Sim, já sei que já ouviu falar, mas já
lá foi? Ao Vale do Côa? Sabe que, tal como Mértola no Guadiana, este é o
segundo projeto cultural português realmente implementado no terreno que veio
tentar alterar a ronceirice do interior do país em todos os aspetos? Outros
houve, outros estão a teimar, outros haverá, mas estes dois foram pioneiros e,
pesem embora todos os avanços e recuos, ainda estão a funcionar. Por isso nos
passados dias 12 e 13 de setembro fomos até ao Côa. Até arranjamos dois
pretextos, um mais particular, outro mais universal: o primeiro, que diz
respeito ao Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria
Queirosiana, é o de que este ano de 2015 se comemoram os 30 anos do início das
escavações que puseram a descoberto as ruínas da granja romana na Quinta da
Ervamoira, origem do Museu de Sítio aí existente inaugurado a 2 de novembro de
1997. As escavações, realizadas no verão e tendo terminado em 2004, duraram 20
anos e por elas passaram 174 pessoas diferentes, algumas delas vários anos. O
segundo motivo, é que este ano também se comemoram os 25 anos do vinho Duas
Quintas, criado por João Nicolau de Almeida, administrador da Casa Ramos Pinto,
a partir das uvas desta propriedade e da Quinta dos Bons Ares
Assim o autocarro partiu, e depois
do pequeno-almoço em Vila Franca das Naves (as estações de serviço estavam
fechadas), paramos em Marialva para vermos um sítio medieval quase belo, dos
muitos e variados que há por aqui, que o Côa não é só gravuras paleolíticas,
pese embora a sua mundial importância.
Seguindo viagem até Chãs, aí foi o
mudar de viaturas, que o grande autocarro não chega à Quinta. Catrapuz,
catrapam, lá se chegou a Ervamoira, onde ainda a seletiva vindima demorava,
mesmo tendo começado nos primeiros de agosto. Almoço delicioso na esplanada,
vinhos belos, seguiu-se-lhe a visita às salas do Museu onde se explicou por
duas vezes tintim por tintim a leitura dos painéis sobre as caraterísticas da
região, o porquê do nome, a excecionalidade do sítio e das vinhas, a descoberta
da estação a partir do sarcófago de pedra tempos antes de Nelson Rebanda
revelar as gravuras, mas também aqui e agora a história da Casa Ramos Pinto e
da sua Arte Publicitária e outras muitas artes que por aqui passam. Depois o percurso
até ao rio, a matar saudades de banhocas famosas e ver o mato que agora cobre
as ruínas que ainda não tiveram noivo rico nos projetos para a região.
Depois o jantar, novo banquete de
convívio, novos brindes, a surpresa do bolo, uma pasteleira recriação da quinta
e da sua estação arqueológica com o arqueólogo sentado a olhar para o horizonte
e a quem a azáfama do serviço esmurrou um pouco o nariz, mas não partiu os
óculos. Parece que ninguém o comeu, pois escultura, ainda que em bolo feita,
sempre é arte, ainda que efémera.
Já bem noite, lá se subiu para os
autocarros pequenos para o retorno a Chãs e partida para Foz Côa, a desabar na
cama do hotel para ressonar aquele tinto divinal.
Logo pela manhã do dia seguinte a
visita ao Museu do Côa, tão gigante quanto o de Ervamoira é tamanhinho. Ali,
bem recebidos e guiados para ver a Arte Paleolítica e o seu enquadramento
arqueológico, a sua interpretação. Lembramo-nos aí do conto de Eça de Queirós
“Adão e Eva no Paraíso”, onde em 1896 escreveu: «E Adão (oh, estranha tarefa!)
