e generosa. Mas tal não tem acontecido. Governos, agências internacionais,
empresas e máfias têm usado essa capacidade, hoje infinita, de armazenagem e
controlo da informação, para manipular, condicionar e dirigir, segundo os seus
interesses privados, a vida dos cidadãos, não por certo para a felicidade
possível neste mundo, mas para a ganhuça autojustificada da sua segurança ou da
sobrevivência privilegiada de grupos fechados, sejam eles sociais, económicos,
ideológicos ou políticos. Mas o seu problema é que a inteligência humana, bem
assim como a definição do que é o bem ou do que é o mal, não são exclusivas de
nenhum organismo ou grupo de interesses, o que leva a que, volta e meia, haja
dissidentes, quantas vezes arrepiados perante as infâmias que acabaram por conhecer em escala local ou
planetária.
Todos nós ouvimos falar do
estadunidense Edward Snowden, analista de sistemas de computador que trabalhou
para a CIA e a NASA, e que acabou por descobrir que o sistema de vigilância dos
dados privados dos cidadãos pelo estado violava frequentemente «…o direito
fundamental das pessoas livres não serem molestadas em seus pensamentos,
associações e comunicações…base da nossa sociedade pensante». Perante as
ameaças de morte de que foi alvo teve de pedir asilo político à Rússia em 2013,
chegando a ser proposto para o Prémio Nobel da Paz e em 2014 para reitor da
Universidade de Glasgow, enquanto os documentos das perfídias que foi
descobrindo eram divulgados pela The
Courage Foundation.
Também ouvimos falar do jornalista australiano
Julian Assange, fundador da WikiLeaks,
que em 2010 publicou uma série de documentos que relatavam atrocidades
cometidas no Iraque e no Afeganistão, entretanto premiado por diversas
instituições internacionais, mas recentemente detido pela polícia britânica.
Temos também o hacker português Rui Pinto, fundador do FootballLeaks, que numa entrevista ao Der Spiegel afirmou que «A máfia do Futebol está por todo o lado».
O Eurojust declarou-o whistleblower,
ou seja, informante protegido pela legislação europeia, mas atualmente está em
prisão preventiva em Portugal.
Os órgãos de comunicação social sobre
estas três pessoas e as suas revelações que têm denunciado situações estatais
miseráveis, roubos prepotentes e organizações apostadas contra o bem comum, não
se têm limitado a dar notícias sobre eles, mas também a opinar sobre a
razoabilidade dos seus motivos ou a legalidade das suas ações, quantas vezes
discutindo a erva daninha programática, mas ignorando o incêndio na floresta da
liberdade humana. Tendo sido inquirido por pessoa amiga, como cidadão e
profissional da Cultura, sobre estas personalidades e a sua ação, encontrei em
Eça de Queirós as palavras que sobre eles poderia vir a escrever com menor
acerto, por certo. Convido-os pois a lerem-nas e a sobre elas meditarem:
«Incontestavelmente foi a imprensa, com
a sua maneira superficial e leviana de tudo julgar e decidir, que mais
concorreu para dar ao nosso tempo o funesto e já irradicável hábito dos juízos
ligeiros. Em todos os séculos se improvisaram estouvadamente opiniões: em
nenhum, porém, como no nosso, essa improvisação impudente se tornou a operação
corrente e natural do entendimento. Com exceção de alguns filósofos mais
metódicos, ou de alguns devotos mais escrupulosos, todos nós hoje nos
desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente do penoso trabalho de
refletir. É com impressões que formamos as nossas conclusões. Para louvar ou
condenar em política o facto mais complexo, e onde entrem fatores múltiplos que
mais necessitem de análise, nós largamente nos contentamos com um boato
escutado a uma esquina. Para apreciar em literatura o livro mais profundo,
apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através do fumo ondeante do
charuto. O método do velho Cuvier, de julgar o mastodonte pelo osso, é o que
adotamos, com magnifica inconsciência, para decidir sobre os homens e sobre as
obras. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que
esplêndida facilidade exclamamos, ou se trate de um estadista, ou se trate de
um artista: “É uma besta! É um maroto!”. Para exclamar: “É um génio!” ou “É um
santo!”, oferecemos naturalmente mais resistência. Mas ainda assim, quando uma
boa digestão e um fígado livre nos inclinam à benevolência risonha, também
concedemos prontamente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a
coroa de louros ou a auréola de luz.» (Eça de Queirós, Cartas de Paris, Ecos de Paris).
«Vemos, ouvimos e lemos/ Não podemos
ignorar…», escreveu Sofia, cantou Fanhais e a lição ficou. Eu, cá por mim,
sempre tento não fazer juízos ligeiros, mas manter um permanente espírito
aberto, curioso e crítico, para não ser enganado por aqueles que me querem por
ao seu serviço sem o meu consentimento. Mais uma vez, Eça, muito obrigado.
