quarta-feira, 25 de junho de 2025

 

Eça & Outras, III.ª série, n.º 202, quarta-feira, 25 de junho de 2025

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

Dois exércitos de paz invadem-nos todos os dias

Deambulando pela Beira-rio de Gaia deparei-me com uma pacífica invasão de Portugueses e estrangeiros que ocupavam as ruas as esplanadas as vielas os hotéis os alojamentos locais os cantos e esquinas os monumentos os cais as embarcações no Rio Douro. Não pareciam uma força organizada, pois eram de todas as idades, desde jovens desembaraçados a idosos trôpegos, e mesmo crianças, tinham colorações de pele e aspetos visuais muito variados, exibindo trajos e adereços diversos, uns como se tivessem acabado de chegar da travessia do deserto de Atakama, outros como que do último desfile de moda da Côte d’ Azur, a maioria dos apertos de Bebe-e-dorme, das Ramblas de Barcelona ou do Comedepressaevai-tembora de qualquer aeroporto. Falavam diversíssimas línguas, mas geralmente trauteavam um travel english universalizante, alguns ensaiavam um “obligado” no final da breve abordagem e quase todos demandavam por portwines, ali disponibilizados em todos os antigos armazéns agora transformados em lojas de “souvenires”, onde se pode degustar um vinhote barato, comprar um boné da equipa de baseball dos garbagemen de Nova Iorque, um leque andaluz, peças de bugigangada europeia ou aficana, um lenço “à vianesa” made in China. Deambulando quase sempre entre nadas e coisas nenhumas, ou por entre monumentos entretanto submetidos a tratamentos de tecnicolor, estes exércitos quase sempre pacíficos, «trotam pelo gosto corporal de trotar… e no seu trote contínuo através dos continentes vão assobiando, porque não vão pensando. Na realidade são vagabundos» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas «Eduardo Prado»).

Muito menos benevolente, e conhecendo-os de Paris ou de Amesterdam, há quem os defina como umA Praga: «Eu sei que nada exterminará o turista: ele procria, associa-se, faz prosélitos… Os próprios governos aliciam-no para que viage mais e mais. Porque viajando deixa lucro (Os danos causados? Quem viver que cuide). A indústria e o comércio enfeitiçam-no com folhetos sobre paragens exóticas, onde o sol brilha em permanência e todos os dias são de festa. Onde o mar é sempre calmo, o bosque sempre verde, o amor e a amizade sempre à mão. E ele, crente, só sonha em partir… caminhando em massa para os museus de réplicas num mundo de pacotilha» (J. Rentes de Carvalho, Mazagran. Recordações & outras fantasias, Quetzal, 2012, pp. 223/224). Um pouco por todo o lado encontramos estes devotos da ilusão atentos ao rancho folclórico de empregados de escritório travestidos de camponeses de postal ilustrado a cantarem e a saracotearem o «Apit’ó comboio», a visitarem os ossos de um santo que nunca existiu, à procura de desconhecidos celtas e a divertirem-se com uma versão soft da Lenda do Rei Ramiro. Por fim, um pouco cansados, sentam-se no Jardim do Morro a admirar gratuitamente o pôr-do-sol que se avermelha nos longes do mar por sobre o arco da Ponte da Arrábida, talvez nostalgias endócrinas de antigas partidas e chegadas pela barra do Douro.

Por causa deste exército invasor se tem macaqueado muita coisa, se inventa, se disponibilizam banalidades, romeus e julietas em Itália, pedros e inêses em Portugal, glórias pintadas em azulejos ou estampadas ao arrepio de toda a História, Arqueologia, Antropologia e Património, que as literatices dos turismos têm verbas para manter criadores de conteúdos digitais, guias nepaleses de tuque-tuque e outros que tais, além de artistas de inexistentes referências, de homenagens ao efémero, esculturas de esferovite. Mas também sei que, geralmente, e tirando os grunhos das claques futeboleiras, este exército é pacífico e para trás apenas deixa lixo, latas de refrigerantes vazias e de sensações momentâneas que não iriam perdurar se, amanhã, não viesse nova vaga deles. Mas por eles não haverá nem bombas, nem genocídios, pois será tudo low coast, que a guerra verdadeira custa milhões e exige arreganhos de estado.

Mas também no nosso tempo, e paralelamente a este exército dos turistas, encontrei há dias um outro exército numa rua da cidade do Porto, alinhado numa extensa fila que ia desembocar numa repartição pública, formado por muitos homens e mulheres com papéis na mão ou em precárias pastas, também com aspetos humanos diferentes nos trajos nas poses. Alguns deles envergavam umas vestes ou uma cobertura de cabeça mais inusitada nestas bandas. Muitos com um ar exausto e ansioso em relação ao lentíssimo despacho da fila. De vez em quando um saía sorridente da repartição estatal exibindo uns carimbos na papelada, como se tivera já vencido uma dura batalha de uma guerra sem fim à vista. São migrantes, gente pacífica que deixou a sua terra de origem, às vezes no outro lado do mundo, para vir até aqui trabalhar, ganhar uns dinheiros que lá longe eram mais avaros, ou simplesmente não estavam disponíveis. Outros fugindo de guerras, de mortandades, de desastres ecológicos, de conflitos locais e regionais irresolúveis ou sem fim à vista nas previsões engravatadas das Nações Unidas. Contrapondo a tudo isto, já no século XIX se sabia que «as emigrações, quando são bem compostas, criam na sua pátria fortes apoios morais e são a melhor garantia da harmonia internacional… Ela [a emigração] estabelece a fusão das raças, cria novos tipos de humanidade e novas originalidades de temperamento. Ela dá ao homem civilizado uma posse mais completa do globo… É uma criadora de ciência e, pelos seus movimentos grandiosos e fecundos, uma força civilizadora na humanidade. (Eça de Queirós, A Emigração como Força Civilizadora, 3.ª edição, Lisboa: Edições D. Quixote, 2001, p. 124, 125 e 126).