muito absorto, tenta gravar, com uma ponta de pedra, sobre um osso largo, os
galhos, o dorso, as pernas estiradas de um veado a correr!...». Desde então que
se devia perceber a Arte Paleolítica, quer na sua vertente histórica, quer
artística. Mais difíceis de aceitar seriamente são alguns aspetos da Arte atual
que nos querem impingir. Por mim podem encher os
museus e as galerias de arte com caixotes da fruta pintados que eu não bato
palmas. Se forem privados, estimo-lhes as melhoras; mas se forem estatais ou
autárquicos tal significa que o Estado e os poderes públicos estão a comprar
hipotético lixo aos amigalhaços com o nosso dinheiro. As gravuras do Côa são
Arte, memória e testemunho. O nosso tempo merece pelo menos o mesmo, e não a
profusão de rabiscos esquizofrénicos, manchas coloridas dos borra-telas ou
instantâneos de lixo que por aí proliferam, divulgados e hipervalorizados por
quem nunca estudou, refletiu ou produziu teoria e análise sobre a Arte e a sua
História. Por isso dispensava-se ali a presença das habilidades de vidraceiro
nos corredores e cantos de aranha, e a do molho de lenha a ocupar toda uma sala,
mas ele há lobbies para tudo a tentarem
chamar-nos burros se não batermos palmas à songuice pseudo-intelectual que por
aí grassa. Arte é outra coisa, mas isso fica para outra vez.
Depois do Museu do Côa magnífico
(belas, com e sem senão, sempre haverá) a partida para um almoço de bacalhau num
restaurante local e depois partida para Trancoso, a vila bem simpática do
casamento de D. Dinis e de D. Isabel e da batalha pela independência do
Portugal de Avis. Interessante aqui, até como valor simbólico de quem quer
permanecer no interior em zona tão pouco povoada, aquela estorieta do padre que
produziu à sua custa mais de duzentos filhos através de incestos, bigamias,
multigamias, estupros, violações, certamente exageradas (os vaidosos são assim)
e toda uma atividade sexual de fazer corar de inveja os delírios do Marquês de
Sade que viria muito tempo depois, o que lhe valeu o perdão de D. João II, que
também não era nenhum santo. Provavelmente muitos dos filhos do religioso de
Trancoso seriam portugueses (e castelhanos) judeus, que isto do instinto de
procriação só depois do ato se lembra das religiões com que os invejosos se
ornamentam. E, claro, o Bandarra, no túmulo e em estátua de bronze. Em período
eleitoral bem que o município podia pô-lo a render com mais garbo pois estamos
em plena saison das profecias. Dispensava-se
aquela monumental gaiola em frente da torre do castelo.
Mesmo com chuva nesta última fase da
viagem, o proveito foi grande e não nos referimos apenas à degustação das
célebres sardinhas doces ou aos encantos vinícolas da loja fronteira.
Enfim, o regresso impôs-se até ao
Solar Condes de Resende. Aos participantes, por isto e por aquilo, talvez
recomendasse a releitura do conto “Adão e Eva no Paraíso” ou de “A Relíquia”,
de Eça de Queirós, acompanhada de um bom copo daqueles tintos que festejamos
nestes dois dias
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
D.
Maria da Graça Salema de Castro
No passado dia 6 de setembro faleceu D. Maia da Graça Salema de Castro, presidente da Fundação Eça de Queiroz, que fundou e dirigiu durante um quarto de século, confrade de honra da Confraria Queirosiana e comendadeira da Ordem do Infante D. Henrique. Viúva de Manuel Benedito de Castro, neto de Eça de Queirós, a ilustre finada ficou sepultada no cemitério de Santa Cruz do Douro, no mesmo jazigo onde repousam os restos mortais do escritor e de seus descendentes. Ao funeral compareceram muitos familiares e amigos da ilustre finada, a ex-ministra da Cultura e atual deputada Gabriela Canavilhas, o presidente da Câmara de Baião, José Luís Carneiro, membros dos corpos gerentes da Fundação, da Confraria Queirosiana de várias instituições culturais e locais e povo anónimo, que assim lhe quiseram prestar a sua homenagem
Livros & Publicações
Colheita Literária de Outono
Um novo livro de Dagoberto Carvalho J.or nos chegou do Recife, com uma bela capa, cheio da palavra “Post Scripta” após os últimos livros, crónicas várias, que tive a honra de prefaciar lembrando pontes várias entre o meu município e o país gigante do lado de lá do Atlântico e que li na receção ao autor feita no Solar Condes de Resende a 25 de outubro de 2014. Ele retribui aqui galhardamente com texto e fotografias em “De volta a Canelas” e “No grande Porto” e muitas outras páginas onde perpassam A. Campos Matos, Isabel Pires de Lima, e quantos outros portugueses e brasileiros, falecidos e vivos, todos posando para a fotografia da cultura luso-brasileira que tem uma monumental dimensão no enorme coração de Dagoberto, inesgotável fonte de afeto por todos eles e pelos nadas, ou pelas gigantescas obras, que produziram ou produzem, caminhando em direção ao infinito da boa memória perante o sorriso de curiosidade de Eça de Queirós.