J.
A. Gonçalves Guimarães
mesário-mor da Confraria Queirosiana
Eventos
passados
Iª Faculdade de Letras do Porto
No passado dia 30 d e março teve lugar no Palacete
dos Viscondes de Balsemão no Porto uma Tertúlia de Cultura Portuguesa onde foi
interveniente como convidado José Valle
de Figueiredo que falou sobre a «Atualidade da I Faculdade de Letras do
Porto» fechada em 1928 pelo Estado Novo.
Jantar Queirosiano
No
dia 13 de abril no Palacete Conde de Silva Monteiro, no Porto, onde a Comissão
de Vitivinicultura da Região dos Vinhos Verdes tem a sua sede, decorreu o
primeiro de uma série de Jantares Temáticos comemorativos dos 110 Anos da
Região dos Vinhos Verdes, subordinados ao tema “Regresso à Casa do Conde”,
inspirados pela história e literatura portuguesas do século XIX, desta feita
sobre o vinho descrito em A Cidade e as
Serras. Introduzido o tema por Joel Cleto, foi palestrante, em nome da
Confraria Queirosiana, o seu mesário-mor e diretor do Solar Condes de Resende,
J. A. Gonçalves Guimarães, em breves momentos do repasto, dissertou sobre «A
atualidade da obra de Eça de Queirós». O jantar foi animado por dois atores
encarnando as figuras do escritor e da sua cunhada Benedita e servido pelo
restaurante Tormes da Fundação Eça de Queiroz.
Livros
No passado dia 29 de março em Penacova,
Manuel de Novaes Cabral apresentou o livro As Confrarias de Portugal da autoria de
Ana Catarina André e Marta Cardoso, jornalistas da revista Sábado,
edição promovida pela Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas, onde
pode ler-se sobre muitos dos produtos alimentares regionais que tornam Portugal
tão rico e variado nas Artes da Cozinha e da Mesa: «Num Portugal Gastronómico
pleno de pronúncias alimentares, as Confrarias fazem da mesa o ponto de chegada
de uma história da fome e da abundância e ponto de partida para o encontro com
o futuro».
Por entre névoa
e realidade. Eça e a Filosofia, é o mais recente ensaio publicado de
A. Campos Matos, pelas Edições Húmus, Lda, de Vila Nova de Famalicão. Tendo
recentemente apresentado a convite da Sociedade Portuguesa de Escritores, na
Associação 25 de Abril em Lisboa, um ensaio intitulado António Sérgio. Temas essenciais
de vida e obra, que será publicado no próximo número da Revista de Portugal, este outro agora
editado em livro visa responder à questão logo formulada na sua «Introdução»: «será
a Filosofia um mero ornamento sumptuoso e de efeito, na narrativa queiroziana?»
A resposta aparece no fim do ensaio:«Seria estranha obstinação afirmá-lo. Basta
lembrar a presença constante de Proudhon na sua obra, para o desmentir.
Simplesmente o cepticismo, que vai para ele, assumidamente, de par com a
ineficácia da Filosofia, não lhe permite, frequentes vezes, romper com esse
filtro ou barreira». Mas para se saber o percurso interrogativo do autor
torna-se imprescindível ler todo o texto, que apresenta, como nos tem
habituado, um profundo conhecimento de toda a obra do escritor que o habilita
às análises mais bem documentadas, como é o caso desta.
Numa edição on-line
do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, acaba de ser publicado o Dicionário Quem é Quem na
Museologia Portuguesa, coordenado por Emília FERREIRA; Joana d’ Oliva MONTEIRO; e Raquel
Henriques da SILVA. As
entradas referentes ao colecionador Marciano Azuaga e ao escultor António
Teixeira Lopes, de Vila Nova de Gaia, pp. 25-28 e 184-186, são da autoria da investigadora do
Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-CQ, Susana Moncóvio.
A
editora Estratégias Criativas e a Igreja Lusitana acabam de reeditar a obra de
Diogo Cassels (1844-1923), A Reforma em Portugal. A história resumida
já publicada na «Igreja Lusitana» nos anos de 1897 e 1898, revista, aumentada e
dividida em cinco capítulos, com uma introdução de António Manuel Silva
para o enquadramento desta obra fundamental, «uma narrativa vivida da luta pela
diferenciação religiosa no Portugal de Oitocentos».
O
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa acaba de publicar Roteiros
da Inovação Pedagógica. Escolas e experiências de referência em Portugal no
século XX; Itineraries of pedagogical innovation. Reference schools and
experiences in Portugal in the twentieth century, o qual, entre outros
artigos, apresenta, de José António Afonso e António Manuel Silva «Sob o signo
da inovação: a presença protestante em Vila Nova de Gaia (desde 1868)»; e de
Eva Baptista «A Creche: Espaço de Modernidade Educativa: Estudo de caso da
Associação das Creches de S.ta Marinha de Vila Nova de Gaia», todos investigadores
do Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-CQ.
