Eça & Outras, quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
A
propósito dos 500 anos da morte de Vasco da Gama
Neste ano de 2024 em que celebramos os 500 anos do
nascimento de Luís de Camões, estamos também a recordar os cinco séculos
passados sobre a morte de Vasco da Gama, de quem o primeiro fez a grandeza
literária logo nas páginas de Os Lusíadas, com conhecimento biográfico e
literário, sem dúvida, mas também saber de «experiência feito» por ter
percorrido a mesma rota marítima e também ter aportado ao mesmo deslumbramento
da Índia das especiarias e de outras conceções do Mundo, onde os Portugueses
haveriam de ficar como feitores de alguns enclaves territoriais durante mais de
quatrocentos anos e até aos dias de hoje como construtores de afetos e
mundividências que os futuros no porvir certamente também celebrarão com
padrões de gentileza civilizacional. Um dia encontrei num restaurante um casal
de jovens universitários indianos que andavam por Portugal a descobrir,
deslumbrados, o «país de Vasco da Gama» e já tinham ido a Lisboa admirar o
cenotáfio. E diziam em inglês fluente: «vocês, os Portugueses, fizeram as
pontes mais longas e duradouras da História e aqui estamos nós estudantes
indianos encantados por vos conhecer na praia atlântica de onde partiram até
nós». Sendo ela aluna de mestrado em Turismo e ele em Informática, sabiam o
suficiente de História para terem consciência das diferenças entre os séculos
XV e XVI e os dias de hoje, e de que esse conhecimento mútuo nem sempre foi
pacífico ou sequer aceitável, mas estavam agora aqui pelo saldo humanístico de
hoje e não pelas passageiras desgraças de antanho que não são nem a essência
dos feitos nem lições de coisa alguma.
Da vida de Vasco da Gama sabe-se o essencial, se bem
que debaixo dos seus títulos e encómios grandiloquentes dos textos, dos
monumentos e da fama, a sua biografia tenha titubeado à procura de realidades
comprovadas. Passando adiante as interrogações, hoje já muito esclarecidas,
sobre se Vasco da Gama foi realmente um navegador, com ciência náutica
adquirida e assimilada, ou tão só um capitão de frota nomeado para comandar uma
embaixada político-militar metida a bordo de embarcações muito bem artilhadas e
da melhor construção naval que então se fazia, lembro que, perante a
importância mundial deste feito e do seu protagonista, muitas outras questões
têm vindo a ser analisadas e esclarecias pelos historiadores portugueses,
indianos e de outras nacionalidades, com avanços e recuos, pois a História
nunca é simples e linear, mas sim poliédrica e caleidoscópica. Recordo aqui,
por exemplo, um estudo de Humberto Baquero Moreno sobre um jovem Vasco da Gama
no qual este experiente historiador foi enganado pela existência, não apena de
um, mas de vários homónimos contemporâneos, ainda por cima aparentados, que
confundiu com o navegador, mas que a sua probidade profissional o levou a
retratar-se do equívoco num segundo estudo que depois publicou. Ou mesmo sobre
a identificação por Costa Brochado em 1958 do piloto muçulmano amigo dos
portugueses como sendo o almirante e cosmógrafo Ibn-Madjid, o que Luís de
Albuquerque pôs posteriormente em causa. Uma vez mais, e sempre, deixo aqui a
recomendação de que, sobre História, leiam apenas livros de historiadores
profissionais e não de literatos e memorialistas diversos, pois os primeiros,
quando se enganam ou erram, se retratam e emendam publicamente, enquanto
aqueles outros mandam encadernar os seus equívocos com capas de couro e letras
douradas na lombada. Adiante.
