Já lá vai o tempo em que na escola
primária os alunos que erravam a escrita, as contas, a gramática, os verbos, os
nomes dos rios, as estações de comboio e a História de Portugal, entre muitas
outras coisas, eram agredidos pela mestra ou mestre com palmatoadas, várias
pancadas dadas na palma das mãos com um instrumento de madeira chamado
palmatória. Era eu menino quando houve um grande progresso educacional: a dita
fora proibida, dizia-se. Na escola que frequentava só uma professora tinha uma,
mas escondida, o que não a impedia de a usar de vez em quando. Fora substituída
pela “régua”, uma isso mesmo de pau santo, com que, em vez de proibidas
palmatoadas se distribuíam toleradas reguadas. Um grande melhoramento.
Felizmente hoje as crianças desconhecem tais instrumentos de tortura, que eram
também comummente usados para punir erros na escrita e na fala da pátria
língua, quer fosse pela borratada cópia de um texto, pelo ditado com palavras
mal escritas, pela conjugação errada dos verbos, pelo desabafo de uma
imprecação numa briga com um colega que a professora ouvisse (vulgo palavrões e
asneirolas), por uma redação com frases mal construídas. Até a pronúncia
“parola”, ou mais ou menos provinciana (segundo a comparação com a do professor,
eram corrigidas à reguada, sem esquecer os que teimavam em escrever com a mão
esquerda. A aprendizagem da Língua Portuguesa era pois coisa tenebrosa e os
erros, divergências ou omissões punidos com castigos. Algumas virtudes, quase
teologais, como uma boa caligrafia, ou quando o aluno se revelava na escrita de
textos edificantes, gramaticalmente corretos, eram incentivadas e premiadas. No
secundário alguns aprendiam rudimentos de Latim, embrenhavam-se nos labirintos
linguísticos d’ Os Lusíadas, não pela
beleza dos versos, mas pela erudição das charadas gramaticais, liam Camilo e
Júlio Dinis e uns tantos outros escritores muito perdidos no tempo. Eça viria
mais tarde e, quase sempre, encontrado fora do circuito escolar, como muitos
outros divinos prosadores.
Relembro tudo isto aqui porquê? Porque
amiúde dou por mim a merecer-me, já não digo palmatoadas, mas uma ou outra
reguada das que não apanhei na infância. Isso mesmo, “dou” erros, não
voluntariamente, mas o certo é que eles aparecem na minha escrita para vergonha
minha. Esqueci-me de dizer que na minha escola primária, talvez mais doloroso
do que as palmatoadas, era a vergonha de as levar porque realmente significavam
erros, falhas, mediocridades. Ficou-me. Ainda num texto meu recentemente aqui
publicado escrevi “Concelho da Europa” em vez de Conselho da Europa, fintado no
subconsciente por ter estado a ler um texto em inglês sobre o Council of Europe. Como também leio
regularmente muitos documentos antigos, dos tempos em que ainda não havia
acordos ortográficos, em certa conferência olhei aterrado para uma página do
meu power point onde aludia à
importação de “assucar” do Brasil, exatamente assim, como vulgarmente se
escrevia no século XVIII. Outras vezes encontro outros erros escritos, sem eu
saber por quê, pelos próprios programas dos computadores, não apenas em
palavras mas também em datas: num texto meu “matei” D. Carlos a 27 de Fevereiro
sabendo perfeitamente a data certa. Noutro texto escrevi sobre um outro
personagem que tinha morrido antes de nascer. Grave. Quantas vezes preocupado
com a profundidade do discurso e a clareza da necessária comunicação das ideias
descuro estes pormenores ortográficos, gramaticais ou de exatidão cronológica
da mensagem que pretendo transmitir. Por isso eu tenho em grandessíssima conta
os meus eventuais revisores e agradeço sempre penhorado a quem me corrige,
mesmo que com reguadas escusadas, pois sou daqueles que têm para si que cada
erro, cada vergonha. Pelo contrário, quando me pedem para rever textos de
outrem, procuro sempre escusar-me por saber que bem depressa andarei ali à cata
das ideias esquecendo ortografias e sintaxes.