Creio bem que a felicidade suprema
de Dagoberto, que bem a merece, seria um dia reunir todos os seus amigos e
familiares, vivos ou já partidos, estes representados pelos seus descendentes,
na sua Oeiras do Piauí, num belo arraial luso-brasileiro capaz de poder dizer a
todo o mundo: eis aqui o Quinto Império da fraternidade universal. Foi Vieira
quem inventou. Não sabe, nunca ouviu falar? Azar o seu. Mas pode ficar
desfrutando, que aqui tem uma boa parte do melhor que há na espécie humana, na
família comum. Nem mais, que também não faz falta.
História de
Baião
No passado dia 18 de agosto foi
apresentado ao público o primeiro volume da História de Baião, coordenada pelo
arqueólogo Lino Tavares Dias e editada pela Câmara Municipal de Baião de que é
presidente José Luís Carneiro. Intitulado “Em torno do ano 500” e da autoria de
Arlindo Cunha, a obra está prevista para um total de 10 volumes, desde a
Pré-história até à atualidade, a publicar até ao final de 2015, tendo como
colaboradores, entre outros, para além do coordenador, o historiador Jorge
Alves e o arqueólogo António Lima.
Investigação
sobre Crestuma
No passado dia 15 de setembro foi lançado em Lisboa na Associação dos Arqueólogos Portugueses o livro “Contextos Estratigráficos na Lusitania (Do Alto Império à Antiguidade Tardia), coordenado por José Carlos Quaresma e João António Marques, o qual publica o texto intitulado “O Castelo de Crestuma (Vila Nova de Gaia): um contexto estratigráfico tardo-antigo no extremo noroeste da Lusitania”, da autoria de António Manuel S. P. Silva, Teresa P. de Carvalho, Laura Sousa e outros, da equipa do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana que estuda o Castelo de Crestuma.
Douro Património
No passado dia 18 de setembro foi lançado no Mosteiro de Corpus Christi em Gaia um álbum de 6 desenhos a carvão com motivos do Vale do Douro da autoria do escultor Hélder de Carvalho, com textos poéticos de Jorge Velhote e design de Angélica Carvalho.
Sendo natural de Carrazeda de
Ansiães, muita da sua obra escultórica encontra-se espalhada por várias cidades
e vilas do norte do país, sendo ainda autor de uma notável coleção de
bustos-retratos de personalidades do nosso tempo. Na presente coletânea o traço
vigoroso, mas muito exato, lembra afinal como nas paisagens que ora retrata o
preto e o branco são as suas cores todas.
Misteriosidade
Com apresentação de Júlio Machado Vaz e
de Sobrinho Simões, foi ontem, dia 24, lançado na Ordem dos Médicos do Porto o
mais recente livro de Jaime Milheiro intitulado “Analista de Interiores…
Misteriosidade”, com uma bela capa conseguida por Sofia Tavares a partir de um
carvão de Armanda Passos de 1983. O interior apresenta uma série de ensaios em
que «a sua leitura dos acontecimentos é sempre a do psicanalista» conforme
avisa no prefácio Maria José Gonçalves, presidente da Sociedade Portuguesa de
Psicanálise.
Seguem-se então várias conferências
e textos de reflexão em torno do conceito de “misteriosidade” que vem sendo
trabalhada pelo autor neste e noutros livros já publicados, como «a essência e
a qualidade dos sentimentos de mistério que existem em todos os seres humanos».
Deste conjunto de reflexões
altamente humanistas e psicologicamente claras como água destacamos “Mudam-se
os tempos mudam-se as vontades” apresentada no Solar Condes de Resende a
29/04/2014 e depois publicada na Revista de Portugal n.º 11 (2014), bem assim
como “Sonhando com Eça (em Gaia)” também ali apresentado em 2002 e publicado na
mesma revista n.º 9 de 2012.
