segunda-feira, 25 de agosto de 2025

 

 

Eça & Outras, III.ª série, n.º 204, segunda-feira, 25 de agosto de 2025

 

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

 

Alzheimerização da política e da sociedade

Todos nós já ouvimos falar da doença de Alzheimer, essa anomalia neurodegenerativa comum de demência que aparece lentamente e se agrava com o tempo, inicialmente com perda de memória e dificuldade em recordar eventos recentes, depois dificuldades na linguagem, desorientação, alterações de humor, desmotivação, desinteresses vários e comportamento agressivo, rumo à camisa de forças por caridade. É mesmo possível que muitos de nós conheçam pessoas a quem esta doença foi diagnosticada pela ciência médica em diferentes graus de evidência, dos muito leves aos verdadeiramente graves. Com a agravante dos sintomas e suas consequências serem, até hoje, irreversíveis e, em muitos casos, se confundirem com normalíssimas manifestações do comportamento humano: não será aceitável alguma perda de memória numa sociedade diariamente bombardeada por um número incontrolável de informações? Uma mente seletiva, que guarda para mais tarde recordar apenas o que lhe apetece ou é agradável, está necessariamente doente? E nunca nenhum de nós tropeçou num fonema difícil ainda que corriqueiro? E aqueles que, além dos gagos, desde muito novos têm formas de expressão inusitadas, vá-se lá saber porquê, como adornarrr muitas palavrrras com excessos de rrr? E bem sabemos das variações dos GPS individuais, com gente a indicar-nos com o ar mais sério deste mundo que o Norte é para Sul e a curva da estrada à esquerda é para o lado do fígado e da mão direita. Distrações? E quantas vezes não temos tantos e tão bons motivos para desancar verbalmente (fisicamente é incitamento à violência…) alguém que nos agrediu com factos ou ações que não merecem qualquer bom humor? Ah! E quanto a motivações temos falado: quando vemos “passar à nossa frente” o sujeito ou sujeita com menos habilitações, menor curriculum e irrelevante obra feita, alardeando habilidades e vencimentos, acham que é fácil mantar saudavelmente as motivações? Outros interesses e desinteresses variam ao longo da nossa vida e convém recordar que Gil Vicente, Camões, Cervantes, Shakespeare, Verdi, e tutti quanti, bem gozaram, literária, cenográfica e musicalmente falando, com “interesses” que a sociedade acha (pelo menos assim o diz…) que já se deveriam ter transformado em desinteresses individuais, mas que teimam em persistir. Os falstaffes são sempre ridicularizados. E quanto à violência física ela é muito bem tolerada quando é exercida pelos adeptos do futebol e pelas polícias sobre os cidadãos apanhados em “contramão”. Fora disso, só as guerras não são catalogadas como “comportamento agressivo” alzheimerizado; creio bem que ainda ninguém diagnosticou esta doença, já em fase muito adiantada, a Putin ou a Netanyahu. Enfim, já tínhamos lido que nem sempre é fácil diagnosticá-la. E que também não há cura. Só paliativos. Como este e outros textos.

Por tudo isto, e no que me diz respeito, sempre que qualquer coisa parecida me afeta, prefiro comparar-me aos mais recentes computadores com que lidamos todos os dias: são fantásticos a guardar informação, mas nem sempre conseguimos lembrarmo-nos onde neles a arquivamos, qual o nome da pasta ou do ficheiro, qual a palavra passe, e quando encontrados, nem sempre “abrem” logo e, quando são “pesados”, demoram o seu tempo. É preciso pois saber esperar e não entrar em pânico, e nem vale a pena ir a correr atrás do neurologista, até porque a sociedade fabrica em quantidade muitas profissões, exceto várias daquelas que fazem falta. Coisas do planeamento universitário e dos governos, para os quais umas estatísticas servem e outras nem por isso.

Mas nesta fase do cio eleitoral (leram bem, escrevi mesmo cio) em que já todos nos encontramos, um outro fenómeno emerge por aí com virulência: em vez de compreensíveis esforços para diagnosticar, acompanhar e minorar por profissionais competentes os efeitos alzheimerosos que em boa verdade por aí andarão, aparecem-nos candidatos de diversos partidos políticos a quererem convencer-nos de que já estamos todos com alguns indícios de irreversível alzheimer sem debelações possíveis. Apresentando-se como cidadãos impolutos, imaculados, desde sempre votados ao interesse público e às mais nobres causas (que eles inventaram, pois claro, que todos nós somos para tal incapazes), estão eles confiantes que as nossas aparentes perda de memória, desmotivações e desinteresses vários, já nos fizeram esquecer aquelas partes do seu curriculum que querem ocultar, mas das quais, e já agora que nelas falamos, afinal nos lembramos muito bem, e até sabemos onde estão os documentos, judiciais e outros, que tal demonstram, os recortes de jornais, as gravações, trabalho esse a que os jornalistas se darão se tal for necessário, se o figurão ou figurona sobressaírem da sua habitual mediocridade e quiserem continuar a tirar proveito das nossas distrações e voltarem a ser premiados pelo povo (quantas vezes momentaneamente alzheimerizado…) nas próximas eleições. Não, não vamos permitir que tal aconteça.

Outro fenómeno na mesma linha de nefastas consequências são as recentes “canonizações” de pessoas acabadas de falecer (que diabo! Eles também morrem…), ou que nestas épocas são ressuscitadas como figuras tutelares de quem quer permanecer agarrado ao poder. E o processo é o mesmo: o branqueamento das biografias, fazer esquecer ações pouco edificantes que chegaram aos tribunais ou se ficaram por investigações não concluídas ou oportunamente prescritas, tudo por engano obviamente, ou voltar a mobilizar instituições com estranhíssimos “poços de petróleo” que não só bombeiam fortunas retiradas ao erário público disfarçadas de esmolas e donativos, como serviram e servem para financiar máquinas administrativas estrategicamente colocadas para guindarem os discípulos aos lugares chaves da perpetuação das habilidades do “mentor” e da sua entourage. Estamos a lembrar individualidades, mas na realidade elas pertencem a seitas, grupos de influência, grupos organizados para tomarem ou se manterem no poder. Vejam onde estão colocados os bustos dos ditos e vejam lá quem aí acende velas de tempos a tempos. E o porquê de tanta cera ardida.