Há agora uns “entendidos” que desprezam
estes pruridos e rigores em nome das “criatividades”. Outros discutem acordos
ortográficos como se se tratassem de campeonatos de futebol. Outros pregam-nos
as virtudes de escrever queirós com z. Outros são especialistas em gerúndios ou
em charadas lexicais. São artes que não domino e que, aqui para nós,
rapidamente me enfastiam, embora me fascinem a evolução linguística e a
toponímia. Tendo para mim que a Cultura, mais do que um acumular de
conhecimentos ou especializações em versos alexandrinos ou outras excelências,
é uma permanente busca da nudez crua da Verdade, seja em que domínio do
conhecimento for, também estou convicto de que não há manto diáfano que
justifique a transformação de fantasias, neste caso de erros, em práticas
correntes. Por isso me penitencio, estendo a mão à palmatória e procurarei
sempre que, se os meus textos não trouxerem nada de novo que aproveite aos seus
leitores, ao menos não tragam o lixo de erros, imperfeições ou omissões. E não
apenas as linguísticas.
Mas na realidade também não estou
interessado em cultivar na minha escrita «alguma coisa de cristalino, de
aveludado, de ondeante, de marmóreo, que só por si, plasticamente, realizasse
uma absoluta beleza – e que expressionalmente, como verbo, tudo pudesse
traduzir desde os mais fugidios tons de luz até os mais subtis estados de
alma…», como queria Fradique (A
Correspondência de Fradique Mendes), mas não quero eu, o praticar uma
beleza formal tolhedeira da humana necessidade de comunicar, disfarçando com
“figuras de estilo” a gaguês das imperfeições que os puristas se entreterão a
sublinhar a marcador grosso. Tomara conseguir eu gravar pensamentos justos e
verdadeiros em algumas lápides, se possível sem os erros do lapidário que em
mim às vezes deles se alheia, escrevendo concelho sem atender a bom conselho.
J.
A. Gonçalves Guimarães
mesário-mor da Confraria Queirosiana
Eventos passados
Advogados
Europeus
Dr. José de Freitas, presidente das Ordens de Advogados Europeias |
Centenário
da Faculdade de Letras do Porto
Monarquia
do Norte
No passado dia 19 de janeiro realizou-se
no Ateneu Comercial do Porto uma conferência por Carlos Bobone e Nuno Resende
sobre «A Monarquia do Norte. Uma história de resistência», lembrando que «durante
25 dias o Porto foi capital do reino de Portugal». Neste acontecimento histórico,
cuja ação militar foi comandada por Paiva Couceiro, foi figura de relevo Luís
de Magalhães, o amigo de Eça de Queirós e editor póstumo de algumas das suas
obras, que foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros o qual, quando detido
e julgado em tribunal, se manteve firme na defesa dos seus atos e convicções.
Cursos e palestras
Ontem, dia 24 de
janeiro, teve início no ISPGAYA, Vila Nova de Gaia, o 3º Congresso Internacional promovido pela revista de
Psicologia, Educação e Cultura subordinado ao tema «O local e o mundo:
sinergias na era da informação», que se prolongará para o dia de hoje, 25. Na
sessão de abertura falou Lino Tavares Dias, diretor da instituição, tendo a
conferência de abertura sob o tema «Sinergias políticas na região» sido
proferida por Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila
Nova de Gaia». Hoje, na sessão de encerramento às 16 horas, sob o tema
«Sinergias nas instituições e nos territórios» falarão, entre outros, Albino
Jorge, administrador da Quinta da Boeira sobre «Turismo e o setor do Vinho do
Porto» e J. A. Gonçalves Guimarães sobre «O Solar Condes de Resende, Gaia e o
Mundo».
Na programação
das palestras das últimas quintas-feiras do mês do Solar Condes de Resende, no
próximo dia 31 de janeiro, o Prof. Doutor José Manuel Tedim falará sobre
«Joaquin Sorolla, pintor espanhol da transição do século XIX para o século XX».
Prossegue entretanto
no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Música & Músicos. Aspetos do
património Musical Português», organizado pela Academia Eça de Queirós: em
fevereiro, sábado dia 2, a Dr.ª Helena Lourosa falará sobre «Bandas
Filarmónicas em Portugal – uma história emergente», e no sábado 16, o Prof.
Doutor José Manuel Tedim falará sobre «Scarlatti e a troca das princesas».
