quinta-feira, 25 de junho de 2015


J. Rentes de Carvalho: Pó, Cinza e Recordações

J. Rentes de Carvalho,
fotografia de Fátima Teixeira, 2015
Não sei se ainda se lembram, ou se já esqueceram na arrecadação das inutilidades da vida, daquilo que foi a bacoca euforia da "passagem do milénio", para uns, 1999, para outros, 2000, talvez para outros 2001, na realidade uma efeméride perfeitamente convencional, inventada pelos fogueteiros da opinião pública, nem sequer universal, pois só teve algum significado (se é que teve...) para quem usa o calendário cristão, o qual, como é sabido, nem sequer é muito exato, e só em 1582 substituiu o velho calendário juliano, que por sua vez tinha procurado atualizar calendários anteriores. Adiante. Por isso a tal "passagem", não fora a trombeta do mundo tecnológico e dos media ocidentais, só seria vivida por alguns europeus, americanos de origem europeia, asiáticos russos e filipinos, australianos e outros mais ou menos ocidentalizados. Os chineses, coreanos, vietnamitas, muçulmanos em geral, e outros povos que teimam nas origens, têm outros calendários, ou usam o que encontram nos aeroportos porque dá jeito. Mas os europeus e americanos, na sua mania de se julgarem o centro do universo, divulgaram o tal evento urbi et orbi. Por isso, mesmo que fizesse algum sentido o mediévico «de mil passarás mas a dois mil não chegarás», na realidade uma boa parte da humanidade nem sequer saberia do que estaríamos a falar, ou seja, não perceberia a charada. Uns cidadãos mais exóticos, leitores de revistas de fim-de-semana ou diplomados pelas "novas oportunidades" juntar-lhe-iam as contas terríveis dos calendários Maia, Azteca, Druida ou Tupiniquim, ou as "profecias" de S. Cipriano, de Nostradamus ou do Bandarra, que assustam adultos desocupados, pois que as criancinhas preferem o Homem Aranha ou o Harry Potter. Por isso, daquele foguetório milenar, pouco ficou e nem valerá a pena revisitar os "testemunhos da época".
Ou antes pelo contrário, se estivermos a falar do mais recente livro de J. Rentes de Carvalho, intitulado Pó, Cinza e Recordações, com o subtítulo Diário - Maio 1999; Maio 2000, editado pela Quetzal, que me justifica no arrazoado acima. Este escritor gaiense universal, também transmontano e neerlandês, mas que também já foi brasileiro, dá-nos nesta sua obra uma nova conversa de café, de esplanada, de cadeira de avião, de escano de aldeia, de sofá de lareira, de biblioteca de universidade, de banco de parque, de rochedo de praia, um conjunto de novas short stories, a que já nos tinha habituado no seu blogue Tempo Contado e na obra homónima publicada em 2010, um Diário de 1994 - 1995. Mas devemos advertir o leitor mais distraído de que não se trata aqui de um diário íntimo como muitos que há para aí, uma espécie de livro-razão da vida do autor, onde este vai apontando o deve e o haver da sua existência. Tal como Eça escreveu, e Rentes não cessa de o repetir por outras palavras, «infelizmente, para mim o trabalho não é um doce deslizar pela corrente serena do ideal - mas uma subida arquejante por uma dura montanha acima» (Últimas páginas dispersas, 1887). Por estas estórias caçadas no quotidiano aldeão ou cosmopolita, laboriosamente lapidadas na sua oficina, ficamos a saber que o mundo, para muitos, efetivamente acabou no ano 2000, como continuou e continuará a começar e a acabar para outros, e de tal teríamos a mesma notícia que temos sobre a morte de uma formiga na floresta amazónica, não fora o escritor elevá-los àquela incrível condição humana, que é a da memória escrita, que transforma o mais insignificante cidadão de Estevais, de Lisboa ou de Amsterdam num nosso semelhante a quem podemos assim passar a cumprimentar, ralhar ou até desprezar. Por obra e graça deste divino autor, que sobre todos os seres em que a sua arte tropeça derrama, ainda que com ironia, bênçãos de humanidade, e a maravilhosa certeza de que cada um de nós, por mais banal que seja, tal como cada uma dos biliões de estrelas do firmamento - e tão poucas ainda sequer com nome – todos e todas fazemos parte do Universo, que é a certeza maior que há, e a que outros darão outros nomes. Seja. Estes anónimos, às vezes anedóticos como aquele emigrante que se julga artista e quer pôr os seus mostrengos no museu da terra, têm a sorte que lhes é dada por um escritor que, em meia dúzia de linhas, os tira do Nada e os põe na montra das Recordações, suas e nossas, graças à sua arte narrativa. Mas em vez de os mitificar, como faziam os literatos do passado e alguns do presente, mostra-os na sua mais crua e dura condição, quer as pessoas, quer os próprios cenários, mesmo quando lhe são muito queridos: «a terra onde nasci tornou-se-me estranha como um teatro, quando estou nela tenho a ideia que represento um papel...». Mas se com os anónimos, gente ou bichos, se irmana, com os arrogantes, os poderosos, os mitificados por uma sociedade acéfala e acrítica, é de uma ironia demolidora, mesmo com os do "olimpo das Letras": «Fernando Pessoa não é poeta por quem eu delire...» denunciando que não é original dele a frase sobre a pátria e a língua que os seus devotos lhe atribuem. E outros famosos, vá-se lá saber porquê, que ele suspeita - e eu leio pelo mesmo breviário - que se calhar quem os louva e recomenda, ou não os leu, ou achou mais prudente seguir atrás da fanfarra instituída.
Depois há nesta prosa, como que ali nascidas como as flores silvestres, sem serem plantadas, mas acarinhadas por este jardineiro da vida, algumas verdades realmente eternas, que às vezes esquecemos: «a beleza da juventude muitas vezes me comove», quando nos recorda «... uma das poucas vantagens da velhice: poder viajar no tempo... ironicamente em marcha atrás... rindo de ter tomado a sério a palavra eternidade». Vou ler outra vez este livro, porque creio que aí encontrarei muito boas e humanas justificações para o mundo - seja lá o que isso for - não ter acabado, como este diário, no ano 2000, ficando à espera, como muitos outros, das surpresas da próxima obra de J. Rentes de Carvalho. E assim o mundo prossegue muito melhor do que seria de supor.
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário - mor da Confraria