E assim vamos nós. Mas não, não é verdade: os meus caros amigos não estão alzheimerizados, nem se deixam alzheimerizar pelos profetas dos apocalipses de conveniência ou pelas sereias que nadam mal fora d’água. Apenas, às vezes, estamos todos um pouco distraídos, ou fartos destas “ingenuidades”, e até as desculpamos como imperadores que somos nas horas vagas do reino da condescendência. E vou dizer-lhes um segredo de historiador: “estas coisas”, tirando a figura do ano ou da época que conhecemos no calendário, sempre foram assim. E nós cá estamos e estaremos continuados pelos que nos seguirão. Mas seria bom que lhes quebrássemos alguns enguiços assinalados na citação que se segue e que bem poderemos atualizar: «… entre nós a mentira é um hábito público. Mente o homem, a política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos, os sermões, a arte e o País é todo ele uma grande consciência falsa. Vem tudo da educação.» (Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre).

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

Estamos em…

Entre 22 de agosto e 7 de setembro, a ASCR-CQ, numa parceria com a Associação Portuguesa da História da Vinha e do Vinho (APHVIN/ GEHVID) está presente, como habitualmente, na Feira do Livro do Porto, no Palácio de Cristal, desta vez no stand 77, junto ao "Largo dos Cavalinhos", onde estão à venda todos os livros e revistas editados por ambas as associações. No dia da abertura diversas personalidades passaram pelo stand da Confraria dialogando com os associados presentes e adquirindo livros, nomeadamente o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.

Por gentileza do autor, o escultor Hélder de Carvalho, está aí em exposição o gesso do seu mais recente busto do escritor J. Rentes de Carvalho este ano homenageado pela ASCR-CQ nesta Feira do Livro. Esta obra de arte, depois de passada ao bronze, será em data oportuna colocada na aldeia de Estevais do Mogadouro, terra dos antepassados do escritor e onde ainda recentemente comemorou os seus 95 anos, tendo, entretanto, regressado a Amsterdam.

                                O Presidente da República no stand da Confraria; fotografia de Guilherme Silva

No próximo dia 29 de agosto, sexta-feira, pelas 15 horas, no Largo dos Cavalinhos será feito o lançamento da obra Eça & Outras 2. J. Rentes de Carvalho 95 Anos, da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães, presidente da direção da ASCR-CQ. A apresentação do livro e do autor estarão a cargo do Prof. Doutor António Manuel Silva, do Gabinete de História, Arqueologia e Património.

                                Busto de J. Rentes de Carvalho, fotografado pelo autor no seu atelier em Vila Nova de Gaia

 

Independência do Brasil…na Romênia

 


«No 7 de setembro celebramos o Dia da Independência do Brasil declarada no dia 7 de setembro 1822! Celebramos esse evento com a exposição de arte popular brasileira “O Brasil em lendas e sonhos” de Terezinha Bilia e o recital de música brasileira de Marwin Chester e Cristina Moraru Petrescu. O evento é organizado em cooperação com a Embaixada do Brasil em Bucareste e o Instituto Guimarães Rosa e terá lugar ao Museu de Arte de Cluj-Napoca no dia 6 de setembro 2025, às 11h; a exposição estará aberta até o dia 14 de setembro! Estamos esperando todos vocês!»

 

A ASCR-CQ esteve em…

«Pelos Caminhos de Santiago: uma abordagem histórica» - Como anunciado na folha passada, no dia 26 de julho, J. A. Gonçalves Guimarães participou como historiador profissional do Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-CQ no Mosteiro de Grijó na V Conferência Pelos Caminhos de Santiago organizada pela Confraria de Santiago da Paróquia de São Salvador de Grijó, com uma comunicação intitulada «Pelos Caminhos de Santiago: uma abordagem histórica»., a qual foi depois desenvolvida na “Palestra da última quinta-feira do mês” no Solar Condes de Resende e via zoom no passado dia 31 de julho.


                            Investigadores-tarefeiros 2025, com os monitores do projeto; fotografia de João Fernandes

 

Investigadores-tarefeiros – no passado dia 27 de julho o presidente da direção e a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira reuniram com os investigadores-tarefeiros do programa deste ano na Confraria Queirosiana. Iniciado em 2004, tem como objetivos proporcionar a jovens investigadores nas áreas das Ciências Humanas a concretização de trabalhos inéditos sobre Vila Nova de Gaia e a sua relação com o mundo coordenados pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património, a preparação para publicação de outros já elaborados depois de certificados por pares, a divulgação do Roteiro Queirosiano e o apoio às atividades do Solar Condes de Resende. A avaliação é feita anualmente.

 

A ASCR-CQ vai estar em…

Encontro Nacional FAMP 2025 - Nos próximos dias 26 a 28 de setembro a direção da ASCR.CQ e alguns associados vão estar presentes neste encontro no Museu do Douro, na Régua, organizado com a colaboração da direção do museu e da Associação de Amigos do Museu do Douro, o qual tem como objetivos a partilha de experiências entre a federação e os diversos grupos de amigos nela filiados, devendo estar presentes Jovens FAMP que se prepararão para a comemoração do Dia Europeu dos Amigos dos Museus, a 12 de outubro.

 

Associados da ASCR-CQ


No passado dia 26 de julho, a banda de jaz clássico Dixie Gang, de que faz parte o Professor David Rodrigues, nosso prezado consócio, que vemos na fotografia sentado ao piano, atuou no Palácio Pimenta - Museu da Cidade de Lisboa enquadrados pela estátua original de Eça de Queirós e a Verdade, de Teixeira Lopes, que ali se encontra recolhida desde que foi substituída no Largo do Barão de Quintela por uma réplica de bronze. Parece que Eça foi visto «a tentar dar uns passinhos de dança com a "nudez crua da verdade..."».