Cursos, conferências e palestras
Encontros com a Arte Italiana
Tendo
tido início no passado dia 3 de abril na Casa de Itália do Porto os “Encontros
com a Arte”decorrem às quartas-feiras, de 15 em 15 dias até
29 de Maio, podendo ser frequentados
mediante inscrição prévia.
Promovidos pela Associazione Socio-Culturale
Italiana Del Portogallo Dante Alighieri, é palestrante o Prof. Doutor José
Manuel Tedim, presidente da direção da ASCR-CQ, sendo este ciclo dedicado a
Leonardo Da Vinci nos 500 anos da sua morte.
70º Aniversário do Conselho da Europa
No próximo dia 2
de maio decorrerá na Sala de Atos da Universidade Lusófona do Porto uma sessão
comemorativa do 70º Aniversário do Conselho da Europa, fundado a 5 de maio de
1949, com uma conferência sobre Prisões e Liberdade em que será conferencista,
entre outros, o Eng.º Manuel de Almeida Santos, presidente da OVAR – Obra
Vicentina de Auxílio aos Reclusos, subordinada ao tema «A Realidade Prisional».
10º Aniversário do As Artes
Entre as Letras
No próximo dia 18 de maio, pelas 15,15
horas, na Biblioteca Almeida Garrett no Porto, decorrerá a sessão comemorativa
do 10º aniversário do As Artes Entre as Letras, o quinzenário que
publica a página Eça & Outras. Serão intervenientes: Dr. Rui Moreira,
presidente da Câmara Municipal do Porto; Professor Doutor Salvato Trigo, reitor
da Universidade Fernando Pessoa; e Prof. Dr. J. A. Gonçalves Guimarães,
mesário-mor da Confraria Queirosiana, que dissertará sobre «O 2.º Centenário da
Revolução de 1820: porquê comemorar?». Na ocasião será lançado o livro 10
Anos de As Artes Entre as Letras, que conta a
história desta publicação. A sessão encerrará com um Porto de Honra.
Exposições
Obras de Hélder de Carvalho
No dia 6 de
abril teve lugar no Palácio do Raio em Braga a inauguração da exposição de obras
de Hélder de Carvalho, intitulada «Redenção», com peças escultóricas alusivas à
paixão cristológica, organizada pela Santa Casa da Misericórdia local,. Estará
patente ao público até 11 de Maio
3.ª Bienal de Arte de Gaia
Organizada pela cooperativa
cultural Artistas de Gaia, abriu ontem ao público a 3.ª Bienal Internacional de
Arte de Gaia 2019, que apresenta mais de 2000 obras de 500 artistas de 14
nacionalidades, entre eles vários sócios e confrades dos Amigos do Solar Condes
de Resende – Confraria Queirosiana. O certame tem este ano como assento
principal as instalações da antiga Companhia de Fiação de Crestuma (CFC) em
Lever, propriedade do empresário Ricardo Haddad, que tem vindo a proceder ao
restauro daquela unidade fabril têxtil oitocentista também para fins culturais
e sociais. Tendo tido origem ainda no século XVIII numas instalações da
Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, faz assim ali todo o
sentido que um dos núcleos artísticos expostos se intitule «Territórios do
Vinho», o qual tem como curador Manuel de Novaes Cabral.
A história desta empresa centenária tem
vindo a ser feita pela historiadora Maria de Fátima Teixeira, investigadora do
Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-Confraria Queirosiana,
que sobre a mesma já publicou A Companhia de Fiação de Crestuma. Do fio ao
pavio. Vila Nova de Gaia: Confraria Queirosiana/ Edições Afrontamento,
2017; e A Fábrica de Arcos de Ferro da Companhia Geral da Agricultura das
Vinhas do Alto Douro. «Douro. Vinho, História e Património; Wine,
History and Heritage». Porto: APHVIN/GEHVID, n.º 6, 2017, p. 159-204.
A síntese biográfica dos seus principais
fundadores e proprietários encontra-se publicada em GUIMARÃES, J. A. Gonçalves;
SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e (2018) – Património
Cultural de Gaia. Património Humano – Personalidades Gaienses. Vila Nova de
Gaia/ ASCR-Confraria Queirosiana/ Solar Condes de Resende, que em breve
aparecerá em edição comercial.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 128,
quinta-feira, 25 de abril de 2019; propriedade dos Amigos do Solar Condes de
Resende - Confraria Queirosiana; C.te.
n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira e Amélia Cabral;
inserção: Licínio Santos.
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