Maria Helena Rocha Pereira
Faleceu a 10
de abril passado no Porto uma das mulheres mais cultas do Portugal do século XX,
não só pela sua capacidade pessoal, mas muito pela disciplina de estudo, da profundidade
de análise e pela oficina do conhecimento produtivo. Referimo-nos a Maria Helena
Rocha Pereira, ali nascida, em Cedofeita, em 1925, professora catedrática da
Universidade de Coimbra e autora de numerosos livros e ensaios sobre Cultura
Clássica. De imediato lhe associei algumas referências queirosianas, lembradas
aliás por alguns dos seus estudos, que estas coisas, não sei se também o terá
dito Virgílio, serão como as cerejas. Para além do episódio infantil em que
Eça, depois de folhear as gravuras de uma Enciclopédia de Antiguidades Romanas,
passou a ver como uma venerável tradição clássica o ser levado à escola por um
preceptor e comprando numa venda do caminho o bolo da merenda, foi a partir da
casa de uma tia que morava em Cedofeita que, adolescente, frequentou o Colégio
da Lapa, onde aprendeu Latim e, talvez, alguns rudimentos de Grego, a mola
impulsiva de uma vida inteira de curiosidade e admiração pela Cultura Clássica
manifestada, na criação do seu altar ego Fradique Mendes, que definiu como «um
Lucrécio moço» cuja avó considerava Coimbra como «um nobre centro de estudos
clássicos e o derradeiro refúgio das Humanidades» em Portugal; ou no conto “A
Perfeição”, baseado no canto V da Odisseia; ou na comparação da morte de Antero
à do filósofo Demónax, comparando-se Eça a Lucrécio seu biógrafo; e em muitos
outros escritos, incluindo a “Correspondência”, onde aqui e ali afloram
reminiscências desses apetites culturais. Talvez por via indireta, e não nos
textos originais, o escritor leu Virgílio, Cícero, César, Horácio, Marcial,
Tibulo, e outros mais. Assumia-se como «um fiel ledor de Homero», que terá
conhecido através da tradução da Odisseia de Leconte de Lisle feita em 1868.
Para muitos
intelectuais do século dezanove, como o seu contemporâneo Karl Marx que lia
Ésquilo no original e cuja tese de doutoramento foi sobre a filosofia da natureza
em Demócrito e Epicuro, o mundo da Antiguidade Clássica, então a ser
ressuscitado pela Arqueologia, pela Arte e sobretudo pelos estudos epigráficos
e linguísticos que conduziram, por exemplo, à realização dos Jogos Olímpicos em
Atenas em 1896, esta era uma via da procura de uma intelectualmente perdida
perfeição civilizacional, da própria democracia, da beleza eterna, humanamente
falando. A «Civilização helénica, e a civilização ocidental, eis algo que não
foi para o escritor [Eça] nem um ser de papel, nem chavão sem conteúdo, mas a
expressão da matriz cultural em que se assumiu como autêntico humanista e
investiu uma das maiores somas do seu capital simbólico», como muito bem anotou
Manuel dos Santos Alves no Dicionário de A. Campos Matos, edição de 2015, p.
1054.
A
Maria Helena Rocha Pereira, e de agora em diante aos discípulos que, como
verdadeira professora, soube deixar, deveremos esta luminosa vontade de nos
disponibilizarem os seus textos e livros que não acumulam pó nas nossas
estantes e que nos permitem continuar a redescobrir esta nossa tradição
humanística mediterrânica, que inclui vinho e mulheres em sublimes obras (o aldrabãozeco
de mestrados do Dijsselblo em não perceberá esta parte) que contra a satisfação
do status quo nos levará sempre mais
além. Ao ter a notícia do seu passamento fui abrir o livro “Vasos Gregos em
Portugal”, memória de uma das mais belas exposições que entre nós se fizeram
nos últimos trinta anos e que lhe foi justamente dedicada.