Para além da contínua e exigente reflexão crítica
que devemos fazer sobre os feitos históricos de todas as épocas, certo é que o
encurtamento prático do Mundo se deve a Vasco da Gama, que partindo a 8 de
julho de 1497 de Lisboa, chegou ao Oriente pela rota marítima do Cabo,
quebrando assim o exclusivo comercial dos muçulmanos sobre as importações dos
produtos asiáticos que chegavam à Europa, o que facilmente se percebe que não
podia ser pacífico. A que juntaríamos o facto de um outro Português,
contemporâneo do primeiro e também ele militar e navegador, de seu nome Fernão
de Magalhães, em 1520 comandou a frota que cruzou a ponta Sul do Novo Mundo
para chegar pelo Oceano Pacífico ao então ainda longínquo Oriente, abraçando
assim para todo o sempre a esfericidade da Terra. O desconhecimento, ou melhor,
a falta de divulgação de estudos históricos sobre a sua biografia, degenerou
entre nós em ingénuas fantasias perpetuadas em estátuas, obras literárias e
festividades paroquiais e, a nível governamental nas recentes comemorações, em
decisões políticas pouco relevantes, ao contrário do que aconteceu na vizinha
Espanha. Ainda há, pois, quem da Expansão espere o retorno das naus para colher
em saldo os restos dos porões. Adiante.
No mundo atual, como sabemos, defrontam-se três
grandes blocos geográficos e políticos à procura de um inevitável e desejável
equilíbrio mundial: o bloco europeu-norteamericano; o asiático; e o dos países
do hemisfério Sul. No meio deles existem três hesitantes grupos de países com
posições político-económico-militares herdeiras de velhos impérios ou de
ideologias religiosas suprematistas e fundamentalistas que seguem a via do
confronto e impedem a concertação mundial preconizada pelas Nações Unidas: a Federação
Russa e seus satélites; os interesses israelitas internacionais; e o das
diversas correntes muçulmanas nacionalistas ou expansionistas. Para as bem
entendermos podemos lembrar-nos que foi a viagem de Vasco da Gama que agitou
aquele velho mundo e deu origem à Época Moderna e Contemporânea, que d’ O
Livro de Marco Polo medieval passou às desejadas esperanças da Ode à
Alegria de Schiller cantadas na 9.ª Sinfonia de Beethoven. E de que foi um
Português quem a realizou.
Nestas efemérides outras memórias se avivam, algumas pouco conhecidas e outras a relembrar: das quatro poderosas embarcações da armada inicial que D. João II encomendou para D. Manuel I concretizar o seu plano de mandar chegar à Índia, pelo menos três foram construídas nos estaleiros do Rio Douro, ou seja “no Porto”. E que a 25 de dezembro de 1497 esta mesma frota balizou a costa da atual província sul-africana de KwaZulu-Natal, que a partir daí tomou o nome com que os Portugueses a nomearam. Mais perto de nós, a 20 de maio de 1898, durante a passagem do cortejo evocativo do 4.º Centenário deste feito realizado em Lisboa, Eça de Queirós, que a ele assistia da varanda da casa dos pais no Rossio, viu o mesmo deter-se debaixo dela e os participantes, em grande parte estudantes, mimosearem-no com uma espontânea e prolongada ovação de deferência para com o escritor que já tinha escrito «A Índia não nos serve senão para nos dar desgostos» e «A única coisa por que conservamos a Índia, é por ser uma glória do passado» (Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre). Como ninguém ligou aos seus sensatos avisos, em 1925 o burlão Alves dos Reis conseguiu mandar falsificar notas do Banco de Portugal com a efígie de Vasco da Gama, no valor de 500 escudos, até ser descoberto e condenado. Em 1961, depois de o Estado Português da Índia ter sido pacificamente reivindicado pela União Indiana, foi militarmente tomado ao Estado Português. Nestas duas desgraças Vasco da Gama não teve qualquer responsabilidade, pois ele foi “apenas” o descobridor do caminho marítimo até à Índia, depois escasso governador e vice-rei daquelas possessões, quando aí faleceu de malária em Cochim a 24 de dezembro de 1524.
J. A. Gonçalves Guimarães
Historiador
Comemorações
queirosianas
Professores e
alunos da Escola Eça de Queirós de Olivais, Lisboa.