Dir-me-ão que nem tudo são rosas ou cravos em torno destes dois pacíficos exércitos que ora nos invadem. E para tal aquilatarmos basta lembrarmo-nos que nós, Portugueses, também no passado e com batalhões algo semelhantes, ainda que às vezes armados em guerra, invadimos outros povos e territórios um pouco por todo o mundo sem pedir licença ou propor acordo prévio. Também conhecemos os desastrosos resultados de quando estes exércitos, o dos turistas e o dos emigrantes, não chegam previamente anunciados e portadores de um sorriso da esperança estampado no rosto. E também sabemos dos bandos de hienas e de chacais que quantas vezes os acompanham para deles obterem o mais rentável das inércias locais ou da confusão que o excesso da sua presença origina. E conhecemos os argumentos dos profetas da desgraça que querem a todo o custo fazer-nos crer nas excelências do seu ridículo e exclusivo quintal que nem dá couves que cheguem para a sopa costumeira.

Mas sobre estes dois pacíficos exércitos invasores das nossas cidades não é esta última a nossa esperança, ou a da Humanidade. Herdámos estas cidades de outros esperançados migrantes do passado, que também aqui chegaram vindos de longes terras, e deve ser em nosso nome e no nome deles que hoje estamos aqui a receber os participantes nestes dois pacíficos movimentos que chegam quotidianamente até nós, o dos turistas e o dos migrantes, sobre os quais, parafraseando Eça de Queirós no final da obra acima citada, direi que são a afirmação, e mesmo a apologia, de forças civilizadoras.

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

                                         José Rentes de Carvalho, maio de 2025; fotografia de António Manuel S. P. Silva


J. Rentes de Carvalho gaiense honorário

No passado dia 20 de junho na sessão comemorativa do Dia do Município de Vila Nova de Gaia que teve lugar no recentemente inaugurado Pavilhão Multiusos Nelson Mandela, a Câmara Municipal atribuiu a Medalha de Honra que confere o título de Cidadão Honorário por ter «prestado serviços de excecional relevância contribuindo desse modo para o bem social geral, para o bom nome e prestígio do Município e para a sua projeção nacional e internacional» ao Prof. Dr. José Rentes de Carvalho, aqui nascido a 15 de maio de 1930, escritor; antigo professor da Universidades de Amsterdam; comendador da Ordem do Infante D. Henrique; medalha de Mérito Municipal de Vila Nova de Gaia – classe ouro (2001); confrade honorário da associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana, EUP; Personalidade do Ano 2023 pela CCDR-Norte, I. P., entre outras distinções. Na impossibilidade de estar presente o agraciado delegou no presidente da direção da ASCR-CQ, J. A. Gonçalves Guimarães, que recebesse a distinção das mãos do presidente da Câmara, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues na referida cerimónia. Seguiu-se o concerto Os Sons e as Vozes de Gaia em que atuaram conjuntamente as quatro filarmónicas de Gaia, com diversos maestros e vários solistas que no final interpretaram a versão integral do Hino Nacional de Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça.

A ASCR-CQ esteve em…

No dia 31 de maio no Pavilhão Multiusos Nelson Mandela na gala “Melhor Escola”, promovida pelo jornal O Gaiense e destinada a premiar os jornais apresentados a concurso pelos professores e alunos das escolas secundárias, públicas, privadas e confessionais, de Vila Nova de Gaia. Para além de vários dirigentes e confrades em representação de várias escolas e outras instituições, estiveram presentes o presidente da direção e a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira de Gabinete de História, Arqueologia e Património. A associação colaborou com professores e alunos de várias das escolas concorrentes na concretização de conteúdos.

No dia 7 de junho estivemos presentes em Matosinhos no capítulo da Confraria Gastronómica do Mar representados pela Prof. Doutora Ana Paula Ferreira Brito.

No dia 8 de junho, e também como habitualmente por gentileza do Cônsul Honorário de Itália no Porto, Dr. Paolo Pozzan, e do presidente honorário da associação Dante Alighieri, General Ângelo Arena, o presidente da direção J. A. Gonçalves Guimarães; o Prof. Doutor José Manuel Tedim, professor de História da Arte, e senhora, e o Dr. António Pinto Bernardo, dos corpos sociais da ASCR-CQ; o Dr. Manuel de Novaes Cabral, diretor do Museu Nacional Ferroviário; a Doutora Maria da Glória Gonçalves, também confrade; a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira do Gabinete de História, Arqueologia e Património; e outros associados e confrades em representação de diversas entidades, estiveram presentes nas comemorações do Dia de Itália que teve lugar na Pousada do Freixo no Porto, obra do grande arquiteto italiano Nicolau Nasoni.

No dia 20 de junho, nas celebrações do dia do Município de Gaia que decorreram no Pavilhão Multiusos Nelson Mandela (ver acima homenagem a J. Rentes de Carvalho), para além da presença de J. A. Gonçalves Guimarães e de Maria de Fátima Teixeira como curadores do espólio daquele escritor oferecido à confraria e a seu pedido para receberem a medalha outorgada pela autarquia, estiveram presentes vários confrades por inerência dos cargos autárquicos que desempenham na Câmara Municipal e em algumas Juntas de Freguesia.

Curso no Solar

Encontra-se em fase de certificação o próximo curso promovido pela Academia Eça de Queirós no Solar Condes de Resende sobre os «200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-2025)» que terá o seguinte calendário, programa e professores: 1 – 4 de outubro - Teoria da Literatura: o que é? Para que serve? por Sérgio Sousa, Centro de Estudos Camilianos;  2 – 11 de outubro - Camilo Castelo Branco e Vila Nova de Gaia, por J. A. Gonçalves Guimarães, ASCR – Confraria Queirosiana; 3 – 25 de outubro - A Gastronomia em Camilo, por Elzira Queiroga, Centro de Estudos Camilianos; 4 – 8 de novembro – Reler Camilo hoje, por Sérgio Sousa, Centro de Estudos Camilianos; 5 – 29 de novembro - Retratos de Gaia pela objetiva literária, por Cármen Matos Abreu; 6 – 13 de dezembro - Camilo e Eça de Queirós, por Irene Fialho; 7 – 10 de janeiro - Abade Santana de Mafamude, personagem camiliano, por João Fernandes, Solar Condes de Resende; 8 – 24 de janeiro - Camilo e a Arte por José Manuel Tedim, ASCR – Confraria Queirosiana; 9 – 7 de fevereiro – Camilo e o Teatro, por Júlio Gago, ex-administrador do TEP; 10 – 21 de fevereiro - Camilo e o Cinema, por Mário Augusto, jornalista da RTP; 11 – 8 de março - Teixeira de Vasconcelos, escritor “camiliano”, por Maria de Fátima Teixeira, ASCR – Confraria Queirosiana; 12 – 29 de março - Domingos Carvalho da Silva, um poeta brasileiro, por António Conde; 13 – 4 de abril - J. Rentes de Carvalho e a ficção atual, por Arie Pos; 14 – 12 de abril – visita de estudo à Casa Museu de São Miguel de Seide e sarau camiliano com a atuação do grupo musical Eça Bem Dito.