Tendo tido em
2002 a honra e o gosto da sua presença a lecionar no curso “Introdução ao
estudo das línguas antigas” no Solar Condes de Resende, em que do alto da sua
sabedoria não recusou ensinar as primeiras luzes do Grego antigo a três dezenas
de curiosos, e nos confirmou a existência de uma Lêkithos bojuda dos séculos
V/IV a. C. na Coleção Marciano Azuaga, depois estudada pelo seu discípulo
Professor Rui Morais, para além da perenidade dos seus livros que sempre
poderemos revisitar, exclamarei também aqui, parafraseando Eça de Queirós nas
“Notas Contemporâneas”: Sparge, precor,
rosas, supra sua busta, viator! (Eu te imploro, ó viandante, que espalhes rosas
sobre a sua sepultura!). Maria Helena Rocha Pereira bem que as merece.
J. A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
Livros & Revistas
No passado dia
21 de janeiro, em sessão comemorativa do 93.º aniversário dos Bombeiros
Voluntários do Marco de Canavezes foi apresentado o livro(Re)Conhecer a Infância dos Bombeiros do Marco de Canaveses, da
autoria de Lino Augusto Tavares Dias, ex-diretor da Escola Profissional de
Arqueologia do Freixo e atual diretor do Instituto Superior Politécnico Gaya. O
livro aborda a história da instituição desde a sua origem no início da segunda
década do século passado e a sua atividade até ao presente. Para além da
segurança das pessoas e bens de uma área urbana, como se foi tornando a cidade
do Marco, esta é ainda hoje rodeada por significativas manchas verdes onde noutras
épocasse apostou nas monoculturas de pinheiros e eucaliptos em detrimento das
espécies autóctones,criando assim terrenos propícios para o lavrar das chamas
que todos os anos dão que fazer aos seus “soldados da paz”. Esta história dos
bombeiros locais é também uma narrativa da adaptação recente das comunidades ao
seu território.
Ainda no mesmo
município, a 31 de março foi lançado nos Paços do Concelho o livro Marco de Canaveses. O Poder Local, da
autoria de Jorge Fernandes Alves, professor catedrático da Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, com colaboração pontual de Elsa Pacheco e Lino
Tavares Dias. Presidiu à sessão o presidente da edilidade Dr. Manuel Moreira,
que na ocasião salientou o contributo desta obra para a memória da
administração do concelho desde a sua criação pelo Liberalismo até aos tempos
pós 25 de Abril, sobre os quais o autor recolheu elementos determinantes para
se poder fazer a história desta terra que é também conhecida por ser a de
origem de Cármen Miranda e ter no seu território as ruínas da cidade romana de
Tongobriga. No átrio da Câmara uma exposição sobre os “165 anos da Fundação do
Concelho de Marco de Canavezes” constituiu a moldura adequada ao lançamento desta
obra certamente de referência na atual historiografia sobre o Poder Local.
Embarcações históricas
No próximo dia 3
de maio no Hotel Ascot em Copenhaga, será apresentado o livro Modelos de Embarcações Históricas
Portuguesas dos Séculos XVI a XIX, na sua tradução em inglês e francês, da
autoria de J. A. Gonçalves Guimarães, que na circunstância fará uma palestra
sobre a evolução da construção naval ao longo dos tempos e em especial nos
estaleiros portugueses. Produzido pelo Gabinete de História, Arqueologiae
Património da Confraria Queirosiana e editado pela Quinta da Boeira, Arte e
Cultura, Vila Nova de Gaia, esta publicação serve de suporte descritivo à
coleção de modelos de embarcações históricas da autoria do ex-pescador e ex-marítimo
afuradense Albino Costa, que as construiu ao longo de anos, algumas das quais
serão ali exibidas. Estarão presentes, além da Confraria Queirosiana, diversas
confrarias enófilas portuguesas, que homenagearão várias personalidades que se
têm distinguido na promoção da Cultura e dos vinhos portugueses na Dinamarca,
havendo ainda uma prova de Vinho do Porto cujos lotes perfazem 200 anos.
