Património
Cultural em Eça de Queirós
O conceito de
Património Cultural, ao contrário do que geralmente se crê, não é óbvio, nem
intuitivo, nem fácil. Requer uma grande dose de conhecimento, de sabedoria, de
descomprometimento com coisas afins que com este conceito se atravessam, como
Cultura, Educação, Turismo, Economia e Gestão. Anda geralmente confundido com
História, Arqueologia, Arte, Arquitetura, Urbanismo, Geografia e outras
disciplinas afins, que sem elas não existe, mas às quais não se reduz. Desde
pelo menos o século XIX que o Património, como ciência humana e social, vem
desenvolvendo teoria, metodologia e objetividade que lhe são próprias, numa
sociedade que cada vez mais o invoca e utiliza, mas que, como em tudo o resto,
nem sempre da melhor maneira, ou com a necessária clareza. Como muito bem
definiu Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Património Cultural é, antes de
mais, Memória, não uma memória qualquer ou “toda” a memória, mas aquela que é
selecionada pelo conceito de Qualidade, e que lhe é dada pela capacidade de
preservação, escolha, seleção, valorização de conteúdos e aptidão para ser mais
valia cultural e social. E tal tanto se aplica a um modesto cruzeiro de berma
de estrada, a uma catedral ou castelo ou a um centro histórico, com a devida
salvaguarda das diferenças dos seus “pesos” culturais próprios.
O vestígio,
ruína, monumento, conjunto ou sítio que não é conhecido, não foi
profissionalmente intervencionado, não foi tecnicamente preservado para as
gerações atuais e futuras, cujos conteúdos arqueológicos, históricos ou artísticos
não foram estudados, cuja mensagem não foi sintetizada, e que não foi preparado
para um correto e duradouro usufruto público, não poderá ser considerado
Património Cultural. Podem ser elementos em potência para um futuro
enquadramento no que atrás se disse, mas não são na realidade Património, assim
como não o são as memórias históricas, lendárias ou literárias sem a respetiva
materialização. Serão outra coisa qualquer, ainda que muito erudita, mas não
serão Património, mesmo recorrendo ao sofisma diferenciador do material e do
imaterial. Mesmo o imaterial, como por exemplo o fado, para ser Património
precisa de estudos, definições, arquivos, museus e o seu exercício por músicos
e cantores, ou seja, de se materializar para ser Património. Este não existe
pois em função de si próprio, como uma teologia qualquer, mas sim em função do
que foi, do que é e daquilo que a sociedade quer que venha a ser. A sociedade
como um todo, e não apenas os seus interventores, ainda que profissionais. Mas
convém que todos estejam presentes. É assim que na clarificação dos conteúdos
do Património de uma cidade histórica se só estiverem presentes no processo os
empresários, os decisores políticos, os gestores, os empreiteiros e os
organizadores da utilização económica imediata, leia-se o sector Turismo, quase
de certeza que o seu Património vai sair menorizado, distorcido, desgastado e a
breve prazo destruído, deixando de ter hipóteses de consolidação da sua
Memória, que é uma das suas características fundamentais, uma certa eternização
sustentável. Ainda que se criem situações artificiais de aparente qualidade,
quase sempre em volta de mistificações elas não passarão de uma moda
passageira. Os bocados de cópias de património mundial existentes em casinos e
hotéis de Las Vegas ou de Macau são uma aberração pseudocultural, que aliás
prefigura uma situação de roubo de Património Cultural alheio, pois Veneza ou o
Vaticano não ficam para aqueles lados e de certeza que os seus promotores
destruíram ou apagaram a memória local dos ameríndios ou dos portugueses. A
“praga”, como J. Rentes de Carvalho chamou aos turistas acéfalos que percorrem
todo o mundo sem nada realmente verem ou entenderem, talvez temporariamente
gostem e paguem essas mistificações, mas Património Cultural é seguramente
outra coisa. E esse é que, ou fica e valoriza-se, ou é destruído e desaparece.
Cabe aos cidadãos a escolha.