Eça  de  Queirós  e  a  Ópera
           


No próximo dia 18 de julho, integrado no 22º Festival Internacional de Música, decorrerá no Auditório Municipal de Gaia uma Conferência/Concerto intitulada «A Ópera na obra de Eça de Queirós» por Mário Vieira de Carvalho, durante a qual serão executados pelo Estúdio de Ópera do Conservatório de Música de Gaia trechos de Augusto Machado, Gounod e Jacques Offenbach, sob a direção musical de Fernanda Correia.
            Mário Vieira de Carvalho, professor catedrático jubilado da Universidade Nova de Lisboa e ex-Secretário de Estado da Cultura, é autor de, entre muitas outras obras, Eça de Queirós e Offenbach. A ácida gargalhada de Mefistófeles, Lisboa: Edições Colibri, 1999.


A Cidade  e  as  Serras  em  Baião
            Nos passados dias 20 e 21 de junho a Câmara Municipal de Baião patrocinou a recriação do romance A Cidade e as Serras de Eça de Queirós, o qual resultou do desenvolvimento do conto Civilização, publicado na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em Outubro de 1893, mais de um ano depois da primeira visita do escritor à Quinta de Vila Nova em Santa Cruz do Douro, onde hoje está sediada a Fundação Eça de Queirós, para tratar das partilhas da Casa dos Condes de Resende e da parte que caberia a sua mulher pela morte de sua sogra. E mais de seis meses depois de em Paris ter recebido a visita do baionense António Cabral, um dos seus primeiros biógrafos em 1916.
Classificado pelo próprio autor como uma «nouvelle phantaisiste», começou a ser redigido na capital francesa talvez ainda no final de 1893, a partir daquele primeiro conto matricial onde a propriedade fantasiada se chama Torges, vindo a assumir a forma Tormes na primeira edição póstuma de 1901. Foi aquele seu biógrafo de Baião quem literariamente assimilou esta última denominação à Quinta de Vila Nova.
Amaro  vence  nas  Curtas
No passado dia 12 de junho e organizado pelo Curso Profissional de Comunicação, Marketing, Relações Públicas e Publicidade da Escola Básica e Secundária de Canelas, decorreu no Solar Condes de Resende a 7.ª edição do Festival de Curtas Metragens. Tendo sido selecionados 20 trabalhos de várias escolas da região, ficou em 1.º lugar "Amaro" realizado por Gonçalo Trigo, inspirado na obra de Eça de Queirós.