O
aniversário de Eça de Queirós do passado dia 25 de novembro foi também
celebrado pelos professores e alunos da Escola de que é patrono nos Olivais,
Lisboa. Assim, por ação do nosso confrade Dr. Fernando Pinto e com a presença
do Dr. Afonso Cabral, nosso confrade de honra e presidente do Conselho de
Administração da Fundação Eça de Queiroz, Baião, decorreu uma sessão evocativa
no grande auditório da Escola com exultante regozijo.
A ASCR-CQ esteve presente em…
A 7 de dezembro na sessão de encerramento das
comemorações do centenário da Tuna Musical de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia,
vários dirigentes, alguns dos quais também em representação de outras entidades
e associações.
A 16 de dezembro no tradicional jantar de Natal dos
corpos sociais e funcionária no Solar Condes de Resende com os funcionários
deste equipamento municipal e a presença da vereadora do Pelouro da Cultura e
da Programação Cultural da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Eng.ª Paula
Carvalhal.
A 18 de dezembro na assembleia geral da Federação
das Coletividades de Vila Nova de Gaia para apresentação do programa e
orçamento para 2025.
Ainda que ao serviço de diversas outras entidades
alguns dos nossos dirigentes organizaram, participaram ou estiveram presentes
em diversas realizações culturais. Assim, o Prof. Doutor Nuno Resende da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, no
dia 13 de novembro participou na inauguração da exposição «O Porto de João
Amaral (1874-1955). Nos cinquenta anos do seu nascimento» na Casa dos Livros no
Porto, da qual, com Alexandra Braga, foi curador. No dia 14 participou no
lançamento do livro de sua autoria Portoscópio – A Cidade pelo olhar de
Guilherme Camarinha, ensaio sobre as tapeçarias deste pintor gaiense
realizadas na Fábrica de Portalegre que ornam a sala das sessões municipal. No
dia16 novembro, o guiou uma visita pela Cidade de Ovar inserida nas I.as
Jornadas Dinisianas sob o lema «Que romantismo passou por Ovar na Arte e na
Arquitetura?». No dia 29 de novembro
conduziu no Museu Pio XII, em Braga a tertúlia «O
Inventário do Património Cultural Religioso Católico em Portugal: um desígnio
por cumprir». A 8 de dezembro esteve presente em Ovar no lançamento do n.º 24
da «Revista Dunas – Temas & Perspetivas», onde publicou um ensaio.
Por sua vez o Prof.
Doutor José Manuel Tedim, no passado dia 16 de novembro conduziu uma visita
guiada ao Santuário Mariano localizado perto do Observatório Astronómico
Professor Doutor Manuel de Barros no Monte da Virgem, Vila Nova de Gaia, para a
Associação Cultural Amigos de Gaia.
O coordenador desta
página, J. A. Gonçalves Guimarães, no dia 19 de dezembro, por convite dos
professores de História da Escola Sophia de Mello Breyner, em Gulpilhares, Vila
Nova de Gaia, realizou aí perante uma entusiástica plateia de alunos e
docentes, uma palestra sobre o tema «Gaia e Porto na Expansão Europeia»
Concerto de
Natal
No passado dia 13
de dezembro, pelas 21 horas, o agrupamento musical Eça Bem Dito dos Amigos do
Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, realizou um verdadeiro concerto
de Natal na Igreja de São João Evangelista do Torne, Vila Nova de Gaia (Igreja
Lusitana). No início, o presidente da direção da ASCR-CQ dirigiu aos presentes
umas breves palavras sobre a origem e objetivos deste agrupamento e dos
programas temáticos já apresentados, tendo a sua última atuação decorrido no
capítulo da Confraria Queirosiana do passado dia 23 de novembro, terminando por
ler os parágrafos finais do conto «O Suave Milagre» de Eça de Queirós que tão
bem se ajustam à beleza de um dos magníficos vitrais desta igreja, entre os
quais um outro com o Presépio reproduzido no cartaz do concerto. Seguidamente o
Dr. Henrique Guedes fez uma breve abordagem musicológica às melodias
Portuguesas e Brasileiras dos séculos XVIII a XX ali interpretadas, as
primeiras de extração popular e as segundas de vários compositores dos anos
quarenta e cinquenta. Foi também entoado o conhecido Adeste Fideles, com
uma breve explicação sobre a sua verdadeira origem e autoria e por fim, os
cantores pediram à assistência que com eles entoasse o hino Hark! the herald angels sing, com música de Félix Mendelssohn,
numa versão portuguesa que faz parte do hinário desta comunidade. Ao órgão
esteve a pianista Maria João Ventura, diretora musical do agrupamento. Após o
concerto seguiu-se um convívio entre a comunidade e o agrupamento musical nas
instalações da antiga Escola do Torne.