Um dia
escreveu Eça de Queirós. «As coisas mais úteis, porém, são importunas e mesmo
escandalosas, quando invadem grosseiramente lugares que lhe não são congéneres.
Nada mais necessário na vida do que um restaurante: e, todavia ninguém, por
mais descrente ou irreverente, desejaria que se instalasse um restaurante com
as suas mesas, o seu tinir de pratos, o seu cheiro a guisados – nas naves de Notre-Dame ou na velha Sé de Coimbra»
(Eça de Queirós, A Correspondência de
Fradique Mendes). O Património Cultural é o respeito criativo para com a
Memória dos que nos precederam. Essa criatividade nos limites desse respeito é
a Qualidade. Se tal houver temos efetivamente Património Cultural.
J. A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
Livros
& Revistas
No
passado mês de maio foi lançada a 3ª edição de Eça. Uma biografia, de A.
Campos Matos, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, de novo revista e
aumentada, já premiada nas edições anteriores pela Associação Portuguesa de
Escritores e pela Associação de Críticos Literários. Tratando-se de uma
biografia «onde o biógrafo pôs muito de si próprio, expondo a sua visão pessoal
do biografado» e prevenindo que se trata de «um género literário sempre
inacabado, sempre em permanente evolução, no caso de Eça em constante mutação»,
esta obra, complementada pelo Dicionário organizado pelo mesmo autor, ficarão
por certo por muito tempo como fundamentais para qualquer abordagem ao universo
queirosiano.
Ultimamente
este investigador tem-se também debruçado sobre um aspeto inédito da via e obra
de Teixeira Gomes, tendo recentemente feito uma conferência sobre este tema na
Academia Portuguesa de História, de que é membro honorário. A sua análise
debruça-se não tanto sobre os aspetos biográficos mas sobretudo sobre a
«apreciação desvairada das artes plásticas» por parte deste antigo presidente
da República.
Apresentado
no 1.º Encontro Nacional de Literaturismo que decorreu nos dias 30 de junho e 1
de julho no Forte de S. João da Foz do Douro, este Roteiro Literário da Foz,
de José Valle de Figueiredo que se apresenta acompanhado de um Mapa Cultural da
Foz, apresenta de forma exaustiva os locais relacionados com Camilo Castelo
Branco, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Arnaldo Gama, Raúl Brandão, Guerra
Junqueiro e outros cultores literários, para além de artistas, desportistas,
políticos e outras personalidades marcantes desde o século XIX.
No
passado dia 7 de julho foi lançada nas instalações da Quinta da Boeira em Vila
Nova de Gaia o número 5 da revista Douro. Vinho, História & Património.
Wine, History and Heritage, publicada pela Associação Portuguesa de
História da Vinha e do Vinho (APHVIN/GEHVID) sediada no Porto e de que é
diretor o Prof. Doutor António Barros Cardoso, da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto. O presente volume foi apresentado pela Prof.ª Doutora
Helena Pina da mesma faculdade que se referiu aos vários artigos desta
publicação, entre eles o intitulado «O Centro Histórico de Gaia, como estrutura
portuária atlântica», da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães historiador e
professor de Património, tema esse que tem vindo recentemente a ser debatido na
comunicação social portuense, sobre os mais variados pontos de vista, por
políticos, arquitetos, urbanistas e empresários. Este artigo é uma síntese da
carga histórica e patrimonial do sítio, normalmente tão ignorada quanto
distorcida.
No passado
dia 12 de julho no salão nobre do Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa foi
lançado um novo livro do egiptólogo Luís Manuel de Araújo pela editora A esfera
dos livros, intitulado Os Grandes Mistérios do Antigo Egito,
apresentado pelo Doutor Telo Ferreira Canhão, egiptólogo e investigador do
Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Muitos são
os aspetos ainda não desvendados sobre esta civilização milenar passados que
são dois mil anos sobre a sua dissolução noutras realidades políticas desde o
Império Romano até aos nossos dias que o autor aborda com o seu habitual rigor
científico numa prosa suscetível de agradar a todos os seus leitores.