Livros e Revistas

Roteiro  queirosiano  de  Lisboa
           



Acaba de ser posta à venda a 2ª edição “revista e aumentada” do Roteiro da Lisboa de Eça de Queiroz e seus arredores de A. Campos Matos, publicado pela Parceria A. M. Pereira, cuja 1ª edição data de 2011. Com um prólogo sobre as relações do escritor com a capital, e ainda Sintra, Colares e Cascais, esta edição desenvolveu o capítulo sobre esta última praia, lembrando o que sobre ela o escritor escreveu e os testemunhos dos amigos sobre o que nela viveu, nomeadamente na companhia de Ramalho Ortigão, de quem este ano se comemora o centenário da morte com diversas realizações.



Boletim  dos  Amigos  de  Gaia
           

Encontra-se em distribuição o n.º 80 do Boletim Cultural da Associação Cultural Amigos de Gaia, referente a junho de 2015, inteiramente preenchido por artigos de membros do Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR – Confraria Queirosiana, nomeadamente de Susana Moncóvio sobre «O programa iconográfico da Igreja de Santa Marinha (1758 – 2015) …», Virgília Braga da Costa sobre «A Feira de Santo Ovídio (séculos XIX – XX)», Francisco Barbosa da Costa sobre os «Militares gaienses na Primeira Guerra Mundial», Abel Barros sobre «Vila Nova de Gaia e os Modernistas Portugueses» e J. A. Gonçalves Guimarães com uma pequena ficha sobre Fernão de Magalhães como figura gaiense.

Conferências  e  Palestras
            Nos passados dias 11 a 14 de junho, organizado pela Federação Mexicana de Associações de Amigos dos Museus, decorreu na cidade do México o Congresso Anual e Assembleia Geral da Federação Mundial. Portugal esteve representado pela FAMP, Federação dos Amigos dos Museus de Portugal, na qual está filiada a associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana.
            No dia 18 de junho, na igreja da Santa Casa da Misericórdia do Porto, pelas 18,30, José Manuel Tedim fez uma conferência sobre A Pintura Maneirista, integrada num ciclo preparatório da abertura ao público do Museu daquela instituição.
            Nos dias 18, 19 e 20 de junho decorreram no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa as Jornadas de Estudos Coptas e do Oriente Cristão, promovidas pela Associação Francófona de Coptologia e pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa. Da Comissão de Honra fez parte Guilherme de Oliveira Martins, como presidente do Centro Nacional de Cultura, tendo nas mesmas falado Luís Manuel de Araújo sobre «Reflexos da arte egípcia na iconografia copta», que foi também o comissário da Exposição de Arte Copta e do Oriente Cristão, que abriu no dia 19 ao público naquele museu.
            No próximo dia 25 de junho, nas habituais palestras da última quinta-feira do mês no Solar Condes de Resende, pelas 21,30 horas, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre «O exercício profissional da(s) escrita(s) e Direito(s) de Autor(es)». Antes da palestra serão restituídas à liberdade duas corujas das torres pelo Centro de Recuperação de Fauna do Parque Biológico de Gaia.
            No próximo dia 27 de junho decorrerá no Museu do Teatro no Lumiar em Lisboa um colóquio sobre A Igreja de S. João Baptista do Lumiar. História e Arte, organizado pelo Centro Cultural Eça de Queiroz e outras entidades, no qual falará sobre «As pratas da Igreja de São João Baptista do Lumiar» o nosso confrade Fernando A. Lemos, em colaboração com outros investigadores.

Cursos do Solar
            Com início no próximo mês de outubro, em data ainda a divulgar, terá início o novo Curso Livre do Solar organizado pela Academia Eça de Queirós e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente, intitulado “13 monumentos e sítios carismáticos do Douro Atlântico (Gaia/Porto/Matosinhos)”, em que serão professores António Manuel Silva, Carlos Ruão, Francisco Ribeiro da Silva, Hélder Pacheco, Henrique Guedes, J. A. Gonçalves Guimarães, Joel Cleto, José Alberto Rio Fernandes, José Manuel Lopes Cordeiro, José Manuel Tedim, Manuel Luís Real e Nuno Oliveira. O curso terá treze sessões de duas horas, à média de duas tardes de sábado por mês. A frequência implica inscrição prévia.
            Para o ano letivo de 2016/2017 está em preparação um outro curso sobre a História Naval da região, dedicado ao arranque das comemorações dos 500 anos do Foral manuelino de Vila Nova de Gaia (1518) e da primeira circum-navegação do mundo por Fernão de Magalhães (1519).


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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 80 – quinta-feira, 25 de junho de 2015; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte. n.º 506285685 ;
NIB: 001800005536505900154 ; IBAN:PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração neste numero: Centro Cultural Eça de Queirós, Lumiar; A. Campos Matos.






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