As aulas, presenciais e por videoconferência, decorrem no Solar Condes de Resende, ao sábado à tarde, normalmente de quinze em quinze dias, entre as 15 e as 17 horas, entre outubro e abril do ano seguinte. A visita de estudo terá condições específicas.

Coordenados desde 1991 por J. A. Gonçalves Guimarães, este curso tem o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia através do Solar Condes de Resende, com a certificação de Gaia Nascente - Centro de Formação de Associação de Escolas e o apoio do programa “Camilo a Norte 200” da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N)

Outras conferências

No passado dia 4 de junho, no Auditório Adriano Moreira da Sociedade de Geografia de Lisboa, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo realizou uma conferência sobre «Vasos de vísceras egípcios em Portugal».

Amante Holandesa agora em filme

No passado dia 28 de maio o escritor José Rentes de Carvalho em Estevais do Mogadouro assinou um contrato com o diretor da empresa de filmes e séries para televisão Hoptelevisao, sediada em Vila Nova  de Gaia, para a produção de A Amante Holandesa, um dos seus mais conhecidos romances editado pela primeira vez na Holanda no ano 2000.

 

Livros & Periódicos

 

Escrito durante a pandemia do Covid por J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães, este estudo passou logo a estar disponível em print, com o título «A universalidade da Coleção Marciano Azuaga», tendo assim sido citado por diversos autores. Foi depois revisto e adaptado para figurar como o capítulo final da obra Património Cultural de Gaia. Gaia, Século XX, organizada por J. A. Gonçalves Guimarães e José Alberto Rio Fernandes onde recebeu o título «O Museu Azuaga na génese dos museus gaienses», sendo agora publicado em separata pela Confraria Queirosiana. Com cerca de sessenta páginas e uma exaustiva bibliografia este estudo aborda em pormenor todos os núcleos de objetos vindos um pouco de todo o mundo colecionados por um antigo chefe da estação ferroviária das Devesas que em 1904 legou à autarquia que manteve o Museu Azuaga aberto até 1930 quando o mesmo deixou de estar patente ao público. Só a partir dos finais dos anos oitenta no Solar Condes de Resende algumas das suas peças ou núcleos começaram então a ser estudadas e voltaram a ser exibidas e publicados os respetivos catálogos.

 


No final de maio passado foi lançado no stand de Portugal na Bookfest 2025 em Bucareste esta Antologia de poemas galaico-portugueses dos séculos XII a XIV, organizada pela Prof. Doutora Cristina Petrescu, que teve a seu lado o tradutor Dan Caragea e outros colaboradores na obra e editada pela Eikon.

Neste lançamento, esta professora da Universidade Babes Bolyai de Cluj-Napoca, nossa confrade honorária e também cantora lírica, interpretou duas das canções medievais traduzidas, acompanhada ao violão por seu irmão Bogdan Moraru. Entretanto a obra teve ainda outros lançamentos, como aquele que teve lugar no dia 13 de junho no Museu de Arte Cluj, também com a presença do tradutor Dan Caragea e do professor José Bettencourt Gonçalves. Também aí voltaram a ser interpretados alguns poemas acompanhados ao violão por Doru Cailean.

 

Distinções

A 29 de maio passado e por despacho da Ministra da Cultura, professora Doutora Dalila Rodrigues, o projeto Edição da Revista de Portugal – Anos 2025/2028, uma iniciativa da responsabilidade dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, foi declarado de interesse cultural para efeitos de Mecenato Cultural.

A 31 de maio em Almada, na sessão comemorativa do Dia Nacional do Movimento Associativo e do encerramento do Centenário da CPCCRD - Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura Recreio e Desporto, a cuja mesa do congresso preside o nosso confrade Dr. Manuel Moreira, foi outorgado ao nosso confrade César Fernando Couto Oliveira o “Galardão de Reconhecimento e Mérito”, materializado nos respetivos diplomas e medalha atribuídos por aquela instituição em reconhecimento do seu trabalho em prol do movimento associativo, quer na nossa associação, de que foi presidente da assembleia geral, quer na FCVNG - Federação das Coletividades de Vila Nova de Gaia onde vem desempenhando o mesmo cargo.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 202, quarta-feira, 25 de junho de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: António Manuel S. P. Silva; César Oliveira:

 

segunda-feira, 26 de maio de 2025

 

Eça & Outras, III.ª série, n.º 201, domingo, 25 de maio de 2025

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

O que tenho andado para aí a escrever sobre José Rentes de Carvalho

No passado dia 15 de maio o escritor José Rentes de Carvalho completou 95 anos de vida lúcidos, atentos e irónicos na sua casa de Estevais de Mogadouro, onde voltou recentemente vindo de Amsterdam na companhia da sua esposa Loeckie. Sem querer perturbar o seu habitual recato e relações familiares, um grupo de amigos e admiradores foi de Vila Nova de Gaia a Trás-os-Montes saudá-lo e com ele conviver um pouco nas vésperas desta data jubilosa: o autor destas linhas; Maria de Fátima Teixeira, curadora do seu espólio; António Manuel Silva, arqueólogo e membro dos corpos sociais dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana; Paula Carvalhal, vereadora da Cultura da Câmara de Gaia; a que se juntaram os votos de felicitações de outros amigos, como Eva Batista, que mandou o jornal «Melhor Escola» com a entrevista que os seus alunos fizeram ao escritor publicada no passado dia 25 de abril nas páginas de O Gaiense; Nelson Campos de Moncorvo que, na impossibilidade de também estar presente, mandou vinhos e abraços. Por estes caminhos, e ainda com os amigos Carlos de Abreu, poeta e historiador da Revista Memória Rural e das relações transfronteiriças; seu colaborador Carlos Seixas, advogado de Felgar; Ana Proença  Filipe, vereadora da Cultura da Câmara de Vila Nova de Foz Côa, também minha ex-aluna de Património na Universidade Portucalense Infante D. Henrique. Com todos eles fomo-nos inteirando do desenvolvimento cultural e social da região e falando da nossa associação e do seu projeto para a concretização do roteiro cultural rentesiano entre Vila Nova de Gaia, Porto, linha do Douro, Pocinho (Vila Nova de Foz Côa), Moncorvo, Estevais e Mogadouro, obviamente sem esquecer Amsterdam e a sua universidade, e o mundo que o escritor liofilizou nas páginas dos seus muitos livros, libertando a sua literatura da água lustral dos localismos e dos contextos temporários, musculando-a com eternidades.