 

Livros

Na sequência dos seus muitos trabalhos genealógicos, Ricardo Charters-d’ Azevedo publicou recentemente pela editora Hora de Ler um novo texto sobre o Doutor D. frei Patrício da Silva nascido nos Pinheiros (Leiria), arcebispo de Évora e depois o 7.º cardeal-patriarca de Lisboa, durante e depois da guerra civil entre D. Pedro e D. Miguel, «destinado aos seus quase 500 sobrinhos», muito  bem ilustrado e documentado, o que o torna uma obra imprescindível, não apenas para os estudiosos da pessoa e dos seus descendentes colaterais, muitos deles notáveis, mas também para o enquadramento de muitos acontecimentos históricos que os tiveram como protagonistas ou participantes.

 

Em 2021 e para a celebração dos seus 70 anos de idade, Maria de Fátima Teixeira e António Manuel Silva organizaram “clandestinamente” um livro com algumas das suas crónicas escritas para a página mensal da ASCR-CQ publicada entre 2005 e 2008 em O Primeiro de Janeiro, a que naturalmente chamaram Eça & Outras Crónicas Queirosianas, deixando aí a sugestão de que devia ir reunindo as restantes em livros temáticos. Passado que foi este tempo e publicadas mais de 200 crónicas, reuniu agora mais algumas delas, desta feita para homenagear um amigo, conterrâneo e grande escritor português, numa coletânea intitulada Eça & Outras 2. J. Rentes de Carvalho 95 Anos, onde republica “tudo” o que sobre ele e a sua obra escreveu ou coligiu em eca-e-outras.blogspot.com, no jornal As Artes Entre As Letras, ou noutras oportunidades editoriais. Aqui fica este testemunho, porventura algo desconexo e até repetitivo da sua grande admiração e agradecimento por tudo o que tem escrito para que os nossos dias sejam mais reflexivos e, se for possível, mais felizes.

 

Eça & Outras, III.ª série, n.º 204, segunda-feira, 25 de agosto de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Hélder de Carvalho; Guilherme Silva; João Fernandes; Cristina Petrescu; David Rodrigues; Ricardo Charters-d’Azevedo.

 

sexta-feira, 25 de julho de 2025

 

Eça & Outras, III.ª série, n.º 203, sexta-feira, 25 de julho de 2025

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

A Confraria Queirosiana editora de obras escolhidas


Logo desde a sua criação que a associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana (ASCR-CQ) se foi lentamente tornando uma pequena editora de obras escolhidas: a primeira edição, coincidente com a sua fundação e feita em colaboração com outras entidades (e assim continuou a ser até por falta de capitais próprios) foi o álbum de Luís Manuel de Araújo, Imagens do Egipto Queirosiano. Recordações da jornada oriental de Eça de Queirós e o Conde de Resende em 1869, editado em 2002. Este autor, egiptólogo e professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, viria a ser convidado para diretor da nova série da Revista de Portugal, editada anualmente pela associação desde 2004, estando já no seu 22.º número neste ano de 2025. Naturalmente que o vamos também aí encontrar como autor de vários artigos sobre Egiptologia, viagens e recensões de obras diversas. Naquele mesmo ano de 2004 é publicada a primeira brochura informativa sobre a Confraria Queirosiana compilada por J. A. Gonçalves Guimarães, diretor-adjunto da Revista de Portugal e aí publicando artigos de fundo e de investigação sobre temas queirosianos, História, Arqueologia e Património. Seguir-se-ão em 2016 e 2023 outras edições desta brochura com outros colaboradores e diversas atualizações,

Em 2006, também com a colaboração de diversas entidades, é publicada a dissertação de mestrado de Susana Cristina Gomes Gonçalves Guimarães, sobre a Casa onde a associação tem a sua sede por protocolo com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, intitulada A Quinta da Costa em Canelas. Vila Nova de Gaia (1766 1816). Família, Património e Casa. Nesse mesmo ano a associação inicia a publicação de edições conjuntas com a Gailivro (que já colaborava na edição da Revista de Portugal) e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a que se seguirão edições conjuntas com câmaras municipais de São João da Pesqueira e de Vila Nova de Gaia, Associação dos Amigos de Pereiros, Palimage, Casa Ramos Pinto, Quinta da Boeira e várias outras instituições.

No ano seguinte Maria de Fátima Teixeira coordenará a edição do primeiro catálogo do Salon d’ Automne Queirosiano, que terá novas edições até 2019, apresentando obras de artistas plásticos profissionais e amadores associados.

O centenário da República foi evocado em 2010 com a publicação de Republicanos, Monárquicos e Outros. As Vereações Gaienses durante a 1.ª República (1910-1926), da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães, e em 2012, a publicação, em edição conjunta com a editora Palimage, da dissertação de mestrado de Nuno Resende intitulada Vínculos Quebrantáveis. O Morgadio de Boassas e as suas Relações, séculos XVI-XVIII.

Desde a fundação do Gabinete de História a Arqueologia de Vila Nova de Gaia em 1982 que este grupo de trabalho profissional foi publicando estudos nessas áreas. Integrado em 2004 na associação e prosseguindo as intervenções arqueológicas em outras localidades e desde 2010 no Castelo de Crestuma, com a colabora das Águas e Parque Biológico de Gaia e para apoio de uma exposição itinerante, a associação publicou em 2013 a brochura Castelo de Crestuma. A Arqueologia em busca da História, da autoria de António Manuel S. P. Silva e J. A. Gonçalves Guimarães, corolário de um grande número de estudos e posters sobre esta intervenção dispersos por revistas e atas de congressos nacionais e estrangeiros que deverão vir a ser reunidos em monografia.

Em 2016, no âmbito das evocações do centenário da I.ª Grande Guerra publicou o relato, inédito por mais de um século, Memórias de um Expedicionário a Moçambique (1917-1919), de José Pereira do Couto Soares, com prefácio do jornalista e historiador Manuel Carvalho.

