J.
Rentes de Carvalho: Pó, Cinza e Recordações
J. Rentes de Carvalho, fotografia de Fátima Teixeira, 2015 |
Não
sei se ainda se lembram, ou se já esqueceram na arrecadação das inutilidades da
vida, daquilo que foi a bacoca euforia da "passagem do milénio", para
uns, 1999, para outros, 2000, talvez para outros 2001, na realidade uma
efeméride perfeitamente convencional, inventada pelos fogueteiros da opinião
pública, nem sequer universal, pois só teve algum significado (se é que teve...)
para quem usa o calendário cristão, o qual, como é sabido, nem sequer é muito
exato, e só em 1582 substituiu o velho calendário juliano, que por sua vez
tinha procurado atualizar calendários anteriores. Adiante. Por isso a tal
"passagem", não fora a trombeta do mundo tecnológico e dos media
ocidentais, só seria vivida por alguns europeus, americanos de origem europeia,
asiáticos russos e filipinos, australianos e outros mais ou menos
ocidentalizados. Os chineses, coreanos, vietnamitas, muçulmanos em geral, e
outros povos que teimam nas origens, têm outros calendários, ou usam o que
encontram nos aeroportos porque dá jeito. Mas os europeus e americanos, na sua
mania de se julgarem o centro do universo, divulgaram o tal evento urbi et
orbi. Por isso, mesmo que fizesse algum sentido o mediévico «de mil passarás
mas a dois mil não chegarás», na realidade uma boa parte da humanidade nem
sequer saberia do que estaríamos a falar, ou seja, não perceberia a charada.
Uns cidadãos mais exóticos, leitores de revistas de fim-de-semana ou diplomados
pelas "novas oportunidades" juntar-lhe-iam as contas terríveis dos
calendários Maia, Azteca, Druida ou Tupiniquim, ou as "profecias" de
S. Cipriano, de Nostradamus ou do Bandarra, que assustam adultos desocupados,
pois que as criancinhas preferem o Homem Aranha ou o Harry Potter. Por isso,
daquele foguetório milenar, pouco ficou e nem valerá a pena revisitar os
"testemunhos da época".
Ou
antes pelo contrário, se estivermos a falar do mais recente livro de J. Rentes
de Carvalho, intitulado Pó, Cinza e
Recordações, com o subtítulo Diário
- Maio 1999; Maio 2000, editado pela Quetzal, que me justifica no arrazoado
acima. Este escritor gaiense universal, também transmontano e neerlandês, mas
que também já foi brasileiro, dá-nos nesta sua obra uma nova conversa de café, de
esplanada, de cadeira de avião, de escano de aldeia, de sofá de lareira, de
biblioteca de universidade, de banco de parque, de rochedo de praia, um
conjunto de novas short stories, a que já nos tinha habituado no seu blogue Tempo Contado e na obra homónima publicada
em 2010, um Diário de 1994 - 1995.