Visitando o escritor em Estevais do Mogadouro desde 2005, fomos dando conta que a aldeia se vai renovando e espairecendo, com casa renovadas e o empreendimento da Casa Grande de Estevais transformada em unidade hoteleira pelo Dr. Jorge Noronha que perpetua a memória do seu antigo proprietário, o Dr. Armando Pimentel, amigo que foi de José Rentes de Carvalho recordado em textos, na lavra do azeite e de outros mimos locais destes montes virgilianos e na fachada da Biblioteca que ali ostenta o seu nome.

Mas para além das prendas de cortesia que lhe trouxemos, que retribuiu com novas peças para acrescentar ao seu espólio, algumas muito pessoais, como o livro Montyn, de Dirk Ayelt Kooiman, oferecido a sua mulher Loeckie num almoço no Palácio Real Huis Tem Bosch em Haia pelo príncipe consorte Claus, com dedicatória autografada num cartão pessoal datada de 13 de novembro de 1995, entendi que estes noventa e cinco anos mereciam da minha parte uma prenda mais ampla que pudesse partilhar com todos os outros amigos e os atuais e futuros leitores do escritor e usufruidores do seu legado cultural. E para tal concretizar decidi reunir num livro a totalidade de todos os textos que sobre ele publiquei desde que o conheci pessoalmente em 2005, apresentados pela ordem cronológica com que foram divulgados, o que dá origem a inevitáveis repetições de alguns pormenores, desde simples notícias sobre novas edições das suas obras em Portugal e na Holanda até às ligações biográficas a Vila Nova de Gaia refletidas na sua obra, uma abordagem á história e ao urbanismo do lugar do Monte dos Judeus onde nasceu, a escola primária do Estado Novo que frequentou, até peripécias do seu retorno a Vila Nova de Gaia nos últimos anos e a homenagem que a autarquia lhe fez, bem assim como a sua insigniação na Confraria Queirosiana e um capítulo extraordinário que lhe foi dedicado e a doação de todo o seu espólio pessoal que se encontra depositado e a ser inventariado no Solar Condes de Resende. Em duas entrevistas procurei chegar à génese da sua prosa e ao seu significado na Literatura Portuguesa e europeia, e tentar perceber o enorme sucesso dos seus livros entre os leitores portugueses e holandeses e do início da sua difusão noutros países. Não sendo a análise literária a minha profissão, como historiador de História Contemporânea procuro enquadrar as suas tremendas incursões no Portugal de hoje num tempo já longo que a sua longevidade lhe permite e nos apraz.

Inicialmente publicados em eca-e-outras.blospot.com, a news letter mensal da Confraria Queirosiana, alguns destes textos foram também publicados no jornal O Primeiro de Janeiro, no As Artes Entre As Letras (de portas sempre escancaradas para o escritor pela sua diretora Nassalete Miranda), na Revista de Portugal e em mais algumas publicações periódicas, tendo outros permanecido praticamente inéditos porque apenas divulgados em âmbitos muito específicos ou como e-mails.

Aqui os reuni como homenagem ao maior escritor português vivo, a que acrescentei o programa do curso livre «“Portugal, a Flor e a Foice” (J. Rentes de Carvalho), comemorativo dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril», o 32.º curso organizado pelo autor desta compilação no Solar Condes de Resende desde 1991, por motivos óbvios de que convém ficar registo. Estará disponível na Feira do Livro do Porto deste ano.

Por último recordemos aqui a afetiva e intelectual ligação de J. Rentes de Carvalho, desde juvenil idade, à prosa, ao saber, à ironia e à figura de Eça de Queirós, o que o levou a promover a edição das suas principais obras em Neerlandês pela Uitgeverij De Arbeiderspers, Amsterdam/ Antwerpen – A Relíquia, 1989; O Crime do Padre Amaro, 1990; A Cidade e as Serras, 1992; O Primo Basílio, 1994; Os Maias, 2001 – acompanhados de estudos complementares, que fizeram com que este escritor oitocentista passasse a ser tão conhecido nos Países Baixos como Fernando Pessoa ou Saramago. Como o escritor poveiro, também Rentes de Carvalho poderia hoje escrever: «Na minha terra, onde nem vivo, eu sou apenas um cansado e velho fazedor de livros que passa… a presença angustiosa das misérias humanas, tanto velho sem lar, tanta criancinha sem pão, e a incapacidade ou indiferença de monarquias ou repúblicas para realizar a única obra urgente do mundo, a “casa para todos, o pão para todos”, lentamente me tem tornado um vago anarquista entristecido, idealizador, humilde, inofensivo… Anarquismo, mesmo vago; tristeza, mesmo filosófica; idealização, mesmo escondida não compõem um bom cortesão» (Eça de Queirós, A Rainha, 1898). Mas esta seria apenas uma das facetas queirosianas do autor de Ernestina, pois é bem possível que uma outra mais prazenteira se revelasse em expressões como estas na sua perene atitude: «Em resumo adoro a Vida – de que são igualmente expressões uma rosa e uma chaga, uma constelação e (com horror o confesso) o concelheiro Acácio… Creio na Vida todo-poderosa, criadora do Céu e da Terra…» (Idem, A Correspondência de Fradique Mendes).

O que eu gostaria de ter andado para aí a escrever sobre José Rentes de Carvalho se tivesse arte para tal e não apenas esta canhestra admiração infinita pela sua pessoa e pela sua obra.