Do projeto dos investigadores-tarefeiros que desde 2006 a associação organiza no Solar Condes de Resende com o patrocínio da Câmara de Gaia, têm saído muitos textos de investigação, dissertações de mestrado e teses de doutoramento já publicados, alguns dos quais pela associação, como foi o caso de Cultura e Lazer. Operários em Gaia, entre o final da Monarquia e o início da República (1893-1914), de Licínio Santos; e Companhia de Fiação de Crestuma. Do Fio ao Pavio, de Maria de Fátima Teixeira, ambos em 2017.

Ainda em 2016, e por proposta da Câmara Municipal de Gaia, a associação organizou uma vasta equipa de investigadores para darem corpo ao projeto PACUG, do qual em 2019 foi publicado o primeiro de dez volumes intitulado Património Cultural de Gaia. Património Humano. Personalidades Gaienses, organizado por J. A. Gonçalves Guimarães e Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, com mais 23 autores, a que se seguiu em 2022 o volume Património Cultural de Gaia. Património de Gaia no Mundo, dirigido por J. A. Gonçalves e Francisco Queiroz com mais 26 autores. Ainda em 2019 foi publicado um outro novo estudo de uma investigadora-tarefeira, Eça de Queirós e o Caminho de Ferro, da autoria de Joana Almeida Ribeiro.

Em 2021, em colaboração com o Arquivo da Igreja Lusitana, a associação publicou uma edição fac-similada do Esboço – Boletim dos Jovens do Torne. 50 anos de persistências (1970-2020), publicação ecuménica que à época foi mandada suspender pelas autoridades por ser ilegal e “inconveniente” e em cuja elaboração então participaram diversos atuais dirigentes da associação. E nesse mesmo ano é lançado o livro Eça & Outras. Crónicas Queirosianas, de J. A. Gonçalves Guimarães, que em 2022 terá aqui publicada a sua tese de doutoramento, A Frota Mercantil do Porto e o Comércio com o Brasil entre 1818 e 1825.

Em 2023 a associação publica uma obra de José Marques, antigo professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que lha deixara para esse fim, o Património Régio nos Julgados de Gaia e de Vila Nova em 1346 e a antiga revista anual do Gabinete de História e Arqueologia volta a ressurgir, agora com a nova designação Gaya. Estudos de História, Arqueologia e Património, coordenada por António Manuel S. P. Silva, cujo n.º 2 se publicou em 2024.

Em 2025, para além da espectável publicação do n.º 3 da revista acima referida, do n.º 22 da Revista de Portugal e do PACUG 3, Património Cultural de Gaia. Gaia no Século XX, dirigido por J. A. Gonçalves Guimarães e José Alberto Rio Fernandes, tendo sido entretanto publicado pela associação um seu capítulo em edição autónoma intitulada O Museu Azuaga na génese dos museus gaienses, da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães.

Como vemos pelo quase-catálogo acima descrito, a ASCR-CQ tem-se esforçado por levar ao mundo dos leitores um novo universo de temas queirosianos mas também da galáxia das Diversidades universais.

Não, já não acreditamos que «…fora de França apenas cinco mil pessoas talvez terão lido Victor Hugo – e que não passará decerto de dez mil o número de criaturas que lhe saiba o nome, incluindo mesmo a vasta massa democrática de que ele é o épico oficial. E já isto constitui um famoso progresso – desde o tempo em que Voltaire ambicionava ter cem leitores!» (Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra). Todos estes livros e revistas estão à vossa disposição on line ou na próxima Feira do Livro do Porto.

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

J. Rentes de Carvalho Prémio D. Diniz

 

No passado dia 23 a Fundação Casa de Mateus divulgou os vencedores do prémio D. Diniz 2024. O júri, composto por Fernando Pinto do Amaral (presidente) e Pedro Mexia e Mário Cláudio, atribuiu este galardão, que já existe desde 1980, a Carlos Ascenso André, pela sua tradução de A Arte de Amar de Ovídio, e ao escritor natural de Vila Nova de Gaia, J. Rentes de Carvalho, pela sua obra Cravos e Ferraduras, coletânea de textos referente aos 50 anos posteriores ao 25 de Abril. Neste momento com 95 anos de idade e em Amsterdam, este nosso confrade honorário, que doou todo o seu espólio à Confraria Queirosiana, para além dos prémios que tem vindo a receber e do enorme reconhecimento dos leitores Portugueses e Holandeses pela sua obra, vai também ser homenageado pela associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, EUP, através do lançamento de um livro da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães que será lançado na próxima Feira do Livro do Porto. Entretanto a entrega do Prémio D. Diniz será feita na Fundação Casa de Mateus, em Vila Real, em data a anunciar.

 

Realizações da ASCR-CQ

 

No passado dia 26 de junho a palestra da última 5.ª feira do mês organizada pela ASCR-CQ no Solar Condes de Resende, presencial e por videoconferência, foi proferida pela jornalista Filipa Júlio, licenciada em Comunicação Social e atualmente mestranda na Universidade de Coimbra, sobre o tema «Raízes: património cultural e afetivo de Grijó e Sermonde, Vila Nova de Gaia, através das memórias de vida dos seus habitantes mais velhos», baseada no seu livro recentemente publicado Raízes. Memória a fazer cultura, premiado num concurso promovido pela Junta de Freguesia de Grijó e Sermonde que o editou. No prefácio do mesmo, J. A. Gonçalves Guimarães escreveu:

«Tendo [Filipa júlio] ido ouvir os grijoenses que nasceram durante a 2.ª Grande Guerra ou poucos anos depois, indagando as suas vivências desde a infância, foi dar voz e para sempre fixar as memórias que o tempo apagaria se não fora este trabalho ora editado. Contrapontando o discurso direto de pessoas analfabetas ou de poucas letras, mas de incontornáveis experiências de vida, a uma só voz ou em coros de opiniões convergentes ou divergentes, que diversos são os pontos de vista nesta comunidade assumidamente interdependente, a autora arrumou as conversas pelo calendário da vida, desde os gritados nascimentos em casa e os esporádicos recursos ao sistema hospitalar… passando pelas parlengas e cantigas infantis “para enganar a fome”, as escola do engano nas miragens de vida justa, as ansiedades das festas populares a quebrarem a modorra dos dias, os bailes e os namoros, as que casavam de branco para terem filhos e serem viúvas e as outras que nunca o seriam, as associações e coletividades, a economia local de subsistência e as promessas de indústrias, as crenças, as terapêuticas empíricas com o recurso a espécies botânicas apanhadas na paisagem circundante que a dispendiosa botica ignorava, as rezas e imprecações aos entes do panteão tradicional, a relação de cada um e de todos com os representantes dos poderes distantes, o estado, a igreja e o destino, materializados nos seus representantes municipais e locais, pastores então atentos aos tresmalhos do rebanho».