Trás-os-Montes – O Nordeste
Este
é o título do novo livro de J. Rentes de Carvalho, escrito a convite da
Fundação FMS, e que será lançado na Câmara de Mogadouro no próximo dia 30 de
Maio com apresentação de Francisco José Viegas. Uma delegação de convidados e
jornalistas de Lisboa cobrirá o evento, complementado com uma visita a
Estevais, a aldeia dos antepassados do autor onde este alterna a sua existência
com a cosmopolita Amsterdam. Com a sua prosa vertical e limpa a que já nos
habitou o autor, não será este mais um daqueles livros que apenas cante loas às
maravilhas da paisagem e aos encantos das gentes, o que todos certamente daremos
como notável e certo, mas que virá cavar mais fundo e talvez explicar-nos
porque é que, com tantas joias na arca e self
mademan na região, as coisas tenham vindo a ser o que são, sobretudo depois
que “o povo é quem mais ordena”. Por certo este livro não virá para sossegar as
mitologias locais. Terá depois outro lançamento a 4 de julho na Feira do Livro
de Lisboa, apresentado por Henrique Raposo. Sobre este autor, nascido em Vila
Nova de Gaia em 1930, e a sua obra, leia-se NOGUEIRA, Carlos (2015) – Autobiografia,memória e tempo nos romances
de J. Rentes de Carvalho, DE GRUYTER, Ibero 2015; 2015 (82): 151-169.
Palestras e colóquios
Professora Dina El-Din |
A
essa mesma hora o egiptólogo Professor Doutor Luís Manuel de Araújo conduzia
mais uma das suas já proverbiais visitas guiadas ao país do Nilo, com os seus
alunos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e outros participantes,
seguindo a inspirada visita de Eça de Queirós e do Conde de Resende em 1869.
Comemorou-se no
passado dia18 de abril no Solar Condes de Resende o Dia Internacional dos
Monumentos e Sítios, promovido internacionalmente pelo ICOMOS e em Portugal
pela Direção Geral do Património Cultural, este ano sobre o tema “Património
Cultural e Turismo sustentável”, com uma palestra por J. A. Gonçalves Guimarães,
coordenador-geral do projeto sobre o levantamento, estudo e divulgação do
Património Cultural de Gaia (PACUG). Tendo começado por relembrar os conceitos
de Património Cultural e de Turismo e as condições que os tornam sustentáveis,
apresentou de seguida propostas para dez roteiros turísticos, repensando o do
Centro Histórico de Gaia, o das pontes e Rio Douro, o dos espaços verdes, o do
património cemiterial, o dos museus de Gaia, o roteiro literário, o de Soares
dos Reis e a “Escola de Gaia”, o dos mosteiros e património religioso, o roteiro
industrial do Vale do Uíma e o do folclore e tradições gaienses. Estando
presentes alguns dos intervenientes nas áreas do ordenamento do território e do
associativismo, a palestra terminou com animado debate.
Hoje, dia 25 de Abril pelas 15,30 horas,
no edifício sede da Junta de Freguesia de Pedroso e Seixezelo, Vila Nova de
Gaia, decorrerá uma conferência sobre “Pedroso, um castro, um mosteiro, uma
freguesia”, sendo conferencista o Dr. António Lima, arqueólogo responsável pela
Área Arqueológica de Tongobrigae professor da Escola Profissional de
Arqueologia do Freixo, ambas em Marco de Canaveses. Foi também o autor do
dossier da proposta de classificação do Monte Murado como imóvel de interesse
público elaborado em agosto de 1989 no âmbito dos trabalhos do Gabinete de
História e Arqueologia de Vila nova de Gaia sediado no Solar Condes de Resende,
de que o autor foi estagiário, e que permitiu a cobertura legal que era suposto
tê-lo protegido e valorizado desde 1992. A conferência tem o apoio da Direção
Geral de Cultura do Norte, da Câmara Municipal de Gaia e da União de Juntas de
Freguesia de Pedroso e Seixezelo.