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

A ASCR-CQ esteve em…

 

                                                                 Fotografia António Manuel S.P. Silva

No passado dia 9 de maio uma delegação da associação composta por J. A. Gonçalves Guimarães. António Manuel S. P. Silva e Maria de Fátima Teixeira, que teve também a presença da confrade Paula Carvalhal, vereadora do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, deslocou-se a Estevais do Mogadouro para cumprimentar o confrade de honra José Rentes de Carvalho, que no dia 15 completou noventa e cinco anos de vida, tendo sido recebidos pelo escritor e sua mulher Loeckie, tendo na ocasião lhe sido comunicado que na próxima Feira do Livro do Porto será lançado uma antologia de crónicas e outros textos em sua homenagem. Para além de ter oferecido mais algum espólio documental à associação, foram ainda abordadas diversas outras ações relacionadas com a promoção da sua obra a partir do mesmo. A delegação contatou ainda com o Dr. Nelson Campos, do Museu do Ferro de Moncorvo, o Doutor Carlos de Abreu da Revista Memória Rural e a Dr. Ana Proença Filipe, vereadora da Cultura de Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, e o Dr. Jorge Noronha da Casa Grande de Estevais (Biblioteca Armando Pimentel), sobre a nossa proposta da organização de um roteiro rentesiano.

 


                                                                Fotografia Micael Fernandez (QSP)

No dia 22 de maio J. A. Gonçalves Guimarães participou na Tertúlia Quartel da Serra do Pilar Passado e Presente, em Vila Nova de Gaia, em que foi palestrante sobre «O Mosteiro da Serra do Pilar, a moldura paisagística e a sua transformação em Praça Militar» conjuntamente com o Prof. Doutor Sérgio Veludo sobre «O Quartel da Serra do Pilar, a sua importância ao longo da História desde o início do Séc. XIX até meados do Séc. XX» e os Tenentes Coroneis José Batista e Alexandra Nascimento sobre «O Quartel da Artilharia, sua importância na Guerra do Ultramar e no 25 de abril de 1974. A transferência do RA5 para Vendas Novas e o Comando do Pessoal no Quartel da Serra do Pilar» tendo o painel sido coordenado e moderado pelo Coronel de Artilharia Homero Abrunhosa, Homero Abrunhosa, comandante da unidade, tendo estado presentes o Tenente General João Pedro Boga Ribeiro e outras autoridades militares e civis, e vários associados e confrades entre o público interessado. Esta ação foi também a apresentação pública de um projeto de realização de um livro bilingue sobre este complexo monumental que deverá ser lançado no final do ano.

                                                            Fotografia Paula Carvalhal (CMVNG)

No dia 23, J. A. Gonçalves Guimarães participou na igreja do Mosteiro de Corpus Christi na zona histórica de Vila Nova de Gaia, no debate de abertura do XVII Festival Internacional da Máscara Ibérica, subordinado ao tema «A regeneração das Tradições», conjuntamente com Carlos Magno, jornalista e professor universitário, Alexandra Pereira, coordenadora da área de Turismo do ISLA e a moderação do sociólogo Hélder Ferreira, da organização, apresentando diferentes perspetivas sobre as festividades dos rituais com máscara.

No próximo dia 29 de maio pelas 18,30 horas, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês, presenciais e via zoom, o Dr. João Fernandes historiador da Arte e responsável pelo Solar Condes de Resende, falará sobre «A Procissão das Cinzas da Ordem Terceira de São Francisco do Porto».

        

Curso no Solar

No Solar Condes de Resende decorreu ontem dia 24 de maio a sessão de encerramento do curso livre «“Portugal, a Flor e a Foice” (J. Rentes de Carvalho), comemorativo dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril», com a presença de vários dos seus professores e membros dos corpos socais da associação e do Dr. João Fernandes, responsável pelo Solar. Logo no início, J. A. Gonçalves Guimarães começou por fazer um balanço desta ação educativa analisando cada uma das aulas ministradas pelos diversos professores de várias universidades, passando de seguida à apresentação do programa do próximo curso a iniciar a 4 de outubro, evocativo dos 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-2025). Contando esta sessão com a presença de diversos membros do conselho editorial da revista Gaya. Estudos de História, Arqueologia e Património, do Gabinete de História, Arqueologia e Património da associação, o seu coordenador, Prof. Doutor António Manuel S. P. Silva, fez a apresentação de cada um dos artigos deste n.º 2 desta nova série, convidando cada um dos autores presentes a comentar o seu trabalho, após o que se seguiu um convívio entre todos os presentes no bar do Solar.

 

Outras conferências por diversos associados

Vários associados e confrades têm também realizado outras conferências e palestras ao serviço de outras entidades. Assim recentemente o Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo lecionou no El Corte Inglês – Gaia um curso em três sessões sobre o «Antigo Egito. Uma civilização com três mil anos». No mesmo espaço o Prof. Doutor José Manuel Tedim lecionou um curso breve sobre «Pintura Portuguesado séculos XV e XVI, de Nuno Gonçalves a António Campelo», tendo ainda proferido para os alunos do Colégio de Nossa Senhora da Bonança, Vila Nova de Gaia no dia 30 de Abril uma palestra sobre «O 25 de Abril e a Arte», que também repetiu nas suas aulas no Instituto D. António Ferreira Gomes no Porto.

No passado dia 12 de maio no I Colóquio Internacional da Universidade Lusófona e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Professor Doutor David Rodrigues do Conselho Nacional da Educação e da Universidade de Lisboa falou na conferência de abertura sobre «Educação inclusiva. Viver juntos e justos».



No próximo dia 27 de maio, numa realização da Associação de Solidariedade Social dos Professores de Évora na Biblioteca Pública local, o Professor Doutor Carlos Reis da Universidade de Coimbra fará uma conferência sobre «Eça de Queirós – do Jornalismo à Ficção».


Livros & Periódicos

 


Como acima já referimos, no passado dia 24 no Solar Condes de Resende foi lançado o número 2 da nova série da revista Gaya. Estudos de História, Arqueologia e Património, editada pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-CQ, que apresenta os seguintes artigos: «Trabalhos arqueológicos no Castro da Madalena, Vila Nova de Gaia (2020-2023) – revelar um passado ou inventar um futuro?», por António Manuel S. P. Silva; «Anéis e alianças de vidro no contexto do espólio das escavações arqueológicas da Igreja do Bom Jesus de Gaia» por J. A. Gonçalves Guimarães; «A numária antiga em Vila Nova de Gaia» por Henrique Pereira Ferreira; «A estrutura fundiária e senhorial no vale inferior do rio Febros no século XVII» por Paulo Jorge Cardoso de Sousa e Costa; «José Maria Santana e Silva, pároco de Mafamude» por João Luís Fernandes; «A 1.ª República e a Lei da Separação do Estado das Igrejas: o caso de António Pinto de Paiva Freixo em Crestuma, Vila Nova de Gaia» por Maria de Fátima Teixeira; «Património escolar edificado gaiense: proposta de enquadramento para a sua salvaguarda» por Ana Vaz, Eva Baptista e José António Afonso. O preço de capa (incluindo portes e embalagem) é de 15 €, podendo ser comprado por via postal.