Mas devemos advertir o leitor mais distraído de que não se trata aqui de um
diário íntimo como muitos que há para aí, uma espécie de livro-razão da vida do
autor, onde este vai apontando o deve e o haver da sua existência. Tal como Eça
escreveu, e Rentes não cessa de o repetir por outras palavras, «infelizmente,
para mim o trabalho não é um doce deslizar pela corrente serena do ideal - mas
uma subida arquejante por uma dura montanha acima» (Últimas páginas dispersas, 1887). Por estas estórias caçadas no quotidiano
aldeão ou cosmopolita, laboriosamente lapidadas na sua oficina, ficamos a saber
que o mundo, para muitos, efetivamente acabou no ano 2000, como continuou e
continuará a começar e a acabar para outros, e de tal teríamos a mesma notícia
que temos sobre a morte de uma formiga na floresta amazónica, não fora o
escritor elevá-los àquela incrível condição humana, que é a da memória escrita,
que transforma o mais insignificante cidadão de Estevais, de Lisboa ou de
Amsterdam num nosso semelhante a quem podemos assim passar a cumprimentar, ralhar
ou até desprezar. Por obra e graça deste divino autor, que sobre todos os seres
em que a sua arte tropeça derrama, ainda que com ironia, bênçãos de humanidade,
e a maravilhosa certeza de que cada um de nós, por mais banal que seja, tal
como cada uma dos biliões de estrelas do firmamento - e tão poucas ainda sequer
com nome – todos e todas fazemos parte do Universo, que é a certeza maior que
há, e a que outros darão outros nomes. Seja. Estes anónimos, às vezes
anedóticos como aquele emigrante que se julga artista e quer pôr os seus
mostrengos no museu da terra, têm a sorte que lhes é dada por um escritor que,
em meia dúzia de linhas, os tira do Nada e os põe na montra das Recordações,
suas e nossas, graças à sua arte narrativa. Mas em vez de os mitificar, como
faziam os literatos do passado e alguns do presente, mostra-os na sua mais crua
e dura condição, quer as pessoas, quer os próprios cenários, mesmo quando lhe
são muito queridos: «a terra onde nasci tornou-se-me estranha como um teatro,
quando estou nela tenho a ideia que represento um papel...». Mas se com os
anónimos, gente ou bichos, se irmana, com os arrogantes, os poderosos, os
mitificados por uma sociedade acéfala e acrítica, é de uma ironia demolidora,
mesmo com os do "olimpo das Letras": «Fernando Pessoa não é poeta por
quem eu delire...» denunciando que não é original dele a frase sobre a pátria e
a língua que os seus devotos lhe atribuem. E outros famosos, vá-se lá saber
porquê, que ele suspeita - e eu leio pelo mesmo breviário - que se calhar quem
os louva e recomenda, ou não os leu, ou achou mais prudente seguir atrás da
fanfarra instituída.
Depois
há nesta prosa, como que ali nascidas como as flores silvestres, sem serem
plantadas, mas acarinhadas por este jardineiro da vida, algumas verdades
realmente eternas, que às vezes esquecemos: «a beleza da juventude muitas vezes
me comove», quando nos recorda «... uma das poucas vantagens da velhice: poder
viajar no tempo... ironicamente em marcha atrás... rindo de ter tomado a sério
a palavra eternidade». Vou ler outra vez este livro, porque creio que aí
encontrarei muito boas e humanas justificações para o mundo - seja lá o que
isso for - não ter acabado, como este diário, no ano 2000, ficando à espera,
como muitos outros, das surpresas da próxima obra de J. Rentes de Carvalho. E
assim o mundo prossegue muito melhor do que seria de supor.
J. A. Gonçalves
Guimarães
Mesário - mor da
Confraria
Eça de
Queirós e a
Ópera
Mário Vieira de Carvalho, professor catedrático jubilado
da Universidade Nova de Lisboa e ex-Secretário de Estado da Cultura, é autor
de, entre muitas outras obras, Eça de
Queirós e Offenbach. A ácida gargalhada de Mefistófeles, Lisboa: Edições
Colibri, 1999.
A Cidade e
as Serras em
Baião
Nos passados dias 20 e 21 de junho a Câmara Municipal de
Baião patrocinou a recriação do romance A
Cidade e as Serras de Eça de Queirós, o qual resultou do desenvolvimento do
conto Civilização, publicado na
Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em Outubro de 1893, mais de um ano depois
da primeira visita do escritor à Quinta de Vila Nova em Santa Cruz do Douro,
onde hoje está sediada a Fundação Eça de Queirós, para tratar das partilhas da
Casa dos Condes de Resende e da parte que caberia a sua mulher pela morte de sua
sogra. E mais de seis meses depois de em Paris ter recebido a visita do
baionense António Cabral, um dos seus primeiros biógrafos em 1916.
Classificado
pelo próprio autor como uma «nouvelle phantaisiste», começou a ser redigido na
capital francesa talvez ainda no final de 1893, a partir daquele primeiro conto
matricial onde a propriedade fantasiada se chama Torges, vindo a assumir a
forma Tormes na primeira edição póstuma de 1901. Foi aquele seu biógrafo de
Baião quem literariamente assimilou esta última denominação à Quinta de Vila
Nova.