 

A ASCR-CQ esteve em…

 

No dia 05 de junho passado teve lugar a tomada de posse dos corpos sociais da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, de cujos corpos sociais passou a fazer parte o nosso confrade Dr. António Pinto Bernardo, vogal da direção da ASCR-CQ.

No dia 4 de julho presentes no concerto realizado no salão nobre do Solar Condes de Resende «Da renascença a Oitocentos: a Música na vida social e privada do século XIX», apresentado pelo Dr. João Fernandes e com a atuação do Ensemble de Guitarras do Conservatório Regional de Gaia.

No dia 5 de julho a ASCR-CQ colaborou com a Casa da Arquitetura, Matosinhos, na realização do seu programa anual Open House, tendo J. A. Gonçalves Guimarães guiado uma série de visitas ao Mosteiro da Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia, monumento que desde há anos vem a estudar, agora integrado numa equipa que está a escrever um livro a editar no final do ano pelo Exército Português.

Nesse mesmo dia e a convite da coligação Bloco de Esquerda+Livre+ Outros, o mesmo profissional da Cultura participou na Escola Secundária António Sérgio num debate sobre as eleições autárquicas e em especial a Cultura em Vila Nova de Gaia. Por força dos Estatutos ASCR-CQ, esta associação tem como objetivos, entre outros, «promover a investigação arqueológica, antropológica, histórica, patrimonial, artística, literária e científica, sobre quaisquer formas de expressão e outras ações que valorizem e divulguem o conhecimento» (Art.º 4.º c) e deve «manter boas relações com todas as instituições que tenham objetivos culturais semelhantes» (Idem, f), como deverá ser o caso das associações cívicas conhecidas como partidos políticos. Na sequência das últimas eleições para os seus corpos gerentes a associação contatou todos as organizações partidárias com assento na assembleia municipal de Vila Nova de Gaia para lhes apresentar o seu programa de atividades para os próximos quatro anos, bem assim como para debater com elas aspetos da Cultura a nível local, nomeadamente aqueles que tocam diretamente os seus objetivos estatutários, como é o caso do Solar Condes de Resende. Refira-se, a propósito, que apenas aceitaram a proposta e reuniram com a direção da ASCR-CQ, o Bloco de Esquerda, o PCP/CDU e o PSD, não tendo recebido qualquer contacto dos restantes partidos ou coligações. Naquele propósito e nas reuniões havidas foi reafirmada a nossa disponibilidade para, como associação cultural com estatuto de utilidade pública, continuar a debater aquelas questões sempre que tal seja julgado oportuno, como é o caso das próximas eleições autárquicas e da consequente renovação do executivo municipal. Por esse motivo o presidente da direção aceitou o convite da coligação Bloco+Livre+Independentes de Vila Nova de Gaia para estar presente naquela sua realização, assim como aceitará participar, nas mesmíssimas condições, em iniciativas semelhantes de todas as forças partidárias que o queiram, para debate de conceitos, equipamentos, agentes e programas que convinha serem repensados e renovados nos próximos anos a nível local, regional, nacional e internacional.

No dia 9, o presidente da direção da ASCR-CQ participou numa tertúlia no antigo Quartel General no Porto, intitulada «Quartel de Santo Ovídio, Passado e Presente», a qual foi organizada pelo coronel Homero Abrunhosa com o mesmo propósito da anteriormente realizada no Mosteiro da Serra do Pilar, a publicação de um livro sobre deste monumento pelo Exército Português. Nela participaram os autores indigitados para a sua concretização, tendo na ocasião J. A. Gonçalves Guimarães recordado que foi ali vizinho e proprietário da Quinta de Santo Ovídio, o comandante do Regimento de Infantaria 18 do Porto e herói da luta contra as Invasões Francesas, Manuel Pamplona Carneiro Rangel Barreto de Figueiroa, visconde de Beire, marechal de campo, governador de Armas do Porto, morgado da Quinta da Costa (em Canelas, hoje Solar Condes de Resende) e bisavô dos filhos de Eça de Queirós.

No dia 14 de julho, Dia Nacional da França, por convite do Dr. Manuel de Novaes Cabral, cônsul honorário de França no Porto e confrade queirosiano, muitos Franceses e Portugueses encontraram-se para celebrar o evento no Lycée Français Internationale de Porto, entre os quais diversos confrades em representação de várias entidades da cidade, da região e do país. A sessão abriu com a audição do hino da União Europeia, seguido do hino nacional Português, e por fim do hino nacional da França, a que se seguiram momentos de convívio nos jardins. A ASCR-CQ esteve representada pelo presidente da direção.

No sábado 19 decorreu no auditório da Associação Empresarial do Porto em Matosinhos um ciclo de conferências evocativo dos 50 anos do STSS - Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico e Terapêutica, onde esteve presente como convidado um dos seus fundadores em 1975, o atual presidente da direção da ASCR-CQ. Seguiu-se um almoço de confraternização numa quinta das imediações.

 

A ASCR-CQ vai estar em…

 

Amanhã dia 26 de julho, sábado, a partir das 14 horas no Mosteiro de Grijó, em Vila Nova de Gaia, J. A. Gonçalves Guimarães vai participar como historiador profissional do Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-CQ na V Conferência Pelos Caminhos de Santiago organizada pela Confraria de Santiago da Paróquia de São Salvador de Grijó, com uma comunicação intitulada «Pelos Caminhos de Santiago: uma abordagem histórica». Esta mesma comunicação será apresentada na “Palestra da última quinta-feira do mês” no próximo dia 31 de julho no Solar Condes de Resende, presencial e via Zoom.