 


Em edição da Câmara Municipal de Alfândega da Fé e de Lema d’ Origem Editora foi recentemente apresentado o livro O Lagar d’ El Rei em Alfândega da Fé. Um património sempre presente, da autoria do Dr. Paulo Sousa e Costa, que nesta edição aborda desde os conceitos de Património, passando pelo estabelecimento do morgadio dos Távora e seus descendentes, a história deste equipamento rural e da sua importância na olivicultura da região e do país, incluindo ainda um trabalho inédito do agrónomo alfandeguense José António Ochoa, apresentado como dissertação final no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa em 1885 e intitulado «Cultura da Oliveira no Distrito de Bragança».



David Rodrigues vai lançar um novo livro de poemas sobre o qual escreveu o seguinte no texto de apresentação: «A etimologia esclarece que “astrolábio” é um buscador de estrelas, um meio criado para, através delas, encontrar uma orientação. Uma orientação que sendo etimologicamente o ato de mostrar o oriente, se modificou de forma a indicar a posição, o sentido, a direção, um rumo para um caminho ou uma ideia. (…) Aproveitei a simbologia dos pontos cardeais para organizar os poemas deste livro. No Norte reuni os poemas menos vibrantes, mais introspetivos e até mais desanimados, poemas mais sombrios. Ao Sul destinei poemas de gratidão e de alegria, aceitando o convite da luz e do calor. Nestes poemas não falta o toque de humor que tão boa companhia me tem feito na vida. No Leste juntei os poemas de amor e de amizade. Amor pela vida, pelas pessoas e amor romântico que, tal como a poesia, é sempre uma ponte entre o real e o imaginário. No Oeste agrupei os poemas mais reflexivos, com uma vertente mais introspetiva sobre os valores da vida e o mundo». O autor fará uma sessão de autógrafos na Feira do Livro de Lisboa pelas 17 horas no dia 7 de junho; uma apresentação na Reitoria da Universidade do Porto no dia 9 de julho; uma outra sessão de autógrafos na Feira do livro do Porto no dia 30 de agosto e uma outra sessão de lançamento em data posterior em Lisboa.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 201, domingo, 25 de maio de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Micael Fernandez (QSP); Paula Carvalhal (CMVNG)

sexta-feira, 25 de abril de 2025

 

Eça & Outras, sexta-feira, 25 de abril de 2025

 

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

 

Corrupções e empenhos

 

A palavra corrupção berra-se nos dias de hoje por todo o lado, na comunicação social, na rua, no café, nos cartazes eleitorais, à porta dos tribunais e creio que também lá dentro nas salas das sessões. Parece uma novidade nova, mas não é. Dispenso-me aqui de piadas sobre a mulher de César. E ardilosamente vou tentar perceber de que é que estamos a falar nos dias de hoje. Porque isto é matéria para sorrisinhos cúmplices ou para assobios para o lado. Para nos fazermos desentendidos e apelar ao vaguíssimo princípio de que há corrupção e corrupção, de que não é tudo a mesma coisa, que uma coisa é alva e outra é branca e que é preciso contextualizar as coisas. A chamada “conversa da treta”, tem aqui matéria para teses de doutoramento em variadíssimas universidades. Vamos a coisas concretas: o velhíssimo Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo, 14.ª edição, Lisboa: Livraria Bertrand, volume I, 1949, página 739, diz que corrupção é o «acto ou efeito de corromper. Devassidão. Desmoralização…». Da mesma época, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa/ Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia Limitada, vol. 7, página 794, apresenta tal como «a acção ou efeito de corromper. Podridão; putrefacção; decomposição... Devassidão, depravação, perversão… Meios que se empregam para desviar alguém dos seus deveres, induzir a proceder contra a sua consciência, etc; suborno; prevaricação: corrupção eleitoral; juiz suspeito de corrupção…». Por sua vez o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I Volume A-F. Lisboa: Verbo, 2001, página 994, define-a como «acção ou resultado de corromper ou de se corromper… Degradação ou deterioração dos valores morais, dos bons costumes… Acto de agir ou aliciar alguém a agir contra a lei, através da oferta de dinheiro ou de outros valores…».

Não nos faltam, pois, catecismos onde nos doutrinemos sobre estes pecados pessoais e sociais: «vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» escreveu a poetisa Sophia e cantou o padre Fanhais. Portugal é um país adulto, mas ainda tem muito boa gente que não sabe ver, nem ouvir, nem ler e muito menos cantar. Não vemos, não ouvimos e não lemos nada de jeito. Saramago escreveu para nós um Ensaio sobre a cegueira para ver se passamos a enxergar melhor; a Música para surdos é possível e desejável; a Humanidade já se pôs a ler de há milénios para cá. Não há, pois, desculpas. Assumamo-nos.

E, no entanto, esta coisa das corrupções já vem de longe: sem precisarmos de ir à Pré-história (no drama da morte de Otzi, o homem do gelo (c. 3350 BC) pode ter havido já então alguma corrupção, o que leva alguns a concluírem apressadamente que o fenómeno está-nos na “massa do sangue”). Muito mais perto de nós, no século XVIII, encontramos esta afirmação: «quem com prudência considerar o estado do Mundo, e a corrupção de Portugal em todo o género de cousa, verá claro quão necessário seja plantar novo Reyno, novos homens, novas Leys, novos costumes» (Diogo Barbosa Machado, Memórias para a História de Portugal…, Lisboa: 1737, T. II, Parte II, Liv. I, Cap. XVIII, p. 257). A que acrescentaria novas mulheres, pois não queremos de modo algum aqui qualquer descriminação sexista que a literatura judicial bem depressa anularia. Mas já antes, quando Portugal estava em dificuldades e tinha de vencer e vencer-se, como foi o caso da desgraçada jornada de Alcácer-Quibir, já não faltou aí quem se aproveitasse da mesma em proveito próprio: «o desamor E desordem dos officiaes E ministros por quem corriam as despesas mais amigos do seu acrescentamento, que de acudir a sua obrigação… E ouue tanta devassidão no procedimento delas e gasto de dinheiro com que se faziam, que sabidamente ouue ministro, por quem este dinheiro corria, que lhe ficaram na mão mais de cento E sincoenta mil cruzados» (Jornada D’ El Rei D. Sebastião…, Liv. I Cap. 15. Lourenço Marques, 1972). Enfim, a coisa já vem de longe. Não é pois novidade. 