Palestras
e Curso
Prosseguem
as palestras das últimas quintas-feiras do mês, presenciais e por via Zoom, que
a seguir proporcionam um informal convívio entre palestrantes e ouvintes num
restaurante popular nas imediações do Solar Condes de Resende. Assim, depois de
no dia 28 de novembro o Dr. Marcus Vinícius Cocentino Fernandes ter falado
sobre a sua biblioteca de literatura fantástica e já longa reflexão sobre os
«Gabinete[s] de “misteriosidades”), no próximo dia 26 de dezembro J. A.
Gonçalves Guimarães dissertará «A propósito dos 500 anos da morte de Vasco da
Gama» e o encontro de culturas que a sua ação proporcionou.
O
curso livre sobre “Portugal, a Flor e a Foice” (J. Rentes de Carvalho),
comemorativo dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril prossegue como programado;
depois de no passado dia 7 de dezembro o Prof. Doutor Adrião Pereira da Cunha
ter falado sobre «Reformas e Revoluções do séc. XX: Salazar e a Guerra Civil de Espanha 1936-39»,
no próximo dia 4 de janeiro a Prof.ª Doutora Rita Luís da Universidade
Nova de Lisboa vai apresentar o tema «A Censura, a PIDE, as cadeias, o
Tarrafal», e a 18 de janeiro o Prof. Doutor António Barros Cardoso sobre «A
Rádio e o 25 de Abril».
Ordem
dos Economistas
No
passado dia 4 de dezembro realizaram-se eleições para os corpos sociais da
Ordem dos Economistas, tendo sido eleita a lista que na direção tem como membro
o Prof. Doutor Carlos Brito, Professor Associado da Faculdade de Economia da
Universidade do Porto e, entre outros cargos e afiliações, presidente da
Associação Portuguesa de Management, presidente do Observatório do Vinho do
Porto e confrade da Confraria Queirosiana.
Livros
A 30
de novembro no Mira Fórum foi apresentado o livro de contos Delírio Animal de João Habitualmente com
ilustrações originais do escultor Hélder de Carvalho, autor da mais recente
estátua do escritor J. Rentes de Carvalho inaugurada em Mogadouro e confrade de
honra da Confraria Queirosiana.
Prosseguindo
na tarefa de recolha dos seus textos dispersos, desde a juventude até aos dias
de hoje, por muitas e variadas publicações, o Doutor Joaquim Armindo Pinto de
Almeida publicou agora o livro Águas
agitadas porque turvas, crónicas
publicadas no jornal “O Primeiro de Janeiro” (2003 a 2008), com prefácio do
médico Dr. Andrade Ferreira, nas quais explana a sua visão do mundo e da vida e
uma permanente vontade de interação com os seus semelhantes.
Retificação
Na
página passada, nas referências ao Capítulo da Confraria queirosiana de 23 de
novembro passado, onde se diz que «ao uso da palavra por
Rostand Lanverly, presidente da Academia Alagoana de Letras, que salientou as
relações entre ambas as instituições, tendo na ocasião entregue o diploma
de membro correspondente ao Dr. António Pinto Bernardo», deve ler-se que foi
lida uma «proclamação da congregação de afilhados na Irmandade Queirosiana de Alagoas»
que tem como patrono o Dr. António Pinto Bernardo.
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