Amaro
vence nas Curtas
No
passado dia 12 de junho e organizado pelo Curso Profissional de Comunicação,
Marketing, Relações Públicas e Publicidade da Escola Básica e Secundária de
Canelas, decorreu no Solar Condes de Resende a 7.ª edição do Festival de Curtas
Metragens. Tendo sido selecionados 20 trabalhos de várias escolas da região,
ficou em 1.º lugar "Amaro" realizado por Gonçalo Trigo, inspirado na
obra de Eça de Queirós.
Livros
e Revistas
Roteiro
queirosiano de Lisboa
Boletim
dos Amigos de
Gaia
Conferências e
Palestras
Nos passados
dias 11 a 14 de junho, organizado pela Federação Mexicana de Associações de
Amigos dos Museus, decorreu na cidade do México o Congresso Anual e Assembleia
Geral da Federação Mundial. Portugal esteve representado pela FAMP, Federação
dos Amigos dos Museus de Portugal, na qual está filiada a associação Amigos do
Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana.
No dia 18 de junho, na igreja da Santa Casa da
Misericórdia do Porto, pelas 18,30, José Manuel Tedim fez uma conferência sobre
A Pintura Maneirista, integrada num ciclo preparatório da abertura ao público
do Museu daquela instituição.
Nos dias 18, 19 e 20 de junho decorreram no Museu
Nacional de Arqueologia em Lisboa as Jornadas de Estudos Coptas e do Oriente
Cristão, promovidas pela Associação Francófona de Coptologia e pela Faculdade
de Teologia da Universidade Católica Portuguesa. Da Comissão de Honra fez parte
Guilherme de Oliveira Martins, como presidente do Centro Nacional de Cultura,
tendo nas mesmas falado Luís Manuel de Araújo sobre «Reflexos da arte egípcia
na iconografia copta», que foi também o comissário da Exposição de Arte Copta e
do Oriente Cristão, que abriu no dia 19 ao público naquele museu.
No próximo dia 25 de junho, nas habituais palestras da
última quinta-feira do mês no Solar Condes de Resende, pelas 21,30 horas, J. A.
Gonçalves Guimarães falará sobre «O exercício profissional da(s) escrita(s) e
Direito(s) de Autor(es)». Antes da palestra serão restituídas à liberdade duas
corujas das torres pelo Centro de Recuperação de Fauna do Parque Biológico de
Gaia.
No próximo dia
27 de junho decorrerá no Museu do Teatro no Lumiar em Lisboa um colóquio sobre
A Igreja de S. João Baptista do Lumiar. História e Arte, organizado pelo Centro
Cultural Eça de Queiroz e outras entidades, no qual falará sobre «As pratas da
Igreja de São João Baptista do Lumiar» o nosso confrade Fernando A. Lemos, em
colaboração com outros investigadores.
Cursos do Solar
Com início no
próximo mês de outubro, em data ainda a divulgar, terá início o novo Curso
Livre do Solar organizado pela Academia Eça de Queirós e certificado pelo
Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente, intitulado “13
monumentos e sítios carismáticos do Douro Atlântico (Gaia/Porto/Matosinhos)”,
em que serão professores António Manuel Silva, Carlos Ruão, Francisco Ribeiro
da Silva, Hélder Pacheco, Henrique Guedes, J. A. Gonçalves Guimarães, Joel
Cleto, José Alberto Rio Fernandes, José Manuel Lopes Cordeiro, José Manuel
Tedim, Manuel Luís Real e Nuno Oliveira. O curso terá treze sessões de duas
horas, à média de duas tardes de sábado por mês. A frequência implica inscrição
prévia.
Para o ano letivo de 2016/2017 está em preparação um outro
curso sobre a História Naval da região, dedicado ao arranque das comemorações
dos 500 anos do Foral manuelino de Vila Nova de Gaia (1518) e da primeira
circum-navegação do mundo por Fernão de Magalhães (1519).
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Eça & Outras, IIIª. Série,
n.º 80 – quinta-feira, 25 de junho de 2015; propriedade dos Amigos do Solar
Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte. n.º
506285685 ;
NIB: 001800005536505900154 ; IBAN:PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração neste
numero: Centro Cultural Eça de Queirós, Lumiar; A. Campos Matos.
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