Não conheço estudos sobre este verdadeiro desígnio nacional que sejam claros, conclusivos, diagnósticos, e muito menos terapêuticos. Havendo por aí, apesar de tudo, tanta bolsa de investigação para irrelevâncias, bem que poderia haver algumas para historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos, psicólogos ou juristas que tratassem deste fenómeno a nível doutoral. Assim sempre teríamos conclusões científicas e não apenas algumas vagas alusões étnicas, distribuindo culpas pelos “celtas”, romanos, suevos ou visigodos â vez, ou mouros, viquingues, africanos e ciganos. E, obviamente, estrangeiros, sobretudo espanhóis que ainda não nos devolveram Olivença. Ou pelas crenças que nos teriam ficado de bruxos remotos, de judeus, de cristãos, de mouros, de protestantes, de ateus; ou pelas acusações folclórico-regionalistas empíricas sobre os seriíssimos transmontanos, como o senhor comendador que tem loja aberta mas não passa recibos; o minhoto que fez de um clube de futebol o seu negócio pessoal; o beirão “tu cá tu lá” com os ministros das obras públicas; o alentejano que vendeu um equipamento publico pago por dinheiros europeus; o madeirense que enriqueceu a vender carcaças de trigo aos pobres na África do Sul; o açoriano que não distinguia um pó branco vindo da Colômbia daquele que se usa na delicada pele dos bebés. Toda uma república de mitologias distrativas e de fugas à realidade que nos circunda e que nem sequer brilha na Literatura, pois que os escritores raramente vão além dos pobres diabos, dos Malhadinhas (Aquilino), dos Meças (Rentes de Carvalho). Estou mesmo para ver se o banqueiro vai ter um romance ou um estudo histórico-analítico, dado que o Zézinho já se tem esforçado com uns livrecos e cursos pudim royal a tentar convencer-nos que é um perseguido pela nossa falta de entendimento ou pela teimosa esquizofrénica da justiça. E lembro aqui que também o vigarista Alves dos Reis escreveu um pungente O Segredo da Minha Confissão, em dois volumes, Lisboa: Novo Mundo e Edições Europa, 1931-1932, que a cadeia deu-lhe tempo para isso, mas que não logrou convencer a morte.

Mas se corrupções que se prezam lidam com milhões de euros, dólares ou rublos, elas têm uns parentes mais lhanos e que se contentam com muito menos e arranjam facilmente teoria para a sua prosa mais económica: «O empenho, tão caluniado pelos austeros, é, por fim, a salvação do País. O empenho é o correctivo do bom senso público aplicado ao disparate oficial. Sempre que um Regulamento, saído dum antro burocrático, impõe ao público uma prática tola – o público coliga-se por meio do empenho, para lhe anular os efeitos funestos (…). Tal é o grande, nobre papel do empenho na sociedade portuguesa: ele é a conjuração do bom senso positivo contra o idealismo obsoleto e tolo das instituições» (Eça de Queirós, Carta a Oliveira Martins de 29.07.1886). Mas assim também não vamos lá, pois a solução para o enguiço será sempre a de atualizar a mensagem e criar um novo País, novos cidadãos, novas leis, novos hábitos quotidianos, um novo paradigma de cidadania, sem corrupções ou empenhos, ainda que justificadíssimos segundo Eça ou qualquer um de nós.

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

Entrevista a J. Rentes de Carvalho

Que magnífica comemoração do 25 de Abril. Hoje, como complemento da edição do jornal O Gaiense, o caderno «Melhor Escola» elaborado pelos alunos e professores do Colégio da Bonança, Vila Nova de Gaia, homenageia o escritor José Rentes de Carvalho nascido em Gaia em 1930 e que no próximo dia 15 de maio completará 95 anos vivos e ativos. Entre muitos outros livros, crónicas e textos dispersos, é o autor de "Ernestina", o melhor romance sobre o Centro Histórico de Gaia, mas também de "Portugal a Flor e a Foice" e de «A Revolução Exemplar e a Revolução Invisível», o qual temos como confrade honorário, doador do seu espólio e patrono do curso sobre os 50 anos do 25 de Abril que decorre no Solar Condes de Resende. Neste caso aqui se publica uma entrevista que o escritor e antigo professor da Universidade de Amsterdam concedeu aos alunos deste colégio da sua terra natal. A ler e meditar. A ASCR-CQ, com todo o gosto, deu a colaboração que lhe compete e continuará sempre a dar em casos semelhantes para divulgação da via e obra deste escritor Português, Holandês e do Mundo.

 

Novos corpos sociais da FAMP

Como noticiamos na página anterior, no passado dia 22 de março decorreram eleições para os corpos sociais da Federação dos Amigos dos Museus de Portugal (FAMP) no Museu dos Coches em Lisboa, nos quais a direção da ASCR-CQ, continuou a estar representada pelo presidente da direção J. A. Gonçalves Guimarães como vogal, que na ocasião, e por estar em serviço noutra atividade, esteve representado pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, vice-presidente da ASCR-CQ e presidente da direção do Grupo de Amigos do Museu Nacional de Arqueologia (GAMNA). A direção da FAMP continuou a ser assegurada pela Dr.ª Maria do Rosário Alvellos do Grupo de Amigos do Museu do Oriente.


A ASCR-CQ esteve em…

No dia 1 de abril uma delegação do Gabinete de História, Arqueologia e Património formada pelos coordenadores J. A. Gonçalves Guimarães e António Manuel S. P. Silva e a investigadora Maria de Fátima Teixeira, estiveram reunidos com o Prof. Doutor Álvaro Campelo, antropólogo e docente da Universidade Fernando Pessoa para o convidar a dirigir a concretização do volume sobre o Património Cultural de Gaia - Património Etnográfico (PACUG 6), tendo essa reunião prosseguido no dia 22 do esmo mês para operacionalizar os capítulos que constituirão o volume. Refira-se que estão em bom ritmo os trabalhos referentes ao Património Cultural de Gaia - Património Arqueológico (PACUG 4), de que é coordenador o arqueólogo António Manuel S. P. Silva, e o Património Cultural de Gaia - Património Institucional (PACUG 5), aguardando-se a publicação para breve do volume do Património Cultural de Gaia – Século XX (PACUG 3), já entregue na gráfica e dirigido por José Alberto Rio Fernandes.