Ali se escreve: «dos acorrentados na
fé brotam os fundamentalismo». Creio que jamais alguém convidará Jaime Milheiro
para qualquer reunião de pastores de almas, o que é pena, pois tal poderia ajudar
a apagar «imensas artilharias» religiosas, sociais, mentais, culturais,
civilizacionais, senão no mundo, pelo menos no corpo pensante de cada um. Mas o
negócio das armas, sejam elas reais ou metafóricas, continua próspero. Um livro
a ler e reler.
Outras atividades Culturais
Escavações de Crestuma: resultados e
perspetivas
A
presente intervenção teve como objetivos apurar a importância de construções
detetadas nos anos anteriores junto à área portuária da praia de Favais e
preparar um novo programa de intervenção que privilegie a frente ribeirinha nos
próximos anos.
A
intervenção deste ano pôs a descoberto uma grande área aplanada na rocha onde
são evidentes os testemunhos de derrube e abandono de construções,
provavelmente devido a cheias a uma cota alta, por entre as quais se evidenciou
o espólio cerâmico, nomeadamente de vasos de transporte e armazenamento de
produtos (ânfora; dolia).
Esta
intervenção teve o alto patrocínio do Presidente da Câmara Municipal de Vila
Nova de Gaia, Prof. Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, e o apoio do diretor do
Departamento de Ambiente e Parques Urbanos, Doutor Nuno Oliveira, bem assim
como o patrocínio da empresa SUMA e o apoio técnico do Solar Condes de Resende
e da União de Freguesias de Sandim, Olival, Lever e Crestuma.
Jornadas
Europeias do Património
Conforme noticiamos na página de 25
de agosto, a Confraria Queirosiana, em colaboração com o Solar Condes de
Resende e os seus investigadores aderiram, mais uma vez, às Jornadas Europeias
do Património, este ano subordinadas ao tema Património Industrial e Técnico.
Assim, no dia 24, J. A. Gonçalves
Guimarães participou como palestrante num colóquio destinado a alunos de Turismo
no ISLA de Vila Nova de Gaia e no mesmo dia, às 21,30, decorreu no Solar Condes
de Resende uma palestra pelo arqueólogo António Sérgio sobre o levantamento
fotográfico do Património Industrial; hoje, dia 25, na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, no seu Colóquio apresentaram trabalhos Jorge Fernandes
Alves, Laura Cristina de Sousa, Maria de Fátima Teixeira e Silvestre Lacerda,
entre outros. Amanhã, sábado, no Solar Condes de Resende, a partir das 15 horas,
apresentarão os seus trabalhos de investigação sobre o tema, J. A. Gonçalves
Guimarães; Maria de Fátima Teixeira; Susana Guimarães; Sílvia Santos; Joana
Almeida Ribeiro; Susana Moncóvio; Licínio Santos e Mariana Silva.
Roteiro
queirosiano de Aveiro
O
Correio do Vouga de 29 de julho passado, pela mão de Cardoso Ferreira, publicou
um artigo sobre o Roteiro Queirosiano de Aveiro, onde, entre outros edifícios e
locais, sobressaem a Casa de Verdemilho, do desembargador Joaquim José de
Queiroz, avô de Eça, «chefe do movimento liberal de Aveiro 2m 1818» e o seu
jazigo no cemitério de Aradas, para onde a viúva do escritor chegou a pensar
trasladar os seus restos mortais. A Confraria Queirosiana e o Arquiteto A.
Campos Matos têm vindo, de há anos a esta parte, a tentar sensibilizar a
autarquia local para a premente preservação, dignificação e rentabilização
cultural daquela casa e do restante circuito. Até hoje sem resultado.
Jornadas
de Balsamão
Nos próximos dias 1 a 4 de
outubro decorrem no Convento de Balsamão, Macedo de Cavaleiros, as XVIII
Jornadas Culturais organizadas pelo respetivo Centro Cultural, este ano sob o
tema “Do global ao local: a Cultura Mirandesa”. Será orador, entre outros, o
nosso confrade Andrade Lemos do Centro Cultural Eça de Queiroz de Lisboa, que
em colaboração apresentará o tema “A origem dos mitos portugueses com especial
referência aos de Trás-os-Montes”.
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Eça & Outras, IIIª.
Série, n.º 83 – sexta-feira, 25 de setembro de 2015; propriedade dos Amigos do
Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154 ; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral; colaboração: Dagoberto Carvalho J.or; Andrade Lemos; António
Manuel Silva.
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