Encontro FAMP

Nos dias 26 a 28 de setembro vai decorrer no Museu do Douro, na Régua e na região envolvente, o Encontro Nacional FAMP 2025, organizado com a colaboração da direção do museu e da Associação de Amigos do Museu do Douro. Destina-se à partilha de experiências entre a federação e os diversos grupos de amigos nela filiados, devendo ser fomentada a presença dos Jovens FAMP neste seu encontro anual que vai realçar a importância da comemoração do Dia Europeu dos Amigos dos Museus, a 12 de outubro.

____________________________________________________________Eça & Outras, III.ª série, n.º 203, sexta-feira, 25 de julho de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: António Pinto Bernardo.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

 

Eça & Outras, III.ª série, n.º 202, quarta-feira, 25 de junho de 2025

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

Dois exércitos de paz invadem-nos todos os dias

Deambulando pela Beira-rio de Gaia deparei-me com uma pacífica invasão de Portugueses e estrangeiros que ocupavam as ruas as esplanadas as vielas os hotéis os alojamentos locais os cantos e esquinas os monumentos os cais as embarcações no Rio Douro. Não pareciam uma força organizada, pois eram de todas as idades, desde jovens desembaraçados a idosos trôpegos, e mesmo crianças, tinham colorações de pele e aspetos visuais muito variados, exibindo trajos e adereços diversos, uns como se tivessem acabado de chegar da travessia do deserto de Atakama, outros como que do último desfile de moda da Côte d’ Azur, a maioria dos apertos de Bebe-e-dorme, das Ramblas de Barcelona ou do Comedepressaevai-tembora de qualquer aeroporto. Falavam diversíssimas línguas, mas geralmente trauteavam um travel english universalizante, alguns ensaiavam um “obligado” no final da breve abordagem e quase todos demandavam por portwines, ali disponibilizados em todos os antigos armazéns agora transformados em lojas de “souvenires”, onde se pode degustar um vinhote barato, comprar um boné da equipa de baseball dos garbagemen de Nova Iorque, um leque andaluz, peças de bugigangada europeia ou aficana, um lenço “à vianesa” made in China. Deambulando quase sempre entre nadas e coisas nenhumas, ou por entre monumentos entretanto submetidos a tratamentos de tecnicolor, estes exércitos quase sempre pacíficos, «trotam pelo gosto corporal de trotar… e no seu trote contínuo através dos continentes vão assobiando, porque não vão pensando. Na realidade são vagabundos» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas «Eduardo Prado»).

Muito menos benevolente, e conhecendo-os de Paris ou de Amesterdam, há quem os defina como umA Praga: «Eu sei que nada exterminará o turista: ele procria, associa-se, faz prosélitos… Os próprios governos aliciam-no para que viage mais e mais. Porque viajando deixa lucro (Os danos causados? Quem viver que cuide). A indústria e o comércio enfeitiçam-no com folhetos sobre paragens exóticas, onde o sol brilha em permanência e todos os dias são de festa. Onde o mar é sempre calmo, o bosque sempre verde, o amor e a amizade sempre à mão. E ele, crente, só sonha em partir… caminhando em massa para os museus de réplicas num mundo de pacotilha» (J. Rentes de Carvalho, Mazagran. Recordações & outras fantasias, Quetzal, 2012, pp. 223/224). Um pouco por todo o lado encontramos estes devotos da ilusão atentos ao rancho folclórico de empregados de escritório travestidos de camponeses de postal ilustrado a cantarem e a saracotearem o «Apit’ó comboio», a visitarem os ossos de um santo que nunca existiu, à procura de desconhecidos celtas e a divertirem-se com uma versão soft da Lenda do Rei Ramiro. Por fim, um pouco cansados, sentam-se no Jardim do Morro a admirar gratuitamente o pôr-do-sol que se avermelha nos longes do mar por sobre o arco da Ponte da Arrábida, talvez nostalgias endócrinas de antigas partidas e chegadas pela barra do Douro.

Por causa deste exército invasor se tem macaqueado muita coisa, se inventa, se disponibilizam banalidades, romeus e julietas em Itália, pedros e inêses em Portugal, glórias pintadas em azulejos ou estampadas ao arrepio de toda a História, Arqueologia, Antropologia e Património, que as literatices dos turismos têm verbas para manter criadores de conteúdos digitais, guias nepaleses de tuque-tuque e outros que tais, além de artistas de inexistentes referências, de homenagens ao efémero, esculturas de esferovite. Mas também sei que, geralmente, e tirando os grunhos das claques futeboleiras, este exército é pacífico e para trás apenas deixa lixo, latas de refrigerantes vazias e de sensações momentâneas que não iriam perdurar se, amanhã, não viesse nova vaga deles. Mas por eles não haverá nem bombas, nem genocídios, pois será tudo low coast, que a guerra verdadeira custa milhões e exige arreganhos de estado.

Mas também no nosso tempo, e paralelamente a este exército dos turistas, encontrei há dias um outro exército numa rua da cidade do Porto, alinhado numa extensa fila que ia desembocar numa repartição pública, formado por muitos homens e mulheres com papéis na mão ou em precárias pastas, também com aspetos humanos diferentes nos trajos nas poses. Alguns deles envergavam umas vestes ou uma cobertura de cabeça mais inusitada nestas bandas. Muitos com um ar exausto e ansioso em relação ao lentíssimo despacho da fila. De vez em quando um saía sorridente da repartição estatal exibindo uns carimbos na papelada, como se tivera já vencido uma dura batalha de uma guerra sem fim à vista. São migrantes, gente pacífica que deixou a sua terra de origem, às vezes no outro lado do mundo, para vir até aqui trabalhar, ganhar uns dinheiros que lá longe eram mais avaros, ou simplesmente não estavam disponíveis. Outros fugindo de guerras, de mortandades, de desastres ecológicos, de conflitos locais e regionais irresolúveis ou sem fim à vista nas previsões engravatadas das Nações Unidas. Contrapondo a tudo isto, já no século XIX se sabia que «as emigrações, quando são bem compostas, criam na sua pátria fortes apoios morais e são a melhor garantia da harmonia internacional… Ela [a emigração] estabelece a fusão das raças, cria novos tipos de humanidade e novas originalidades de temperamento. Ela dá ao homem civilizado uma posse mais completa do globo… É uma criadora de ciência e, pelos seus movimentos grandiosos e fecundos, uma força civilizadora na humanidade. (Eça de Queirós, A Emigração como Força Civilizadora, 3.ª edição, Lisboa: Edições D. Quixote, 2001, p. 124, 125 e 126).