 

Curso no Solar

Prossegue no Solar Condes de Resende e por videoconferência o curso livre «“Portugal, a Flor e a Foice” (J. Rentes de Carvalho), comemorativo dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril». Assim, no passado sábado dia 22 de março ocorreu a aula sobre «"Quando pertencer ao povo o que o povo produzir": poder popular e socialismo durante a Revolução Portuguesa (1974-75)», pelo Prof. Doutor Ricardo Noronha do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, seguindo-se no sábado 5 de abril a aula sobre «As Artes e a Revolução» pelo Prof. Doutor José Manuel Tedim e no próximo sábado 26 de abril a aula sobre o tema «Explorando os Arquivos da PVDE-PIDE-DGS no ANTT: os antifascistas naturais do concelho de Vila Nova de Gaia», pelo arquivista Dr. Silvestre Lacerda, ex-diretor do Arquivo Nacional Torre do Tombo.

 

Trasladação de Eça para o Panteão

Na sequência do programa que a convite do grupo de trabalho para a Concessão de Honras de Panteão Nacional a José Maria Eça de Queiroz pela Assembleia da República a ASCR-CQ tem vindo a organizar no Solar Condes de Resende, presenciais e por vídeoconferência nas últimas quintas-feiras do mês, no passado dia 27 de março, entre as 18,30 e as 19,30, a aconfrade honorária Prof.ª Doutora Cristina Petrescu da Universidade Babeș-Bolyai de Cluj-Napoca, falou sobre «Eça de Queirós na Roménia».

No dia 24 de abril será a vez de J. A. Gonçalves Guimarães que falará sobre «Os Roteiros Queirosiano e o Turismo Cultural» no mesmo local e hora.

Está previsto este programa sobre esta invocação terminar com uma visita guiada ao Roteiro Queirosiano do Porto num sábado dos finais de Maio ou princípios de Junho deque em breve se fará a divulgação.


Outras conferências por diversos associados

No passado dia 31 de março, na Casa Comum (Reitoria da Universidade do Porto), o Professor Doutor David Rodrigues, professor catedrático aposentado da Universidade de Lisboa, conferencista, poeta e músico de Jazz, apresentou uma comunicação e aula prática sobre «Haiku: o sentir da poesia do Japão difundido no mundo». Autor de 12 livros sobre esta modalidade literária hoje largamente difundida, em determinada fase da conferência envergou o trajo próprio dos seus cultores nipónicos, no caso uma preciosa peça honorífica em seda do século XIX.

 


Na quinta-feira dia 3 de abril pelas 18 horas, no círculo de tradução "Micaela Ghi,tescu" da Faculdade de Letras da Universidade Babeș-Bolyai de Cluj-Napoca, Romênia, a Prof.ª Doutora Cristina Petrescu falou sobre a canção medieval portuguesa «Ondas do Mar de Vigo» de Martin Codax, uma "canção sobre um amante" (cantiga de amigo), acompanhada da sua interpretação, enquadrada numa abordagem à poesia e música dos trovadores medievais peninsulares.


Seminário Queirosiano na FEQ

Entre os próximos dias 21 a 25 de julho de 2025, a Fundação Eça de Queiroz, em parceria com o Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, organiza mais uma edição do Seminário Queirosiano, este ano subordinado ao tema «Lógicas e Figurações da Personagem Queirosiana», o qual terá lugar na Casa de Tormes, em Santa Cruz do Douro (Baião), e terá a participação de investigadores, docentes e leitores queirosianos para uma reflexão aprofundada sobre a representação das personagens na obra de Eça de Queiroz, sendo esta ação acreditada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua, com a duração de 18 horas, para professores dos grupos 200, 210, 220 e 300.

Realizado com o apoio do Ministério da Cultura, do Centro de Literatura Portuguesa e do Município de Baião, propõe uma análise de personagens queirosianas como Carlos da Maia, Jacinto e Basílio, sem esquecer as figuras secundárias que enriquecem o universo narrativo de Eça.

A FEQ dispõe de bolsas de frequência para estudantes portugueses e estrangeiros cuja informação está disponível em https://feq.pt/actividades/ seminario-queirosiano/logicas-e-figuracoes-da-personagem-queirosiana/.

 

Na próxima quarta-feira, dia 30 de abril decorre nas suas instalações em Vila Nova de Gaia a partir das 19 horas a Feira Solidária do ISLA Gaia. O evento, organizado pela comunidade académica, inclui um concerto solidário a partir das 20h e disponibilizará uma zona alimentar, cujos resultados revertem para uma causa solidária, sendo esta realização aberta a toda a comunidade. A ASCR-CQ estará presente ara divulgar as suas atividades numa perspetiva de interação com as instituições universitárias gaienses.


 

Livros

Finalmente está disponível a edição crítica de A Cidade e as Serras publicada pela Imprensa Nacional, o vigésimo terceiro título das Obras de Eça de Queirós que decorre há três décadas de trabalho para restituir aos textos queirosianos a sua genuína fiabilidade por uma equipa de filólogos sob a direção do Professor Doutor Carlos Reis docente da Universidade de Coimbra. Tendo resultado da ampliação do conto Civilização, este romance foi publicado pela primeira vez em 1901, portanto após a morte do escritor em 16 de agosto de 1900, tendo sido objeto em muitas e variadas edições de intervenções apócrifas elaboradas com critérios muito discutíveis por Ramalho Ortigão e outros e de que a presente edição, com uma extensa introdução pelo Prof. Doutor Frank F. Sousa dá conta.

 

Distinções

Na Festa Literária Internacional de Paraty – Rio de Janeiro (FLIP), realizada a 11 de novembro de 2024, a Editor e rede internacional de Livrarias “Mágico de Oz” outorgou o Prémio Carioca de Excelência Ensaística à Prof.ª Doutora Annabela Rita, presidente da Academia Lusófona Luís de Camões, diretora da Associação Portuguesa de Escritores e confrade queirosiana.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 200, sexta-feira, 25 de abril de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Cristina Petrescu; FAMP; FEQ..