No dia 22 de
fevereiro, no âmbito das comemorações dos 85 anos da Biblioteca Pública
Municipal de Vila Nova de Gaia, pelas 18 horas, aí decorrerá uma sessão sobre o
«Contributo do movimento associativo para o desenvolvimento cultural de Vila
Nova de Gaia e da sua história», em cujo painel participará J. A. Gonçalves
Guimarães como coordenador do Gabinete de História, Arqueologia e Património da
ASCR-Confraria Queirosiana
Livros
No dia 11de
janeiro, na Biblioteca Pública de Penafiel, o historiador Adrião Pereira da
Cunha fez a apresentação do seu mais recente trabalho, o livro Humberto Delgado no Portugal de Salazar,
editado por Edições Afrontamento, fundamental para o entendimento do regime do
Estado Novo e das razões da sua permanência no tempo longo de quase meio século
durante o qual os movimentos oposicionistas saíram do seu interior
protagonizados por militares como Henrique Galvão, Humberto Delgado e,
finalmente, pelo Movimento dos Capitães, depois transformado em Moimento das
Forças Armadas pelos setores mais conservadores.
Pela Associação
das Creches de Santa Marinha (Vila Nova de Gaia) acaba de ser publicada a
história da instituição escrita por Eva Batista, historiadora e investigadora
do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, com
o título Associação das Creches de Santa Marinha. Espaço de Modernidade
Educativa. Tendo a autora enquadrado a sua fundação em 1862 no
movimento de apoio à criança proletária do século XIX e da sua educação pelo
acesso à escolaridade, aborda igualmente a biografia e importância social e
cultural dos vários fundadores pertencentes aos mais diversos quadrantes
ideológicos, políticos e religiosos da sociedade gaiense de oitocentos. Faz em
seguida uma pormenorizada abordagem da vida da associação, da sua inter-relação
com a sociedade local que a amparou até aos dias de hoje, dos apoios que teve
de figuras nacionais, dos seus programas de ensino e do seu contributo para a
problematização da evolução do ensino infantil em Portugal.
«Na minha casa praticamente não havia
livros, a não ser os escolares. Pelos meus 14 anos, já tinha lido A Cidade e as Serras e A Capital, escolhidos por instinto na
biblioteca da Gulbenkian em Angra do Heroísmo. Aos 15 anos decidi escrever um
romance em que dois irmãos, separados por qualquer razão acidental da vida se
reencontravam, se apaixonavam e tinham uma relação amorosa. Naquela época,
evidentemente, eu não conhecia o conceito de incesto. Então, pensei que aquela
história de um amor entre irmãos era absurda, da ordem do fantástico,
impossível por qualquer razão divina ou fisiológica. Pelos meus 18 anos, nas
férias do Natal de 1968, em casa de uns tios que tinham alguns livros, fui ler Os Maias.
Ai pela página cem, já sabia o que ia acontecer. Ora, ali estava o romance que
eu quisera escrever. Isto foi uma coisa magnífica: não só porque me deu a noção
de uma certa intuição literária, mas também porque me retirou completamente as
ilusões de vir a ser romancista.» (Excerto da entrevista ao Professor Doutor Carlos
Reis, publicada na revista Ler,
inverno de 2018, n.º 151, sob o tema «Sim, Os Maias! Ao fim de 130 anos, o
livro de Eça de Queirós é mesmo o grande romance da nossa literatura», que
apresenta ainda entrevistas com outros autores ecianos, bem assim como textos e
crónicas sobre a obra do escritor e ainda diversos exercícios literários).
______________________________________________________________________
Eça & Outras, III.ª série, n.º 125, sexta-feira, 25 de janeiro de 2019;
propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540;
IBAN:
PT50001800005536505900154; email:
queirosiana@gmail.com;
www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio
Santos; colaboração: António Pinto Bernardo.
1 comentário:
Oferta de empréstimo muito séria
E-mail: mariadiosperez@gmail.com
Whatsapp: +33 7 56 94 93 46
Ola
Sou Maria Perez, concedo empréstimos a todos os indivíduos, empresas e associações sem distinção de raça e continente desejosos de acordo com os seguintes critérios :
Escolha do montante: de 5.000 a 2.000.000 €.
Escolha do prazo de Reembolso: 1 a 20 anos. O reembolso é de 3 tipos : mensal, anual ou único.
Taxa de juro anual: 2% sobre o montante a contrair.
E-mail: mariadiosperez@gmail.com
Whatsapp: +33 7 56 94 93 46
Enviar um comentário