Dir-me-ão que nem tudo são rosas ou cravos em torno destes dois pacíficos exércitos que ora nos invadem. E para tal aquilatarmos basta lembrarmo-nos que nós, Portugueses, também no passado e com batalhões algo semelhantes, ainda que às vezes armados em guerra, invadimos outros povos e territórios um pouco por todo o mundo sem pedir licença ou propor acordo prévio. Também conhecemos os desastrosos resultados de quando estes exércitos, o dos turistas e o dos emigrantes, não chegam previamente anunciados e portadores de um sorriso da esperança estampado no rosto. E também sabemos dos bandos de hienas e de chacais que quantas vezes os acompanham para deles obterem o mais rentável das inércias locais ou da confusão que o excesso da sua presença origina. E conhecemos os argumentos dos profetas da desgraça que querem a todo o custo fazer-nos crer nas excelências do seu ridículo e exclusivo quintal que nem dá couves que cheguem para a sopa costumeira.

Mas sobre estes dois pacíficos exércitos invasores das nossas cidades não é esta última a nossa esperança, ou a da Humanidade. Herdámos estas cidades de outros esperançados migrantes do passado, que também aqui chegaram vindos de longes terras, e deve ser em nosso nome e no nome deles que hoje estamos aqui a receber os participantes nestes dois pacíficos movimentos que chegam quotidianamente até nós, o dos turistas e o dos migrantes, sobre os quais, parafraseando Eça de Queirós no final da obra acima citada, direi que são a afirmação, e mesmo a apologia, de forças civilizadoras.

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

                                         José Rentes de Carvalho, maio de 2025; fotografia de António Manuel S. P. Silva


J. Rentes de Carvalho gaiense honorário

No passado dia 20 de junho na sessão comemorativa do Dia do Município de Vila Nova de Gaia que teve lugar no recentemente inaugurado Pavilhão Multiusos Nelson Mandela, a Câmara Municipal atribuiu a Medalha de Honra que confere o título de Cidadão Honorário por ter «prestado serviços de excecional relevância contribuindo desse modo para o bem social geral, para o bom nome e prestígio do Município e para a sua projeção nacional e internacional» ao Prof. Dr. José Rentes de Carvalho, aqui nascido a 15 de maio de 1930, escritor; antigo professor da Universidades de Amsterdam; comendador da Ordem do Infante D. Henrique; medalha de Mérito Municipal de Vila Nova de Gaia – classe ouro (2001); confrade honorário da associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana, EUP; Personalidade do Ano 2023 pela CCDR-Norte, I. P., entre outras distinções. Na impossibilidade de estar presente o agraciado delegou no presidente da direção da ASCR-CQ, J. A. Gonçalves Guimarães, que recebesse a distinção das mãos do presidente da Câmara, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues na referida cerimónia. Seguiu-se o concerto Os Sons e as Vozes de Gaia em que atuaram conjuntamente as quatro filarmónicas de Gaia, com diversos maestros e vários solistas que no final interpretaram a versão integral do Hino Nacional de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça.

A ASCR-CQ esteve em…

No dia 31 de maio no Pavilhão Multiusos Nelson Mandela na gala “Melhor Escola”, promovida pelo jornal O Gaiense e destinada a premiar os jornais apresentados a concurso pelos professores e alunos das escolas secundárias, públicas, privadas e confessionais, de Vila Nova de Gaia. Para além de vários dirigentes e confrades em representação de várias escolas e outras instituições, estiveram presentes o presidente da direção e a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira de Gabinete de História, Arqueologia e Património. A associação colaborou com professores e alunos de várias das escolas concorrentes na concretização de conteúdos.

No dia 7 de junho estivemos presentes em Matosinhos no capítulo da Confraria Gastronómica do Mar representados pela Prof. Doutora Ana Paula Ferreira Brito.

No dia 8 de junho, e também como habitualmente por gentileza do Cônsul Honorário de Itália no Porto, Dr. Paolo Pozzan, e do presidente honorário da associação Dante Alighieri, General Ângelo Arena, o presidente da direção J. A. Gonçalves Guimarães; o Prof. Doutor José Manuel Tedim, professor de História da Arte, e senhora, e o Dr. António Pinto Bernardo, dos corpos sociais da ASCR-CQ; o Dr. Manuel de Novaes Cabral, diretor do Museu Nacional Ferroviário; a Doutora Maria da Glória Gonçalves, também confrade; a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira do Gabinete de História, Arqueologia e Património; e outros associados e confrades em representação de diversas entidades, estiveram presentes nas comemorações do Dia de Itália que teve lugar na Pousada do Freixo no Porto, obra do grande arquiteto italiano Nicolau Nasoni.

No dia 20 de junho, nas celebrações do dia do Município de Gaia que decorreram no Pavilhão Multiusos Nelson Mandela (ver acima homenagem a J. Rentes de Carvalho), para além da presença de J. A. Gonçalves Guimarães e de Maria de Fátima Teixeira como curadores do espólio daquele escritor oferecido à confraria e a seu pedido para receberem a medalha outorgada pela autarquia, estiveram presentes vários confrades por inerência dos cargos autárquicos que desempenham na Câmara Municipal e em algumas Juntas de Freguesia.