No próximo dia 27 de abril, às 21,30
horas, na habitual palestra da última quinta-feira do mês do Solar Condes de
Resende, será apresentado por Joaquim Ramos, aluno do Mestrado em Arqueologia
da Faculdade de Letras da Universidade do Porto a estagiar nesta instituição
gaiense, o seu estudo sobre “Cerâmica tardo-romana da igreja do Bom Jesus de
Gaia”, proveniente no século VI da atual Turquia e do Norte de África e
resultante das escavações arqueológicas realizadas pelo Gabinete de História e
Arqueologia de Vila Nova de Gaia naquele edifício do Castelo de Gaia nos finais
dos anos oitenta e nos princípios dos anos noventa sob a direção do arqueólogo
J. A. Gonçalves Guimarães.
Património
de Gaia no Brasil
No
dia 28 de abril, sexta-feira, pelas 21,15 horas, decorrerá na Casa Museu
Teixeira Lopes em Vila Nova de Gaia uma conferência por José Francisco Alves,
doutor em História da Arte, membro do ICOM, AICA e ICOMOS e professor de
escultura do Ateliê Livre de Porto Alegre, sobre “ Teixeira Lopes e o Brasil”.
O conferencista é também investigador do projeto PACUG para o volume sobre
Património de Gaia no Mundo, dirigido pelo Professor Doutor Francisco Queiroz,
para o qual produziu diversos textos sobre obras de Arte da autoria de artistas
gaienses existentes no Brasil.
“Jogo da Verdade” e“Partículas comensais”
No dia 6 de
maio, sábado, no salão nobre da Ordem dos Médicos no Porto, pelas 17 horas o
escritor Mário Cláudio fará uma conferência sobre “O Jogo da Verdade e a
vocação confessional: Mário de Sá Carneiro e José Régio”; pelas 17,45 será
apresentado o novo livro de Jaime Milheiro intitulado “Partículas Comensais”,
com reflexões sobre o mesmo em tertúlia onde intervirão algumas conhecidas
figuras do Porto e o autor.
Companhia
de Fiação de Crestuma
No dia 25 de
maio, pelas 21,30 horas, será apresentada no Solar Condes de Resende uma
palestra pela historiadora Mestre Maria de Fátima Teixeira, investigadora do
Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, sobre
o tema “Os acionistas da Companhia de Fiação de Crestuma”, importante
contributo para A História Empresarial da região feito a partir da sua
dissertação de Mestrado recentemente apresentada na FLUP.
Outras
No passado dia
20 de abril na Entidade Regional do Turismo do Porto e Norte de Portugal
localizada na praça Almeida Garrett no Porto, com instalações magnificamente
disponíveis para satisfazerem todas as solicitações da procura turística, Dr.
Melchior Moreira, seu presidente, com o patrocínio de uma conhecida marca de
cosméticos, apresentou a “Rota das Camélias a Norte de Portugal Passeios Ultra
Suave”, sintetizada numa brochura e num vídeo-filme com 76 locais distribuídos
por 28 localidades famosos pela existência de notáveis exemplares daquelas
flores.Trazidas do Oriente para Portugal pelo vice-rei D. João de Castro, aqui
se aclimataram, passando desde então a ser flores emblemáticas da região, com a
vantagem de florirem no inverno. Um desses locais emblemáticos é o Solar Condes
de Resende com o seu Jardim das Camélias onde a estátua de Eça de Queirós de
Hélder de Carvalho aguarda os visitantes.
Évora
queirosiana
Nos próximos
dias 20 e 21 de maio a Confraria Queirosiana promove uma visita ao Roteiro
Queirosiano do Alentejo comemorativa dos 150 anos da passagem de Eça de
Queirós, onde verdadeiramente se decidiu a sua vocação de escritor atendo à
realidade do país e do mundo. Para além da visita aos principais monumentos e
ao local onde existiu o jornal Distrito de Évora, guiada por José Manuel Tedim,
está igualmente prevista a realização de uma sessão evocativa onde falarão o
presidente da direção da Confraria Queirosiana, o seu vice-presidente Luís
Manuel de Araújo recentemente regressado da sua anual vagem ao Egito e o
mesário mor J. A. Gonçalves Guimarães que falará sobre os condiscípulos de Eça
em Coimbra naturais da capital alentejana.
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Eça
& Outras, III.ª série, n.º 101 – terça-feira, 25 de abril de 2017; propriedade
dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º
506285685 ; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração:
Quinta da Boeira, Arte e Cultura.
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