Chegou-nos
recentemente às mãos o livro Diferenças e Semelhanças do Património
Europeu, obra coletiva editada pela Onda Verde – Associação Juvenil de
Ambiente e Aventura, sediada em Avintes, Vila Nova de Gaia, com prefácio e
revisão histórica de Paulo Costa, onde são mostrados ruínas, edifícios e outros
aspetos potenciais do Património edificado de Avintes e monumentos, museus e
outros aspetos de Bucareste, Roménia (em inglês); Teo, Espanha (em castelhano)
e Teramo, Itália (inglês e italiano). Aquele historiador elaborou os textos que
contribuem para a memória dos elementos construídos avintenses.
O
CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto editou as comunicações
apresentadas no colóquio A História da Educação em Vila Nova de Gaia,
o qual decorreu a 20 de maio de 2016 no Arquivo Municipal de Vila Nova de Gaia.
Dos nove estudos publicados neste volume, seis são de membros do Gabinete de
História, Arqueologia e Património dos ASCR-Confraria Queirosiana, sediado no
solar Condes de Resende, a saber: «A rede escolar protestante em Vila Nova de
Gaia (1868-1930): uma panorâmica geral», por António Manuel S. P. Silva e José
António Afonso; «A Educação em Vila Nova de Gaia (1880-1930): Projeto e balanço
do estudo doutoral», por Eva Baptista; «A escola primária gaiense durante o
Estado Novo na obra literária de Afonso Ribeiro e J. Rentes de Carvalho», por
J. A. Gonçalves Guimarães; «A educação feminina pelas Belas Artes na sociedade
de Oitocentos», por Susana Moncóvio; «As “escolas operárias” em Vila Nova de Gaia»
por Licínio Santos; «Contributos educativos da Companhia de Fiação de Crestuma
(Lever) para o ensino em Vila Nova de Gaia» por Fátima Teixeira.
Publicada
pelo Abientes – Centro de Documentação e Investigação em História Local, será
em breve lançada a brochura de Eva Baptista sobre A Festa escolar em Avintes
na aurora do século XX, autora que se tem vindo a dedicar ao estudo da
História da Educação em Portugal a partir de Vila Nova de Gaia, neste caso esta
antiga tradição republicana do culto cívico pela natureza e pela metáfora do
crescimento sustentado e útil das árvores e das crianças ambas amparadas pela
escola como mater virtuosa da cidadania.
Palestras
e eventos culturais
III.º
Colóquio do Lumiar
No passado dia
15 de julho decorreu no auditório do Museu do Teatro em Lisboa o III.º Colóquio
do Lumiar organizado pela Junta de Freguesia do Lumiar, Centro Cultural Eça de
Queiroz/Telheiras/Escola Secundária Eça de Queirós, sob a coordenação de Fernando
Andrade Lemos e com diversas intervenções.
Conferências
do Noroeste
No passado dia 20
de julho decorreu no auditório da Caixa de Crédito Agrícola – Caixa do
Noroeste, em Viana do Castelo, a última de um primeiro ciclo de conferências
mensais que ali decorreram praticamente durante um ano organizadas pela Associação
Portuguesa de História da Vinha e do Vinho (APHVIN/GEHVID) com o patrocínio
daquela instituição. A conferência de encerramento foi proferida por J. A.
Gonçalves Guimarães intitulada «O Minho na obra de Eça de Queirós».
Palestras do
Solar
Prosseguem no Solar Condes
de Resende na próxima quinta-feira, dia 27 de julho as habituais palestras da
última quinta-feira do mês. Desta feita será palestrante J. A. Gonçalves
Guimarães que falará sobre «Escritores de Gaia para ler no verão».
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Eça & Outras, III.ª série,
n.º 104 – terça-feira, 25 de julho de 2017; propriedade dos Amigos do Solar
Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685 ; NIB: 0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio Santos; colaboração: A.
Campos Matos.
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