Curso no Solar

Encontra-se em fase de certificação o próximo curso promovido pela Academia Eça de Queirós no Solar Condes de Resende sobre os «200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-2025)» que terá o seguinte calendário, programa e professores: 1 – 4 de outubro - Teoria da Literatura: o que é? Para que serve? por Sérgio Sousa, Centro de Estudos Camilianos;  2 – 11 de outubro - Camilo Castelo Branco e Vila Nova de Gaia, por J. A. Gonçalves Guimarães, ASCR – Confraria Queirosiana; 3 – 25 de outubro - A Gastronomia em Camilo, por Elzira Queiroga, Centro de Estudos Camilianos; 4 – 8 de novembro – Reler Camilo hoje, por Sérgio Sousa, Centro de Estudos Camilianos; 5 – 29 de novembro - Retratos de Gaia pela objetiva literária, por Cármen Matos Abreu; 6 – 13 de dezembro - Camilo e Eça de Queirós, por Irene Fialho; 7 – 10 de janeiro - Abade Santana de Mafamude, personagem camiliano, por João Fernandes, Solar Condes de Resende; 8 – 24 de janeiro - Camilo e a Arte por José Manuel Tedim, ASCR – Confraria Queirosiana; 9 – 7 de fevereiro – Camilo e o Teatro, por Júlio Gago, ex-administrador do TEP; 10 – 21 de fevereiro - Camilo e o Cinema, por Mário Augusto, jornalista da RTP; 11 – 8 de março - Teixeira de Vasconcelos, escritor “camiliano”, por Maria de Fátima Teixeira, ASCR – Confraria Queirosiana; 12 – 29 de março - Domingos Carvalho da Silva, um poeta brasileiro, por António Conde; 13 – 4 de abril - J. Rentes de Carvalho e a ficção atual, por Arie Pos; 14 – 12 de abril – visita de estudo à Casa Museu de São Miguel de Seide e sarau camiliano com a atuação do grupo musical Eça Bem Dito.

As aulas, presenciais e por videoconferência, decorrem no Solar Condes de Resende, ao sábado à tarde, normalmente de quinze em quinze dias, entre as 15 e as 17 horas, entre outubro e abril do ano seguinte. A visita de estudo terá condições específicas.

Coordenados desde 1991 por J. A. Gonçalves Guimarães, este curso tem o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia através do Solar Condes de Resende, com a certificação de Gaia Nascente - Centro de Formação de Associação de Escolas e o apoio do programa “Camilo a Norte 200” da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N)

Outras conferências

No passado dia 4 de junho, no Auditório Adriano Moreira da Sociedade de Geografia de Lisboa, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo realizou uma conferência sobre «Vasos de vísceras egípcios em Portugal».

Amante Holandesa agora em filme

No passado dia 28 de maio o escritor José Rentes de Carvalho em Estevais do Mogadouro assinou um contrato com o diretor da empresa de filmes e séries para televisão Hoptelevisao, sediada em Vila Nova  de Gaia, para a produção de A Amante Holandesa, um dos seus mais conhecidos romances editado pela primeira vez na Holanda no ano 2000.

 

Livros & Periódicos

 

Escrito durante a pandemia do Covid por J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães, este estudo passou logo a estar disponível em print, com o título «A universalidade da Coleção Marciano Azuaga», tendo assim sido citado por diversos autores. Foi depois revisto e adaptado para figurar como o capítulo final da obra Património Cultural de Gaia. Gaia, Século XX, organizada por J. A. Gonçalves Guimarães e José Alberto Rio Fernandes onde recebeu o título «O Museu Azuaga na génese dos museus gaienses», sendo agora publicado em separata pela Confraria Queirosiana. Com cerca de sessenta páginas e uma exaustiva bibliografia este estudo aborda em pormenor todos os núcleos de objetos vindos um pouco de todo o mundo colecionados por um antigo chefe da estação ferroviária das Devesas que em 1904 legou à autarquia que manteve o Museu Azuaga aberto até 1930 quando o mesmo deixou de estar patente ao público. Só a partir dos finais dos anos oitenta no Solar Condes de Resende algumas das suas peças ou núcleos começaram então a ser estudadas e voltaram a ser exibidas e publicados os respetivos catálogos.

 


No final de maio passado foi lançado no stand de Portugal na Bookfest 2025 em Bucareste esta Antologia de poemas galaico-portugueses dos séculos XII a XIV, organizada pela Prof. Doutora Cristina Petrescu, que teve a seu lado o tradutor Dan Caragea e outros colaboradores na obra e editada pela Eikon.

Neste lançamento, esta professora da Universidade Babes Bolyai de Cluj-Napoca, nossa confrade honorária e também cantora lírica, interpretou duas das canções medievais traduzidas, acompanhada ao violão por seu irmão Bogdan Moraru. Entretanto a obra teve ainda outros lançamentos, como aquele que teve lugar no dia 13 de junho no Museu de Arte Cluj, também com a presença do tradutor Dan Caragea e do professor José Bettencourt Gonçalves. Também aí voltaram a ser interpretados alguns poemas acompanhados ao violão por Doru Cailean.

 

Distinções

A 29 de maio passado e por despacho da Ministra da Cultura, professora Doutora Dalila Rodrigues, o projeto Edição da Revista de Portugal – Anos 2025/2028, uma iniciativa da responsabilidade dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, foi declarado de interesse cultural para efeitos de Mecenato Cultural.

A 31 de maio em Almada, na sessão comemorativa do Dia Nacional do Movimento Associativo e do encerramento do Centenário da CPCCRD - Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura Recreio e Desporto, a cuja mesa do congresso preside o nosso confrade Dr. Manuel Moreira, foi outorgado ao nosso confrade César Fernando Couto Oliveira o “Galardão de Reconhecimento e Mérito”, materializado nos respetivos diplomas e medalha atribuídos por aquela instituição em reconhecimento do seu trabalho em prol do movimento associativo, quer na nossa associação, de que foi presidente da assembleia geral, quer na FCVNG - Federação das Coletividades de Vila Nova de Gaia onde vem desempenhando o mesmo cargo.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 202, quarta-feira, 25 de junho de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: António Manuel S. P. Silva; César Oliveira: